Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 712/2011
Comissão de Constituição e Justiça
Relatório
De autoria do Deputado Wander Borges, o Projeto de Lei nº 712/2011,
decorrente do desarquivamento do Projeto de Lei nº 1.880/2007, estabelece
normas gerais para a instituição de loteamentos fechados e condomínios
urbanísticos no Estado de Minas Gerais.
Publicado do “Diário do Legislativo” de 24/3/2011, foi o projeto distribuído
para as Comissões de Constituição e Justiça e de Assuntos Municipais e
Regionalização.
Em cumprimento do disposto no art. 173, § 2º, do Regimento Interno, foi
anexado à proposição o Projeto de Lei nº 933/2011, de autoria do Deputado
Sargento Rodrigues, que estabelece normas gerais para a instituição de
loteamentos fechados e condomínios urbanísticos no Estado.
Vem a matéria, preliminarmente, a esta Comissão para receber parecer sobre
sua juridicidade, constitucionalidade e legalidade, nos termos do art. 188,
combinado com o art. 102, III, “a”, do Regimento Interno.
Fundamentação
A proposição em tela visa a estabelecer normas gerais para a instituição de
loteamentos fechados e condomínios urbanísticos no Estado, com fulcro no
art. 24, § 3º, da Constituição da República, conforme anuncia a ementa da
proposição.
Primeiramente, esclarecemos que as medidas previstas no Projeto de Lei nº
933/2011 são semelhantes às previstas na proposição em comento, tendo suas
ideias contribuído para apresentação do substitutivo no final do parecer.
Cumpre dizer que, na legislatura passada, ao analisar o Projeto de Lei nº
1.880/2007, que a ele deu origem, esta Comissão aprovou substitutivo. Como
não ocorreram mudanças constitucionais que propiciassem uma nova
interpretação da matéria, ratificamos o entendimento adotado anteriormente e
reproduzimos a argumentação jurídica apresentada na ocasião:
“Para o devido exame da matéria, convém inicialmente desenvolver algumas
considerações sobre o conceito de normas gerais para, em seguida, reconhecer
a competência do Estado para legislar sobre direito urbanístico. Verifica-se
a seguir a existência de lacunas na legislação federal que permite a edição
de normas estaduais.
Teoria e prática das normas gerais na competência legislativa concorrente
Na medida em que cresceram as atribuições do Estado durante o século XX,
tornou-se mais difícil a separação estanque entre as atribuições dos entes
federativos, como no modelo original do federalismo norte-americano. Nos
Estados federados, além das competências privativas dos entes federativos, a
competência para legislar sobre algumas matérias foi atribuída
concorrentemente à União e aos Estados. Para repartir as responsabilidades
na competência legislativa concorrente, há duas técnicas a ser adotadas: a
cumulativa e a não cumulativa. Na primeira, ‘os entes podem avançar na
disciplina das matérias desde que o que lhes é considerado superior não o
faça (não há limites prévios, mas a regra da União prevalece, em caso de
conflito)’; na não-cumulativa, as matérias estão, previamente, ‘delimitadas
por sua extensão (normas gerais e particulares)’ (Tércio Sampaio Ferraz
Junior. Normas Gerais e Competência Concorrente: uma exegese do art. 24 da
Constituição Federal. Revista Trimestral de Direito Público, nº 7, p. 17). O
federalismo brasileiro adota esse modelo, e o critério de distinção reside
na regra prevista no § 1º do referido art. 24, segundo o qual cabe à União
fixar as normas gerais sobre a matéria, que serão suplementadas pelos
Estados, conforme prevê o parágrafo seguinte, e pelo Municípios, nos termos
do art. 30, inciso II, do referido texto constitucional.
Na ausência das normas gerais editadas pela União, podem os Estados editar
normas para atender às suas especificidades. A superveniência de norma
federal suspende a estadual, apenas no que esta lhe for contrária. Assim, a
definição de normas gerais é fundamental para reconhecer os campos de
competência da União e dos Estados em matéria de legislação concorrente.
Mas, afinal, como definir ou reconhecer as normas gerais previstas no art.
24, § 1º, da Constituição da República?
