XXXIII ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO
DE IMÓVEIS DO BRASIL
Mónica Jardim*
Conceito de penhora: em sentido amplo e
em sentido estrito
A penhora, em sentido amplo, pode ser definida como um conjunto de atos
ordenados, complementares e funcionalmente ligados, com vista a produzir
um efeito único: a vinculação dos bens à satisfação do direito
creditício do exeqüente ou, mais rigorosamente, a vinculação dos bens ao
processo, assegurando a viabilidade dos futuros atos executivos.
Em sentido estrito, por seu turno, a penhora traduz-se num ato de
apreensão judicial de bens, que supõe a prévia identificação e
individualização dos bens que hão de ser vendidos ou adjudicados para
satisfação do direito de crédito do exeqüente, e dela decorrem efeitos
jurídicos.
Âmbito subjetivo da penhora (art. 821.º do C.P.C.)
De acordo com os arts. 601.º, 817.º e 818.º do C.C. e com o art. 821.º
do C.P.C., os credores têm o poder de agredir ou fazer executar o
patrimônio debitório, respondendo pelas dívidas todos os bens e
apenas os bens (penhoráveis) que façam parte desse patrimônio no
momento da execução, ficando libertos da garantia os bens entretanto
saídos do patrimônio e ficando a ela sujeitos os bens entretanto nele
ingressados.
Podem, portanto, ser agredidos os bens que façam parte do patrimônio do
devedor, já não os que façam parte do patrimônio de um terceiro, salvo
nos casos especialmente previstos na lei substantiva, em que respondem
bens de um terceiro se a execução tiver sido movida contra ele.
Segundo o art. 818.º do C.C., o direito de execução só pode incidir
sobre bens de terceiro quando tais bens estejam vinculados à garantia do
crédito (por exemplo, no caso de ter sido prestada uma fiança[1]
ou de ter sido constituída uma garantia real[2]
– cfr. arts. 658.º, n.º 2, 667.º, n.º 2, e 686.º do C.C.), ou quando
sejam objeto de ato praticado em prejuízo do credor que tenha sido
procedentemente impugnado (cfr. art. 616.º, n.º 1, do C. C.).
Salvaguardadas as hipóteses referidas, repetimos, o legislador apenas
atribui ao credor o poder de agredir bens existentes no patrimônio do
devedor.
Bens susceptíveis de serem penhorados
No ordenamento jurídico português, tal como no brasileiro, nem todos os
bens existentes no patrimônio do devedor são susceptíveis de serem
penhorados. De fato, a lei portuguesa considera certos bens
absolutamente impenhoráveis (p. ex.: os bens do domínio público; os
túmulos, etc.) e outros são considerados como relativamente
impenhoráveis (p. ex., segundo o n.º 1 do art. 823.º do C.P.C.: “Estão
isentos de penhora, salvo tratando-se de execução para pagamento de
dívida com garantia real, os bens do Estado e das restantes pessoas
coletivas públicas, de entidades concessionárias de obras ou serviços
públicos ou de pessoas coletivas de utilidade pública, que se encontrem
especialmente afetados à realização de fins de utilidade pública.”
Acresce que existem, também, bens que são apenas parcialmente
penhoráveis (por ex. apenas podem ser penhorados dois terços dos
vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante, auferidos
pelo executado.
(Mas, segundo o n.º 2 do art. 824.º: A referida impenhorabilidade tem
como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos
nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o
executado não tenha outro rendimento e o crédito exeqüendo não seja de
alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional).
Entre os bens susceptíveis de serem penhorados, total ou parcialmente,
em Portugal, rege apenas a regra segundo a qual: a penhora
começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e
se mostre adequado ao montante do crédito do exeqüente (n.º 1 do
art. 834.º).
E, segundo o n.º 2 do art. 834.º do C.P.C. português, é admissível a
penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial, ainda que não
se adeque, por excesso, ao montante do crédito exeqüendo, quando a
penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral
do credor no prazo de 6 meses.
Assim, como decorre do exposto, em Portugal não existe uma norma
idêntica ao art. 655.º do C.P.C. brasileiro[3],
que subordina a nomeação dos bens a certa e determinada ordem, dentro da
qual os imóveis aparecem em oitavo lugar.
