O STF pode decidir, nos próximos dias, em
sua composição plenária, a questão da penhorabilidade, ou não, do imóvel
residencial do fiador. Num caso oriundo de São Paulo, o ministro Carlos
Velloso já reconheceu, em maio passado, a inconstitucionalidade parcial
de artigo da Lei n. 8.245, de 1991, que excepcionava o bem de família do
fiador, sujeitando o seu imóvel residencial à penhora.
O caso chegou a ter sido anunciado como se houvesse trânsito em julgado.
Mas ocorrera um erro de processamento no Supremo, onde um agravo
regimental interposto pelo locador (credor e interessado na penhora da
residência do fiador) não foi corretamente cadastrado. Constatado o
equívoco, os autos - que já haviam baixado ao TJ-SP - foram requisitados
de volta ao Supremo, onde o agravo regimental ainda não foi julgado.
Mas há um caso novo, semelhante, cujo relator é o ministro Cézar Peluso.
O recurso extraordinário deve ser pautado nos próximos dias. Cópias do
relatório já foram enviadas aos demais ministros. Com a publicação da
pauta, o recurso poderá ser julgado depois de 48 horas. O recorrente é
Michel Jacques Peron; o recorrido, Antonio Pecci. (RE n. 407688).
Entenda o caso que já tem decisão monocrática
1. Ernesto Gradella Neto e sua mulher Giselda de Fátima recorreram ao
Supremo para não ter a casa da família alienada judicialmente para
pagamento de dívida. O casal fora fiador em contrato de locação de
imóvel. Ao acolher o recurso do casal, o ministro Carlos Velloso
observou que, embora a Lei n. 8.245/91 permita a penhora de imóvel de
família por "obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de
locação", o artigo 6º da Constituição Federal impede a constrição
judicial. Segundo o ministro, esse impedimento se deu a partir da Emenda
Constitucional nº 26, promulgada em 14 de fevereiro de 2000, que incluiu
a moradia entre os direitos sociais garantidos pela Constituição.
2. A Lei n. 8.009/1990 - que inicialmente ficou conhecida como Lei
Sarney - foi, na realidade, a promulgação feita, em 20 de março de 1990,
pelo então presidente do Senado, Nelson Carneiro - de precedente medida
provisória n. 143, de 1990, que o Congresso Nacional aprovou e que fora
baixada, em 9 de março daquele ano, pelo então presidente José Sarney.
3. Pelo texto legal assinado por Sarney, "o imóvel residencial próprio
do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por
qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de
outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que
sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas
nesta lei".
4. As exceções - isto é, as hipóteses em que a penhora era permitida -
eram seis: 1) em razão dos créditos de trabalhadores da própria
residência e das respectivas contribuições previdenciárias; 2) pelo
titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou
à aquisição do imóvel; 3) pelo credor de pensão alimentícia; 4) para
cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições
devidas em função do imóvel familiar; 5) para execução de hipoteca sobre
o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade
familiar; 6) por ter sido adquirido com produto de crime ou para
execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou
perdimento de bens.
5. Em 18 de outubro de 1991, o então-presidente Fernando Collor
sancionou a lei federal n. 8.245, que dispôs sobre as locações dos
imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes e que teve um
artigo incluído por proposição do senador Pedro Simon (PMDB-RS):
acrescentou o inciso VII às exceções de penhorabilidade da lei n.
8.009/90, permitindo a constrição judicial do imóvel residencial para
garantir o pagamento decorrente de obrigação decorrente de fiança
concedida em contrato de locação.
6. A decisão do ministro Carlos Velloso desagradou os grandes locadores
e imobiliárias, mas surpreendeu, positivamente, a Nação ao reportar-se à
Emenda Constitucional n. 26/2000 - que tornou não recepcionado o texto,
em vigor desde outubro de 1991, que permitia a penhora do imóvel
residencial para garantir o pagamento de débitos decorrentes de fianças.
Tal, porque, segundo Velloso, "são direitos sociais a educação, a saúde,
o trabalho, a moradia, a segurança a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.”
7. A decisão, ainda sujeita a confirmação em sede de agravo regimental,
liberou a moradia dos efeitos da penhora e condenou a locadora a pagar
os ônus da sucumbência. (RE n. 352.940-4).
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