Diogo de Figueiredo Moreira Neto identificou diversos critérios propostos
pela doutrina para o reconhecimento das normas gerais (Competência
concorrente limitada: o problema da conceituração das normas gerais. Revista
de Informação Legislativa. N. 100, out/dez 1988, p. 149). Assim, segundo a
doutrina jurídica, as normas gerais:
a) estabelecem princípios, diretrizes, linhas mestras e regras jurídicas
gerais (José Afonso da Silva, Paulo de Barros Carvalho, Mar Aurélio Grecco,
entre outros);
b) não podem entrar em pormenores ou detalhes nem esgotar o assunto
legislado (Manoel Gonçaves Ferreira Filho, Paulo de Barros Carvalho, Marco
Aurélio Grecco, entre outros);
c) devem ser regras nacionais, uniformemente aplicáveis a todos os entes
públicos (Paulo de Barros Carvalho, Adilson Abreu Dallari, Souto Maior
Borges) ;
d) devem ser regras uniformes para todas as situações homogêneas (Carvalho
Pinto e Adilson Abreu Dallari);
e) só cabem quando preencham lacunas constitucionais ou disponham sobre
áreas de conflito (Paulo de Barros Carvalho e Geraldo Ataliba);
f) não são normas de aplicação diretas (Cláudio Pacheco).
A ideia de que as normas gerais editadas pela União devem conter princípios
e diretrizes significa que a lei federal em matéria de competência
concorrente deve apresentar um nível elevado de abstração, de forma que a
mediação normativa necessária para a sua aplicação fique a cargo dos Estados
e dos Municípios. Ocorre que o entendimento subjacente à postura do
Judiciário, do Legislativo e do Executivo federais diante dessa matéria não
endossa esse posicionamento doutrinário. Os três Poderes federais imprimem
um sentido amplo às normas gerais, alargando a competência legislativa da
União, em detrimento da dos Estados e dos Municípios. A decisão a seguir
transcrita ilustra bem o sentido amplo comumente atribuído às normas gerais
pelo STF:
‘Lei 14.861/05, do Estado do Paraná. Competência legislativa concorrente
para dispor sobre produção, consumo e proteção e defesa da saúde. Art. 24, V
e XII, da Constituição Federal. (...) Ocorrência de substituição — e não
suplementação — das regras que cuidam das exigências, procedimentos e
penalidades relativos à rotulagem informativa de produtos transgênicos por
norma estadual que dispôs sobre o tema de maneira igualmente abrangente.
Extrapolação, pelo legislador estadual, da autorização constitucional
voltada para o preenchimento de lacunas acaso verificadas na legislação
federal.
Precedente: ADI 3.035, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 14-10-05.’ (ADI 3.645,
Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 31-5-06, DJ de 1º-9-06) (grifos
nossos).
A admissão pelos três Poderes da veiculação de normas gerais por meio de
atos infralegais – decretos, portarias, instruções normativas – é um
desdobramento desse sentido amplo atribuído ao conceito de normas
gerais. Como regra, o STF mantém, sobre a matéria, o entendimento que já
adotava antes da promulgação da Constituição da República de 1988, expresso
na seguinte decisão:
‘Note-se, ademais, que, para se configurar o vazio que pode ser preenchido
supletivamente pelas leis estaduais, é preciso que não haja legislação
federal, que abarca não-somente as leis, mas também os diferentes atos
normativos (decretos, regulamentos, circulares, portarias, etc). que emanam
da União Federal’ ( Representação nº 1.153-4/1985).
O legislador federal, por sua vez, adotou esse entendimento, por exemplo, na
Lei Complementar nº 101, de 2000, – a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal
–, cujo art. 50, § 2º, estabelece: ‘A edição de normas gerais para
consolidação das contas públicas caberá ao órgão central de contabilidade da
União, enquanto não implantado o conselho
de que trata o art. 67’. A matéria se enquadra em orçamento, previsto no
inciso II do art. 24 da Constituição da República. A norma geral a que se
refere esse dispositivo é a Portaria Interministerial da Secretaria do
Tesouro Nacional nº 163, de 4/5/2001, que detalha a forma de elaboração dos
orçamentos públicos. Não se pode deixar de reconhecer a importância desse
procedimento padronizado para toda a nação, indispensável para que se possa
saber, por exemplo, quanto o Estado brasileiro, em seus três níveis de
governo, gasta em cada política nas áreas de saúde, educação, transporte
etc. A ideia de que normas gerais representam princípios e diretrizes não se
sustenta nesse caso, porque a referida portaria contém detalhes, minúcias
sobre a matéria, embora não lhe dê tratamento exaustivo.