A regra da adequação (art. 821.º e 834.º do C.P.C.)
Segundo o n.º 3 do art. 821.º, a penhora limita-se aos bens
necessários ao pagamento da dívida exeqüenda e das despesas previsíveis
da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da
penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de vinte, dez e
cinco por cento do valor da execução, consoante, respectivamente, este
caiba na alçada do tribunal de comarca, a exceda, sem exceder o valor de
quatro vezes a alçada do tribunal da relação, ou seja superior a este
último valor.
E de acordo com o artigo 834.º, que prescreve a ordem de realização da
penhora, e ao qual já nos referimos:
1 – A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil
realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exeqüente.
Mas, como já o dissemos, de acordo com o n.º 2 do art. 834.º:
Ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exeqüendo,
é admissível a penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial,
quando a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação
integral do credor no prazo de 6 meses.
Limitando-se a penhora aos bens necessários ao pagamento da dívida
exeqüenda e das despesas previsíveis da execução, quando hajam sido
penhorados mais bens do que os necessários para o pagamento da dívida
exeqüenda e das despesas previsíveis, parece que cabe, em primeira
linha, ao agente de execução, o levantamento da penhora na exata medida
em que a mesma se revele desnecessária[4].
Mas, caso o agente de execução não actue, a questão pode ser suscitada
pelo executado, em sede de incidente de oposição à penhora (artigo
863.º-A, n.º 1, alínea a), também do CPC) e, nesse caso compete ao juiz
de execução julgar a procedência da mesma (artigo 809.º, n.º 1, aliena
b)).
A procedência da oposição à penhora determina o levantamento desta
(artigo 863.º-B, n.º 4).
Em Portugal, em virtude do DL 38/2003, de 8 de Março ocorreu a reforma
da ação executiva.
Antes de vermos as novidades introduzidas por esta reforma, e para
evitar qualquer equívoco, cumpre antes de mais referir que a reforma não
eliminou a duplicidade do processo de conhecimento e de execução, ao
contrário do que ocorreu com a reforma introduzida no Brasil.
Fechado este parêntesis, vejamos as novidades introduzidas pela reforma
da ação executiva em Portugal.
No Código de Processo Civil anterior, a penhora de imóveis, em sentido
estrito, ou seja, enquanto ato de apreensão judicial dos bens,
fazia-se por termo no processo pelo qual os referidos bens se
consideravam entregues ao depositário (por tradição formal). Termo este
que tinha de ser assinado pelo depositário, ou por duas testemunhas
quando aquele não pudesse assinar, e no qual se identificava o exeqüente
e o executado, se indicava a quantia pela qual era movida a execução,
bem como os números da descrição que os bens tivessem no registro
predial ou, quando omissos, os elementos necessários para a sua
identificação.
O termo no processo, a que nos acabamos de referir, era
antecedido pela nomeação, determinação ou individuação dos bens em
que a execução ia recair. E, ainda, pelo despacho judicial
ordenatório da penhora – no qual era nomeado o depositário –, bem
como, pela notificação do despacho judicial ao executado. E
era seguido pelo registro da penhora, que era solicitado pelo exeqüente
e lavrado com base em certidão do respectivo termo[5],
assegurando-se assim a eficácia da apreensão judicial em relação a
terceiros, uma vez que só a partir da data do registro se tornavam (e
tornam) inoponíveis à execução os atos de disposição ou oneração dos
bens apreendidos.
Também só a partir do registro, era (e é) concedida a preferência
ao exeqüente, para satisfação do seu crédito através do valor dos bens
penhorados.
E da realização do registro dependia o prosseguimento da execução,
segundo o art. 838.º n.º 6:
Atualmente, a penhora de imóveis, no sentido estrito a que nos estamos a
referir – enquanto ato de apreensão judicial dos bens imóveis –
realiza-se, nos termos do art. 838.º do Código de Processo Civil,
após todas as diligências úteis à identificação ou localização de bens
penhoráveis, através de uma declaração receptícia (comunicação) do
agente de execução dirigida à Conservatória do registro.
Declaração esta cujo conteúdo se traduz na requisição de registro da
penhora e que, segundo a lei, pode ser feita pela forma
tradicional – o mesmo é dizer, através do preenchimento do modelo
aprovado e sua entrega, pessoalmente ou pelo correio – ou por uma
nova forma: a via eletrônica.
A este propósito não podemos deixar de fazer um novo parêntesis, para
referir que apesar da lei prever a possibilidade da requisição ser feita
por este meio adicional – a via eletrônica –, a verdade é que esta
requisição só se tornará possível quando o agente da execução tiver a
assinatura ou a firma eletrônica certificada, quando o documento
requisição enviado à conservatória for encriptado e só poder ser aberto
através de chave incorruptível e, ainda, quando for criado um
interface que introduza imediatamente o pedido de registro da
penhora no livro diário do registro, o que supõe, obviamente, que este
passe a ser eletrônico.
Fechado este parêntesis, voltemos à comunicação emitida pelo agente de
execução.
Emitida, transmitida e recepcionada a comunicação à conservatória do
registro, a mesma valerá como apresentação para o efeito da inscrição no
registro.
O mesmo é dizer, na nossa perspectiva, que a referida comunicação tem um
duplo valor: vale como ato de apreensão e, conseqüentemente, como
título com base no qual pode ser lavrado o registro, e vale como pedido
do registro da penhora. E, como tal, deve ser objecto de
apresentação no Livro Diário, o correspondente ao Livro de Protocolo
Brasileiro.
Portanto, o atual Código de Processo Civil, por um lado, prescindiu
de um prévio despacho judicial ordenatório da penhora e respectiva
notificação ao executado. E, por outro, substituiu o ato através
do qual, tradicionalmente, se fazia a apreensão judicial dos bens –
o termo no processo –, bem como, o pedido de registro
formulado pelo exeqüente, e, ainda, o título com base no qual se
solicitava tal registro – a certidão do respectivo termo – por um
único ato: a declaração do agente de execução dirigida à conservatória
do registro predial competente.
Como é óbvio, este preceito, ao eliminar qualquer lapso de tempo entre a
data em que ocorre a apreensão judicial do imóvel e a data em que é
solicitado o registro da mesma, manifesta o propósito do legislador em
impedir que o executado, após a apreensão judicial dos bens, ainda os
aliene ou onere em prejuízo da execução, uma vez que sendo lavrado o
registro a sua data coincide com a da apresentação (cfr. art. 77.º do
C.R.Pred.).
Por fim, refira-se que depois de inscrita a penhora, o agente de
execução “lavra o auto de penhora e procede à afixação, na porta ou
noutro local visível do imóvel penhorado, de um edital, constante de
modelo aprovado por portaria do Ministério da Justiça” (cfr. o n.º 3 do
art. 838.º do C.P.C.).
Efeitos substantivos decorrentes da penhora e da subseqüente venda em
execução (arts. 819.º, 822.º e 824.º do C.C).
Do ponto de vista processual, como já referimos, pela penhora são
identificados e individualizados os bens que hão de ser vendidos ou
adjudicados para pagamento ao exeqüente e/ou aos credores reclamantes.
Esses bens ficam, por isso, adstritos aos fins da execução, devendo
conservar-se e não podendo ser distraídos desse fim.
Mas esta função instrumental, meramente processual, não poderia ser
cumprida se a lei não reconhecesse à penhora efeitos substantivos.
Ou seja: a praticabilidade dos atos ulteriores de adjudicação, venda e
pagamento ao exeqüente dificilmente seria conseguida se não houvesse a
certeza de que este ato processual originaria efeitos materiais.
Vejamos, então, quais são os efeitos materiais decorrentes da penhora.
1 - a transferência para o tribunal dos poderes de gozo que o executado
ou terceiros exerçam sobre os bens;
De fato, apesar do executado continuar a ser o proprietário do bem (ou o
titular do direito real de gozo), até à venda ou adjudicação, com a
penhora ele perde os poderes de fato que exercia sobre a coisa, os
quais se transferem para o tribunal, sendo constituído depositário o
agente de execução (cfr. art.839.º do C.P.C)[6].
2 - Perda do direito aos frutos da coisa penhorada:
Efetivamente, segundo o art. 842.º, n.º 1: a penhora abrange o prédio
com todas as suas partes integrantes e os seus frutos, naturais ou
civis, desde que não sejam expressamente excluídos e nenhum privilégio
exista sobre eles[7].