Assim, entre os significados mencionados por Diogo de Figueiredo Moreira
Neto, a prática das instituições brasileiras considera que as normas gerais
são aplicadas igualmente a todos os entes federativos e que não devem
exaurir a matéria. Esse sentido amplo atribuído às normas gerais pelos três
Poderes da União tem um duplo efeito para os Estados federados. Por um lado,
o Congresso Nacional e sobretudo os Ministérios, os conselhos setoriais –
como os Conselhos Nacionais de Trânsito, de Saúde, de Educação - e as
agências reguladoras não encontram uma definição de normas gerais que limite
a edição de suas normas, o que restringe a competência legislativa dos
demais entes federativos. Por outro lado, quanto mais amplo o sentido
atribuído às normas gerais, maior a possibilidade de que existam lacunas a
ser preenchidas pelas normas estaduais, com fulcro no art. 24, § 3º, da
Constituição da República. Deve o legislador estadual estar atento para o
reconhecimento e o preenchimento dessas lacunas, quando assim o exigir o
interesse publico. Ao suprir essas lacunas, o Estado não pode, todavia,
disciplinar matérias que se enquadram no conceito de interesse local,
que se refere à competência legislativa municipal.
A competência legislativa concorrente em direito urbanístico O direito
urbanístico, ramo no qual se enquadra a proposição em tela, apresenta duas
características que merecem destaque no contexto desse debate. A primeira é
o fato de que não há uma instância federal que exerça função regulamentadora
sobre a matéria, como ocorre em outras áreas de competência legislativa
concorrente, como meio ambiente, saúde e educação. Esse fato amplia a margem
para o exercício da competência legislativa suplementar dos Estados (art.
24, I, § 2º, da Constituição da República) e dos Municípios (30, II, da
Constituição da República). A segunda característica reside no fato de que
essa competência suplementar deve ser exercida sobretudo pelos Municípios,
aos quais compete efetuar o planejamento territorial. Não significa,
contudo, que o Estado não tenha competência legislativa em direito
urbanístico. A esse respeito, confira-se a seguinte decisão do STF:
‘A criação, a organização e a supressão de distritos, da competência dos
Municípios, faz-se com observância da legislação estadual (CF, art. 30, IV).
Também a competência municipal, para promover, no que couber, adequado
ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do
parcelamento e da ocupação do solo urbano — CF, art. 30, VIII — por
relacionar-se com o direito urbanístico, está sujeita a normas federais e
estaduais (CF, art. 24, I). As normas das entidades políticas diversas —
União e Estado-Membro — deverão, entretanto, ser gerais, em forma de
diretrizes, sob pena de tornarem inócua a competência municipal, que
constitui exercício de sua autonomia constitucional.’ (ADI 478, Rel. Min.
Carlos Velloso, julgamento em 9-12-06, DJ de 28-2-97) (grifo nosso).
Fica evidente que, seja no exercício da competência legislativa suplementar
(art. 24, § 2º) , seja da supletiva (art. 24, § 3º), os Estados federados
podem legislar sobre direito urbanístico, não se admitindo, todavia, que
venham a exaurir a matéria, sob pena de ofensa à autonomia municipal.
Deve-se, contudo, reconhecer que Municípios não são feudos ou ilhas, mas
constituem uma rede na medida em que as cidades interagem entre si com maior
ou menor intensidade. O enriquecimento e o progresso de uma cidade geram o
chamado efeito vizinhança, permitindo o desenvolvimento dos Municípios
vizinhos. O eixo Rio–São Paulo, por exemplo, apresenta alta intensidade de
interação entre as cidades que o compõem. Segundo Mike Davis, ‘os geógrafos
já mencionam um leviatã conhecido como Região Metropolitana Ampliada Rio–São
Paulo, que inclui as cidades de tamanho médio no eixo viário de 500
quilômetros entre as duas maiores metrópoles brasileiras, assim como a
importante área industrial dominada por Campinas; com população atual de 37
milhões de habitantes, essa megalópole embrionária já é maior que
Tóquio-Yokohama’ (Planeta favela, 2006, p.16).
Evidentemente, cabe aos entes federativos regionais fixar diretrizes para o
desenvolvimento dessa megalópole. Nesse contexto, fica claro que a
legislação urbanística não pode ficar a cargo exclusivo dos Municípios. Esse
entendimento sobre a matéria não é novo, pois, afinal, já constava das
lições de Hely Lopes Meirelles na década de 1980, para quem os planos
diretores estaduais visam a ‘dar diretrizes e a permitir aos Municípios a
conjugação de seus planos diretores locais ao sistema estadual. (...) É hoje
pacífico que a planificação urbanística deve ser feita “vasto raggio”,
interligando-se os planos menores aos maiores, até obter-se a funcionalidade
orgânica prevista na planificação nacional’ (‘Direito Municipal Brasileiro’.
1982, p. 401). Aliás, a própria lei de uso e ocupação do solo, Lei Federal
nº 6.766, de 1979, reconhece a competência legislativa suplementar dos
Estados:
‘Art. 1º (...)
Parágrafo único - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão
estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo
municipal para adequar o previsto nesta Lei às peculiaridades regionais e
locais.’
O Projeto de Lei federal nº 3.057, de 2000, que pretende substituir a
referida lei, também faz menção à competência legislativa dos Estados em
matéria urbanística. Com a argumentação desenvolvida até o presente momento,
fica clara a competência legislativa dos Estados para suplementar a
legislação federal em matéria urbanística.
Essa competência se amplia no âmbito das regiões metropolitanas, em que a
mesma malha urbana é integrada por vários Municípios.
É comum nessas regiões – mas não apenas nelas – que a gestão do solo reflita
uma dimensão da guerra fiscal entre os Municípios, que se interessam pela
implementação de loteamentos fechados em seus territórios, possibilitando a
cobrança de IPTU sem a demanda por serviços públicos, mas resistem à
implementação de habitações de interesse social, que não geram a mesma
receita É fundamental que regras nacionais ou estaduais revertam essa
tendência.
É preciso ainda fazer uma outra consideração: quando o legislador federal
edita uma norma de direito urbanístico, ele não precisa se preocupar se ela
interfere em questões de direito civil ou de direito registral, por exemplo,
que são matérias privativas da União. Uma mesma lei federal pode transitar
entre as matérias de competência concorrente e de competência privativa,
desde que se trate de um mesmo assunto, como exige a técnica legislativa.
Assim, uma lei de uso e ocupação do solo, que é sobretudo de direito
urbanístico, pode definir regras para o registro dos lotes, envolvendo,
pois, o direito registral, que é de competência privativa da União. Ao
exercer as competências legislativas suplementares ou supletivas, o Estado
deve se ater exclusivamente ao direito urbanístico – uma observação
importante para o exame da proposição em tela.
Os condomínios urbanísticos, os loteamentos fechados e a proposta de
regulamentação federal Cabe-nos indagar, nesse momento, se procede a
argumentação do autor da proposição em exame sobre a existência de lacuna na
legislação federal acerca dos chamados loteamentos fechados ou condomínios
urbanísticos. Mais uma vez, vale trazer à baila a contribuição de Hely Lopes
Meirelles: ‘Os loteamentos especiais estão surgindo (...) nos arredores das
grandes cidade, visando descongestionar as metrópoles.
Para esses loteamentos não há, ainda, legislação superior específica que
oriente sua formação’(‘Direito Municipal’. Ed. Malheiros, 1982, p. 273).
Em virtude da busca por mais segurança, o fenômeno observado pelo
administrativista na década de 80 se intensificou nos últimos anos e não
mais se restringe às grandes cidades. Contudo, permanece a lacuna na
legislação federal sobre a matéria, como reconhece a Comissão de
Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados, que tem realizado diversas
audiências públicas para debater o assunto. É verdade que o art. 8º da Lei
nº 4.591, de 1964 – Lei dos Condomínios e Incorporações Imobiliárias –,
admite a construção de casas na forma de unidades autônomas em um mesmo
terreno. Segundo José Afonso da Silva, ‘esse dispositivo, na real verdade,
tem sido usado abusivamente para fundamentar os tais loteamentos fechados.
Foi ele estabelecido, certamente, não para tal finalidade, mas para
possibilitar o aproveitamento de áreas de dimensão reduzida no interior das
quadras, que, sem arruamento, permitam a construção de conjuntos de
edificações, em forma de vilas, sob regime condominial. (...) Quando, no
entanto, a situação extrapola desses limites, para atingir o parcelamento de
gleba com verdadeiro arruamento e posterior divisão da quadra em lotes, com
aproveitamento das vias de circulação preexistentes, então aquele
dispositivo não pode mais constituir fundamento do aproveitamento espacial,
em forma de condomínio, porque aí temos formas de parcelamento urbanístico
do solo.’ (‘Direito Urbanístico Brasileiro’, 3ª edição, pp. 337-338).