3 - A ineficácia relativa dos atos subseqüentes de alienação, oneração
ou de arrendamento. Os bens, uma vez aprendidos, deixam,
juridicamente, de poder ser alienados ou onerados em detrimento da
execução.
Dito de outra forma: os atos de alienação, oneração ou o arrendamento
dos bens penhorados, realizados após a data da efetivação da diligência,
não produzem efeitos em relação ao exeqüente, aos credores reclamantes e
ao tribunal.
A redação do art. 819.º do Código Civil nunca deixou dúvidas sobre a
questão de saber se um bem penhorado podia ou não ser alienado ou
onerado voluntariamente. Pode!
Os atos de alienação ou oneração podem ser praticados e são válidos, só
não afetando os fins da execução, em face desta, são
ineficazes ou inoponíveis, prosseguindo a execução como se os bens
continuassem a pertencer ao executado, a não ser que o registro da
penhora seja posterior ao desses atos.
Como os atos de alienação, oneração e o arrendamento, por força da lei,
são ineficazes em face da execução desde que praticados ou registrados
após o registro da penhora, podem ser registrados definitivamente, uma
vez que o registro da penhora é anterior e prevalece, de acordo com o
princípio da prioridade.
Por outro lado, o registro de tais fatos aquisitivos não obsta ao
registro definitivo da aquisição no processo executivo, não obstante a
regra do trato sucessivo ou da continuidade, uma vez que o registro da
aquisição no processo executivo é conseqüência da penhora anteriormente
registrada e segundo o art. 34.º, n.º 2 do C.Reg.Pred.: “No caso de
existir sobre os bens registro de aquisição ou reconhecimento de direito
susceptível de ser transmitido ou de mera posse, é necessária a
intervenção do respectivo titular para poder ser lavrada nova inscrição
definitiva, salvo se o fato for conseqüência de outro anteriormente
inscrito.
E, repetimos, como é evidente, o registro de aquisição, no processo
executivo, é conseqüência do registro da penhora, anteriormente lavrado.
Depois da aquisição ocorrida no processo executivo, tais fatos (de
alienação, oneração ou arrendamento) caducam automaticamente.
Posteriormente, veremos o que ocorre com os respectivos registros.
4 – O credor exeqüente adquire “o direito de ser pago com preferência a
qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior”, à custa do
valor dos bens previamente determinados ou individualizados (cfr. art.
822.º, n.º 1, do Código Civil)[8].
E dizer que o credor exeqüente adquire o poder de satisfazer o seu
crédito à custa do valor de um bem certo e determinado, com preferência
em face dos demais credores, que não beneficiem de garantia real
anterior, é, na nossa perspectiva, o mesmo que dizer que o credor
exeqüente adquire um direito real de garantia[9].
Com a penhora, o credor exeqüente deixa de ser apenas titular de um
direito de crédito, torna-se titular de um direito real que visa
assegurar a satisfação privilegiada do direito de crédito com base no
qual intentou a ação executiva. Direito este que pode ser equiparado,
quanto aos seus efeitos, a uma hipoteca.
HARMONIZAÇÃO ENTRE OS INTERESSES DO EXEQUENTE E DOS DEMAIS CREDORES DO
EXECUTADO QUE BENEFICIEM DE UM DIREITO REAL DE GARANTIA.
Quanto à harmonização entre os interesses do exeqüente e dos demais
credores do executado que beneficiem de direitos reais de garantia sobre
os bens penhorados, registrados em data anterior à do registro da
penhora, o direito português, ao contrário do que ocorre no direito
brasileiro, optou por um sistema de intervenção destes credores na
execução pendente[10].
Caracteriza-se este sistema pela possibilidade de os credores com
garantia real sobre os bens penhorados (e só eles) reclamarem os seus
créditos, após serem convocados[11]
(arts. 864.°, n.º 3, b), e 865.°, n.º 1, ambos, do Código de Processo
Civil[12])
e de serem pagos, após a verificação e graduação dos créditos,
com preferência ao exeqüente (art. 822.° do Código Civil e 873.°,
n.º 2, do Código de Processo Civil), que só tenha a seu favor a
preferência resultante da penhora.