Deve-se mencionar ainda o art. 3º do Decreto-Lei nº 271, de 28/2/67, que
admite a aplicação da Lei nº 4.591, de 1964, para os loteamentos. Não
obstante, pode-se questionar se esse dispositivo foi recepcionado pela Lei
nº 6.766, de 1979. Ainda que se admita a sua vigência, ele disciplina a
matéria no âmbito do direito civil, que permanece sem a devida
regulamentação sob o aspecto urbanístico.
Cabe, contudo, fazer uma distinção entre condomínio urbanístico e loteamento
fechado, ambos carentes de legislação que estabeleçam as normas gerais na
perspectiva do direito urbanístico. Esta distinção é importante porque o
termo condomínio vem sendo utilizado pelo mercado de forma indiscriminada e
sem rigor técnico, referindo-se comumente a situações que não configuram
condomínios, nos termos da legislação civil, mas apenas loteamentos
fechados. Nos condomínios urbanísticos, as vias de acesso, como ruas e
avenidas, pertencem aos condôminos, que devem, ademais, pagar IPTU delas
decorrentes. A área ocupada pelo condomínio constitui uma única propriedade,
divididas em frações ideais entre os proprietários, que têm acesso exclusivo
às suas respectivas unidades autônomas, como ocorre nos edifícios. Nos
loteamentos fechados, as vias de acesso e outras áreas são doadas à
municipalidade, na forma da Lei nº 6.766, de 1979, que autoriza por lei o
controle ao acesso a esses bens públicos pela associação de moradores. A
controvérsia jurídica sobre a matéria é imensa, decorrente em grande parte
da falta de legislação federal.
Falta, contudo, não apenas lei federal, mas fiscalização na aplicação das
leis municipais pelas prefeituras. Por exemplo, é interessante notar que, na
maioria dos loteamentos fechados próximos à capital mineira, não há passeio
para a circulação com segurança dos pedestres – comumente, operários e
empregados domésticos –, que são expostos à situação de risco ao terem que
utilizar as vias de veículos para se locomoverem.
Há muita controvérsia jurídica em torno tanto dos loteamentos fechados
quanto dos condomínios urbanísticos. Há autores que sustentam a
irregularidade de ambos até que lei com as normas gerais sobre a matéria
seja aprovada. Outros argumentam que loteamento não pode ser fechado, porque
a Lei nº 6.766, de 1979, determina a integração da rede viária do novo
loteamento aos logradouros já existentes e, por isso, o acesso ao loteamento
não pode ocorrer por uma única via e restrito aos proprietários. Outros
sustentam ainda que a legislação civil federal não prevê os condomínios
urbanísticos como forma de expansão urbana. O fato, contudo, é que os
loteamentos fechados e os condomínios urbanísticos vêm sendo implementados
com o respaldo exclusivo de leis municipais, sem que a União ou os Estados
estabeleçam as normas gerais para a matéria.
Os reiterados debates na Câmara dos Deputados sobre a matéria ocorrem em
virtude notadamente da tramitação do Projeto de Lei nº 3.057, de 2000, que,
ao propor a revisão da Lei de Parcelamento de Solo, versa tanto sobre os
condomínios urbanísticos quanto sobre os loteamentos fechados. Aqueles são
definidos pela referida proposição como ‘a divisão de imóvel em unidades
autônomas destinadas à edificação, às quais correspondem frações ideais das
áreas de uso comum dos condôminos, admitida a abertura de vias de domínio
privado e vedada a de logradouros públicos internamente ao seu perímetro’
(art. 2º, XII). Segundo o art. 124 do mencionado projeto, ‘admite-se a
aprovação de loteamentos para fins urbanos com controle de acesso’ desde
que, entre outras exigências, ‘lei estadual ou municipal autorize a
expedição de licença para esse tipo de empreendimento’. A menção à
legislação estadual parece confirmar a competência do Estado para legislar
sobre a matéria.
A proposição em exame tem o mérito de trazer para o Estado o debate sobre a
matéria, que é de grande relevância notadamente para as cidades de grande
porte e regiões metropolitanas. Quiçá possamos subsidiar o debate federal
sobre a matéria.
A análise da proposição
As considerações formuladas inicialmente neste parecer foram necessárias
para o adequado exame da proposição, que envolve uma complexidade de ordem
tanto jurídica quanto social, em virtude do surgimento de diversos
empreendimentos urbanísticos com acesso limitado aos proprietários sem a
devida fixação de normas gerais sobre a matéria. Como já foi ressaltado, não
pode a proposição extrapolar o campo de competência legislativa concorrente,
adentrando no direito penal e registral, como faz o Projeto de Lei Federal
nº 3.057, de 2000.
Há que ter o devido cuidado, por outro lado, de não exaurir o tratamento do
assunto ou disciplinar matérias de interesse local, invadindo a competência
do Município.
No exame da proposição em tela, sempre que conveniente, mencionamos o
tratamento que o referido projeto federal e a legislação em vigor dispensam
à matéria.
O projeto parte do pressuposto de que a legislação civil (Lei nº 4.591, de
1964, combinada com o art. 3º do Decreto-lei nº 271, de 1967) admite a
figura do condomínio urbanístico, pois a legislação estadual, ainda que
baseada no § 3º do art. 24 da Constituição da República, não poderia criar
este instituto jurídico, em virtude de sua natureza de direito privado. A
tese jurídica contida nesse pressuposto é controvertida, mas tem respaldo na
doutrina e na experiência das cidades. Ademais, o questionamento comumente
se dirige não tanto para o reconhecimento da existência dessa figura na
ordem jurídica, mas para a sua utilização como forma de expansão urbana,
razão pela qual a mantemos na proposição em apreço. Contudo, sugerimos a
adoção do conceito previsto na proposição federal, pelo seu rigor técnico.
A definição de infraestrutura básica, contida no inciso III do art. 1º do
projeto em tela, merece reparo, notadamente para ajustá-la à definição de
saneamento básico, contida no art. 3º da Lei Federal nº 11.445, de 5/1/2007.
O art. 3º prevê a possibilidade de se instituir loteamento fechado depois de
sua implementação. Esta é uma questão delicada e motiva muitas ações
judiciais, porque aqueles que já são proprietários ou moradores podem não
querer colaborar financeiramente com a associação, criando um impasse. A
jurisprudência sobre a matéria não é uniforme. Por exemplo, o Tribunal de
Justiça de Minas Gerais já decidiu no sentido de que os proprietários são
obrigados a contribuir para a associação que tem como objetivo a realização
de benfeitorias e prestação de serviços de interesse comum, conforme
entendimento adotado no acórdão abaixo:
‘Loteamento aberto - Condomínio atípico - Associação dos proprietários -
liberdade de não associar-se - rateio das despesas destinadas à manutenção,
conservação e segurança dos moradores - obrigatoriedade de todos os
proprietários. O proprietário de imóvel integrante de loteamento aberto, sem
condomínio formalmente instituído, ainda que não se ache obrigado a se
associar a qualquer entidade, se sujeita às deliberações estabelecidas pela
maioria dos proprietários de imóvel no loteamento, particularmente, quanto a
obrigatoriedade de pagamento das contribuições instituídas para proveras
despesas necessárias à manutenção, conservação e segurança das vias internas
e que, sem dúvida, redundam em benefício de todos os moradores’ (Des. Elias
Camilo, Proc. 1.0188.03.015465-5/001(1), Julgamento 30/08/2007).
O entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, contudo, é
diverso, como se verifica na ementa que se segue:
‘Civil. Loteamento. Associação de moradores. Cobrança de contribuição por
serviços prestados. O proprietário de lote não está abrigado a concorrer
para o custeio de serviços prestados por associação de moradores, se não os
solicitou. Recurso especial conhecido e provido’ (Ministro Ari Pargendler,
Recurso Especial nº 444.931).
A matéria, reitera-se, não está pacificada no Poder Judiciário em
decorrência, em grande parte, da falta de legislação federal. Parece-nos,
contudo, que não pode a legislação estadual resolver esta controvérsia,
porque, como sugere o acórdão acima, a relação entre o proprietário e a
associação de moradores criada posteriormente à venda de lotes refere se ao
direito civil, que se enquadra na competência privativa da União.