Esta intervenção destina-se a permitir que esses credores oponham ao
exeqüente, na própria execução instaurada por este, as preferências
ligadas às garantias reais que possuem sobre os bens penhorados (art.
604.º, n.º 2, do Código Civil) e que lhes permitem ser pagos, com
preferência a qualquer outro credor, através do produto da venda desses
bens (arts. 865.°, n.º 1 e 873.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) ou
da adjudicação destes (art. 875.°, n°2, do Código de Processo Civil).
Porque, assim é, os credores dotados de garantias reais sobre os bens
penhorados não podem deduzir embargos de terceiro à execução, ao
contrário do que ocorre no direito brasileiro[13].
E os referidos credores devem reclamar o seu crédito pois, de acordo com
o n.º 2 do art. 824.º do C.C., se não o fizerem verão caducar os seus
direitos com a venda judicial[14].
Através deste n.º 2 do art. 824.º do C.C., o legislador português, visou
restringir o âmbito do concurso de direitos reais existente sobre os
bens alienados para, assim, evitar a depreciação do valor desses bens.
Refira-se, ainda, que com a reforma da ação executiva o cancelamento dos
registros dos direitos reais que caducam com a venda executiva já não
depende de despacho judicial.
A caducidade dos direitos reais é um efeito automático da venda
executiva e, como tal, está documentada no título de transmissão ou no
instrumento de venda. E, assim sendo, nada mais necessitará o
conservador para efetuar o cancelamento.
Mas cumpre fazer uma distinção, imposta pelo legislador, sem razão
aparente ou de fundo, o cancelamento dos registros dos direitos reais
que caducam com a adjudicação dos bens penhorados ou com a venda
mediante propostas em carta fechada é efetuado oficiosamente, na
seqüência da realização do registro de aquisição promovido pelo
agente de execução.
Já o cancelamento dos registros dos direitos reais que caducam em
virtude da realização das restantes modalidades de venda (venda por
negociação particular, venda direta e venda em estabelecimento de
leilão) é efetuado a pedido do agente de execução, perante o título da
transmissão dos bens. Mas o registro de aquisição é efetuado nestes
casos, nos termos gerais, pelo adquirente.
EXTINÇÃO DA PENHORA
Efetuada a penhora, ela irá, em princípio, subsistir até à venda ou
adjudicação do bem penhorado. Extinta a execução deixa de subsistir a
penhora.
Mas a penhora pode extinguir-se por causa diferente da venda executiva
ou da adjudicação de bens, quer essa causa implique a realização do fim
da execução, quer não. Por exemplo, nas seguintes hipóteses:
- substituição da penhora por caução idônea em caso de oposição à
execução (art. 834º, nº 5);
- paragem da execução durante seis meses por negligência do exeqüente (cfr.
arts. 847º, 855º e 863º do C.P.C.);
- procedência da oposição à penhora (cfr. art. 863º-B, nº 4, do C.P.C.);
- procedência dos embargos de terceiro (cfr. art. 351º, C.P.C.);
- etc.
Assim, cumpre fazer uma distinção consoante a extinção da penhora
decorra da venda executiva (na qual incluímos a adjudicação de bens) ou
por causa diferente da venda executiva (quer essa causa implique a
realização do fim da execução, quer não).
No primeiro caso – extinção da penhora decorrente da venda executiva (ou
adjudicação dos bens) – O cancelamento do registro da penhora faz-se
com base em certidão passada pelo tribunal competente que comprove a
extinção da execução e a respectiva causa.
Extinta a execução deixa de subsistir a penhora. Assim, comprovada a
extinção da execução nada obsta, em princípio, ao cancelamento do
registro da penhora[15].
Da certidão emitida pelo tribunal deve constar se ocorreu ou não no
processo executivo venda ou adjudicação de bens penhorados. Porque para
que o registro da penhora seja cancelado o conservador tem de estar
seguro de que tendo ocorrido venda executiva (ou adjudicação) do bem a
aquisição foi previamente registrada ou, então, de que tal venda (ou
adjudicação) não ocorreu. Dado que, de acordo com o n.º 2 do art. 58.º
do C. Reg. Pred., o conservador não pode proceder ao cancelamento do
registro da penhora sem estar previamente registrada a aquisição na
execução.