Por essa razão, optamos por suprimir o art. 3º da proposição. Ademais, o
fechamento de loteamento após a sua aprovação e registro nos órgãos públicos
competentes apresenta o problema do acesso às áreas reservadas para o uso
público, questão que será adiante retomada.
Os demais dispositivos da proposição em tela não têm igual repercussão no
âmbito das relações privadas, porque visam a disciplinar os futuros
empreendimentos de loteamentos fechados ou de condomínios urbanísticos, nos
quais as questões de natureza civil são previamente estabelecidas desde o
momento da compra dos lotes ou das unidades autônomas. Tais dispositivos
enquadram-se no âmbito do direito urbanístico.
O art. 7º da proposição estabelece que, ‘para a implantação de condomínio
urbanístico, o empreendedor destinará ao uso público área externa
equivalente a 20% por cento da área do empreendimento’. Vale inicialmente
reproduzir o que dispõe a o art. 4º da Lei nº 6.766:
‘Art 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes
requisitos:
I - as áreas destinadas a sistema de circulação, a implantação de
equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público,
serão proporcionais à densidade de ocupação prevista para a gleba,
ressalvado o disposto no § 1º deste artigo;
(...)
§ 1º - A percentagem de áreas públicas prevista no inciso I deste artigo não
poderá ser inferior a 35% (trinta e cinco por cento) da gleba, salvo nos
loteamentos destinados ao uso industrial cujos lotes forem maiores do que
15.000 m² (quinze mil metros quadrados), caso em que a percentagem poderá
ser reduzida.’
Eis uma das questões centrais na polêmica em torno dos loteamentos fechados
e condomínios urbanísticos. O empreendedor deve reservar espaços para uso
público e instalação de equipamentos. Embora os moradores desse loteamento
sejam os principais beneficiários, o espaço livre destina-se a toda a
comunidade. Afinal, a cidade deve ser um espaço de integração social e de
solidariedade, razão pela qual é fundamental que os equipamentos públicos,
como praças e áreas verdes, sejam de livre acesso. Dessa forma, essas áreas
devem ficar fora da área cujo acesso é restrito.
A questão se torna ainda mais complicada quando envolve os condomínios
urbanísticos, em razão do tamanho. Se o condomínio for muito pequeno, não se
justifica a aplicação da norma. Basta imaginar um empreendimento que irá
construir um conjunto de casas em uma área de 10 mil metros quadrados. Não
se pode admitir, por outro lado, o condomínio muito grande, porque ele
poderá representar um obstáculo ao desenvolvimento urbano. Um empreendimento
que hoje se encontra um pouco afastado da cidade poderá ser alcançado, daqui
a uma ou duas décadas, pela malha urbana. Se for um loteamento fechado, a
mudança da lei municipal poderá alterar as regras de acesso às vias
públicas. Se for uma grande propriedade urbana, o poder público terá que
desapropriar as áreas de circulação. Vale retomar a lição de José Afonso da
Silva: condomínio não é o instituto adequado para a promoção da expansão e
do desenvolvimento urbano. Por isso, a proposição deve estabelecer dois
parâmetros acerca do tamanho dos condomínios urbanísticos. Um para isentar
empreendimentos pequenos da exigência de transferir áreas para o poder
público: existem vários condomínios formados por blocos de apartamentos
ocupando até um quarteirão inteiro e não se justifica incidir sobre
empreendimentos desta proporção a regra prevista na proposição. O outro
parâmetro refere se a um limite máximo para o tamanho de condomínios
urbanísticos.
Esta recomendação, aliás, consta de estudo formulado pela Consultora da
Câmara dos Deputados, Suely Mara Vaz Guimarães de Araujo, em abril de 2004,
intitulado “Condomínios urbanísticos”. Essa comissão tem condições de
sugerir o primeiro parâmetro, deixando a cargo da discussão de mérito o
segundo. Em ambos os casos, deve-se permitir ao Município a sua redução.
Há uma última consideração a fazer acerca da matéria tratada da proposição
em exame. O Projeto de Lei nº 3.057, de 2000, não prevê loteamentos
fechados, mas loteamentos com controle de acesso, no qual a associação de
bairro pode parar os interessados para registrar dados pessoais básicos, mas
não pode impedir o seu acesso (art. 124).
Essa é uma possibilidade que deve ser considerada no mérito.