O que se justifica completamente, uma vez que o cancelamento
prematuro do registro da penhora pode inviabilizar o futuro registro de
aquisição a favor do adquirente na execução. Por exemplo, se o executado
alienou o bem penhorado após o registro da penhora e o adquirente
solicitou e obteve o registro da aquisição na pendência do registro da
penhora, o cancelamento prematuro da penhora inviabilizará, em virtude
do princípio do trato sucessivo ou da continuidade das inscrições, o
registro da aquisição a favor do adquirente na execução, uma vez que
tornará inaplicável a parte final do n.º 2 do art. 34.º do C.Reg.Pred.
No segundo caso – extinção da penhora por causa diversa da venda
executiva – cumpre fazer uma distinção consoante a ação ainda se
encontre pendente ou não.
A) Caso a execução já não se encontra pendente, o registro de
penhora pode ser cancelado com base em certidão emitida pelo tribunal
competente que comprove que a ação já não está pendente e da qual conste
a causa da extinção da execução, nos mesmos termos que descrevemos para
o caso de extinção da penhora decorrente da venda executiva (ou
adjudicação dos bens).
B) Caso a ação ainda se encontre pendente, o cancelamento do
registro é fundamentado pelo levantamento da penhora. Assim, e neste
âmbito, o cancelamento é efetuado com base em comunicação de quem tem
competência para o levantamento da penhora. E há, aqui, que distinguir
consoante a penhora tenha sido levantada pelo agente de execução, no
exercício dos seus poderes discricionários, ou conforme o levantamento
tenha sido decretado por despacho do juiz.
Na primeira situação, o cancelamento do registro dar-se-á por
comunicação do agente de execução à conservatória de registro
competente, que efetuará o cancelamento do registro respectivo.
Nas situações em que o levantamento da penhora é efetuado por despacho
judicial, a reforma da ação executiva nada alterou: tem o executado o
ônus de se dirigir à conservatória competente, requerendo o cancelamento
do registo com base no despacho judicial transitado em julgado [cfr.
art. 101º, nº 2, f), do C. Reg. Pred.].
A hipótese de nomeação à penhora de bem registado a favor do executado
mas já alienado a terceiro.
Antes de analisarmos a hipótese em apreço cumpre fazer uma introdução
breve, uma vez que só assim se pode compreender o seu caráter polêmico.
Em Portugal, tal como na França, na Bélgica, em Itália, no Luxemburgo,
etc., em matéria de constituição e transmissão dos direitos reais,
vigora um sistema de título. Ou seja, para que o direito real se
transmita ou constitua sobre a coisa, em regra, é apenas necessário e
suficiente um título de aquisição, sendo, portanto, desnecessário um
modo.
Título de aquisição tem aqui o sentido de fundamento jurídico ou de
causa que justifica a aquisição, podendo abranger, em princípio, todas
as razões em que se funda a aquisição de um ius in re, quer se
trate de lei, quer de sentença, quer de ato jurídico, unilateral ou
contratual[16].
E o modo, que entre nós é, em regra[17],
desnecessário, traduz-se no ato pelo qual se realiza efetivamente essa
aquisição (v.g. a entrega da coisa, o registro).
Considerando o sistema jurídico-português, o efeito real como causado
exclusivamente pelo título, é óbvio que o registro não é, em regra,
condição necessária nem suficiente para a aquisição.
Em Portugal, o registro não é condição de existência ou de validade do
ato; ele não é pressuposto para que ocorra a constituição ou transmissão
do direito cujo fato aquisitivo é publicado.
Em resumo: o registro em Portugal não é, em regra, constitutivo ou
criador de direitos[18].
Ao contrário do que ocorre no Brasil, onde vigora um sistema de título e
modo, sendo o modo o registro, quando em causa estejam bens imóveis.
Mas, o registro, em Portugal, assegura ao potencial adquirente que o
titular registral ainda não alienou ou onerou o seu direito
anteriormente a outrem, ou mais rigorosamente, o registro assegura, ao
potencial adquirente, que qualquer transmissão ou oneração que o titular
registral haja anteriormente feito não lhe será oponível, desde que ele
venha a solicitar primeiro o registro da sua aquisição.