O tema da proposição é controvertido e complexo, razão pela qual vale frisar
que esta Comissão está consciente de que apenas dá início ao debate nesta
Casa sobre a matéria, o qual deverá se estender, com subsídios tanto das
autoridades locais e nacionais quanto dos setores da sociedade envolvidos,
como empresários, acadêmicos e movimentos sociais.”
Conclusão
Pelas razões apresentadas, concluímos pela juridicidade, constitucionalidade
e legalidade do Projeto de Lei nº 712/2011 na forma do Substitutivo nº 1, a
seguir redigido.
SUBSTITUTIVO Nº 1
Estabelece normas gerais para a instituição de loteamentos fechados e
condomínios urbanísticos no Estado.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Esta lei estabelece normas gerais para a instituição e a
implementação de loteamentos fechados e condomínios urbanísticos, nos termos
do § 3º do art. 24 da Constituição da República.
Art. 2º – Para os fins desta lei, entende-se por:
I – loteamento fechado o loteamento em que o acesso aos bens de domínio
público é restrito aos proprietários ou àqueles por eles autorizados, e os
serviços públicos, definidos em lei municipal, desempenhados por associação
de moradores, devidamente constituída;
II – condomínio urbanístico o terreno sob regime de copropriedade, dividido
em unidades autônomas destinadas a abrigar edificações residenciais, às
quais correspondem frações ideais das áreas de uso comum;
III – infraestrutura básica os sistemas de abastecimento de água potável,
esgotamento sanitário, distribuição de energia elétrica, manejo de águas
pluviais, pavimentação e disposição adequada de resíduos sólidos;
IV – infraestrutura complementar a arborização viária, as redes de
telefonia, comunicação e de gás canalizado e os demais elementos não
considerados infraestrutura básica.
Art. 3º – A instituição de loteamento fechado ou condomínio urbanístico fica
condicionada à existência de plano diretor do Município, aprovado ou revisto
após a promulgação da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, e sujeita-se a
suas disposições.
Art. 4º – É vedada a instituição de condomínio urbanístico:
I – na hipótese de o empreendimento impedir a continuidade do sistema viário
existente ou projetado ou o acesso a bens públicos;
II – em áreas:
a) necessárias à preservação ambiental e à defesa do interesse cultural ou
paisagístico;
b) sem condições de acesso pelo sistema viário oficial;
c) sem infraestrutura sanitária adequada;
d) com condições geológicas inadequadas à edificação;
e) com declividade natural igual ou superior a 30% (trinta por cento);
f) com problemas de erosão em sulcos e voçorocas, até sua estabilização e
recuperação;
g) aterradas com material nocivo à saúde pública;
h) em condições sanitárias inadequadas devido à poluição;
i) alagadiças ou contíguas a mananciais, cursos de água, represas e demais
recursos hídricos, sem a prévia manifestação das autoridades competentes;
j) alagadiças ou sujeitas à inundação, antes de serem tomadas providências
para assegurar o escoamento das águas.
Parágrafo único – Em áreas com as características descritas na alínea “a” do
“caput”, poderá ser instalado condomínio urbanístico, caso haja justificado
interesse público de ordem ambiental.
Art. 5º – Competirá aos condôminos ou a associação de bairros,
respectivamente, nos condomínios ou nos loteamentos fechados, a manutenção
do sistema viário, das áreas destinadas ao uso comum e da infraestrutura
complementar interna.
Art. 6º – Para a implantação de condomínio urbanístico com área superior a
10.000m2 (dez mil metros quadrados) ou de loteamento fechado, o empreendedor
destinará ao uso público área externa equivalente a pelo menos 25% (vinte
por cento) da área do empreendimento.
Art. 7º – A área a que se refere os art. 6º poderá ser:
I – ampliada por lei municipal;
II – localizada em qualquer parte do Município, conforme legislação
municipal.
Art. 8º – Caberá ao empreendedor:
I – a demarcação dos lotes, das quadras e das áreas destinadas a equipamento
comunitário;
II – a implementação da infraestrutura básica, do sistema viário, das áreas
de uso comum e de equipamentos de prevenção e combate a incêndios, conforme
projeto previamente aprovado pelo Corpo de Bombeiros.
Art. 9º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Comissões, 30 de agosto de 2011.
Sebastião Costa, Presidente – Bruno Siqueira, relator – Rosângela Reis –
Cássio Soares – André Quintão – Delvito Alves.
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