A publicidade registral protege o titular inscrito perante atos (mesmo
que anteriormente) não inscritos.
De fato, segundo o n.º 1 do art. 5.º do Código de Registro Predial:
“Os fatos sujeitos a registro só produzem efeitos contra terceiros
depois da data do respectivo registro.”
Tentando conciliar esta regra com o princípio da consensualidade
consagrado no art. 408.º, n.º 1, do Código Civil, por força do qual a
constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada
se dá por mero efeito do contrato, a melhor doutrina afirma que o
registro consolida as situações jurídicas emergentes dos atos sujeitos a
registro, ao assegurar-lhes a manutenção da sua plena eficácia – interna
e externa. E que, conseqüentemente, na falta de registro, quem seja
parte no negócio corre o risco de, com base na situação registral
anterior – em relação à qual funciona a presunção de titularidade de
direito –, ver constituída e registrada a favor de outrem uma situação
jurídica incompatível com a emergente do seu negócio e sobre ela
prevalecente, na medida em que beneficia de registro prioritário (cfr.
art. 6.º do C.Reg.Pred.).
O registro português produz este efeito no caso típico de dupla
alienação sucessiva da mesma coisa por parte de quem é titular inscrito
do direito alienado, quando o segundo adquirente inscreva o negócio
aquisitivo antes do primeiro. Mas, também o produz, sempre que certo ato
de aquisição não seja inscrito e um terceiro adquira e registre um
direito de outra natureza, incompatível com o emergente daquele negócio
não inscrito. Exemplificando: o efeito substantivo do registro tanto se
verifica quando A aliena a B o direito de propriedade
sobre o prédio X e, de seguida, não tendo B registrado a
aquisição, A aliena o mesmo direito a C, que registra,
como quando A aliena a B o direito de propriedade sobre o
prédio X e, de seguida, não tendo B registrado a
aquisição, A constitui um usufruto ou uma hipoteca sobre o mesmo
prédio a favor de C, que registra.
Não obstante, como é evidente, a tutela do terceiro não assume em todos
os casos a mesma configuração, pois é determinada pela diferente
natureza dos direitos incompatíveis em presença. Assim, no primeiro
exemplo, sendo os direitos da mesma natureza, a incompatibilidade é
total ou absoluta e, por isso, implica a perda do direito cujo fato
aquisitivo não foi registrado. Já no segundo, o de registro do fato
aquisitivo de um direito de usufruto, é evidente que a incompatibilidade
é apenas parcial, não implicando a perda do direito de propriedade não
registrado, mas impondo ao proprietário não inscrito o peso do usufruto
anteriormente registrado. O mesmo ocorre no exemplo da hipoteca. Também
aqui, a incompatibilidade não é absoluta, porquanto a diversa natureza
dos direitos em presença, tendo em conta a nota característica dos
direitos reais de garantia, apenas exige que o credor hipotecário seja
admitido a fazer valer a hipoteca sem que B lhe possa opor o seu
direito de propriedade; contudo, uma vez satisfeito o credor
hipotecário, o valor remanescente da coisa pertence a B, proprietário
não inscrito, e não a A que onerou coisa que já não lhe pertencia.
Em resumo: o direito cujo fato aquisitivo não é registrado atempadamente,
não fica necessariamente prejudicado in toto, mas na medida em
que é incompatível com o direito anteriormente registrado[19].
Pode dizer-se que o direito só fica prejudicado in toto quando é
menos amplo do que o primeiramente registrado e não pode, por isso,
ficar por ele onerado. Ou quando em causa estão direitos com o mesmo
conteúdo (salvo quando o respectivo exercício não produz qualquer
interferência no outro direito[20]).
Ao invés, sempre que o direito não registrado ou sucessivamente
registrado tem um conteúdo mais amplo do que aquele primeiramente
registrado, a conseqüência decorrente do registro é a de ficar aquele
onerado com este.
Salvaguardada esta diferença, nem por isso deixa de existir uma nota
comum e essencial nos vários exemplos: a situação jurídica do primeiro
adquirente não prevalece em relação à do segundo, e este adquire,
conseqüentemente, um direito que, pelo menos no início, não tinha
suporte substantivo, porque adquirido a non domino.
A aplicação do art. 5.º do C.Reg.Pred. pressupõe um conflito entre pelo
menos dois adquirentes, por aquisição derivada, de direitos sujeitos a
registro sobre a mesma coisa imóvel, que têm um causante comum[21].
O registro do segundo adquirente, por força do art. 5.º, supre a
ilegitimidade do transmitente derivada de uma anterior disposição
válida.
Posto isto, voltemos à hipótese de nomeação à penhora de bem registrado
a favor do executado mas já alienado a outrem. Hipótese esta que suscita
a seguinte questão:
Terceiros, para efeitos do art. 5.º do C.Reg.Pred., são só aqueles que
adquiram do mesmo causante e com base na sua vontade direitos
incompatíveis, ou também são aqueles que adquirindo direitos ao abrigo
da lei, tenham esse causante como sujeito passivo, ainda que ele não
haja intervindo nos atos jurídicos de que tais direitos resultam?
A questão colocada não tem recebido da doutrina e da jurisprudência
portuguesa uma resposta unívoca.
Analisemos uma hipótese concreta:
O Banco X promoveu execução contra a sociedade de construções Y e nomeou
à penhora determinada fração autônoma de um prédio urbano. A executada
constava, no registro predial, como titular do direito de propriedade da
fração.
A penhora foi efetuada e inscrita definitivamente no registro predial em
benefício do exeqüente.
Contra tal penhora veio um terceiro opor-se, alegando que havia
adquirido, através de escritura de compra e venda, à executada, a
referida fração e que, embora tal aquisição não tenha sido por si
registrada, tinha adquirido o direito de propriedade e passado a exercer
a posse correspondente.
A penhora definitivamente registrada prevalece, ou não, sobre o direito
de propriedade que, embora não registrado, foi adquirido em data
anterior?[22]
Até 1997, um largo sector da jurisprudência portuguesa respondia
negativamente à questão, afirmando que a transmissão do direito de
propriedade sobre um imóvel, com data anterior ao registro da penhora de
que o mesmo veio a ser objeto, prevalecia sobre esta ainda que tal
transmissão não tivesse sido registrada, uma vez que o credor exeqüente
e o titular do direito real não registrado não podiam ser considerados
terceiros para efeitos do art. 5º do registro predial, ou seja, pessoas
que do mesmo autor ou transmitente adquiriram direitos incompatíveis
(total ou parcialmente) sobre o mesmo objeto.
De fato, segundo a jurisprudência maioritária, os direitos incompatíveis
em presença deviam ter por fonte atos jurídicos sucessivos que
assentassem na vontade do mesmo transmitente ou, por outras palavras,
atos negociais sucessivos em que interviesse o mesmo causante (concepção
restrita de terceiros do art. 5.º do Código do Registro Predial).
À posição jurisprudencial a que acabamos de fazer referência opôs-se um
grande sector da doutrina e uma corrente minoritária da jurisprudência,
negando relevância à referida vontade e afirmando que, embora a segunda
aquisição não se possa fundar em um qualquer ato unilateral de um
terceiro, basta que em causa esteja um ato jurídico unilateral que o
referido terceiro, segundo o Direito, possa praticar, por si, ou através
da atuação do poder público, e que seja oponível ao titular inscrito (v.g.
um arresto, uma penhora, uma hipoteca judicial, etc.).- Concepção ampla
de terceiro.
Esta concepção veio a ser consagrada pelo STJ, em 1997, num Acórdão
Uniformizador de Jurisprudência [23],
embora com um elevado número de votos discordantes.
À luz deste acórdão, o credor penhorante e o titular do direito de
propriedade não registrado não podiam deixar de considerar-se terceiros
para efeitos de registro do art. 5º do registro predial. E a oposição
deduzida pelo proprietário, que não havia procedido ao registro da sua
aquisição antes do registro da penhora, não podia deixar de ser julgada
improcedente.
Pouco tempo passado, em 18 de Maio de 1999, o STJ, através de um novo
Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, reviu o seu anterior
entendimento, assumindo a posição tradicional da jurisprudência [24]
e adotando, portanto, a concepção restrita.
Logo a seguir, o legislador, através do Decreto-Lei n.º 533/99, de 11 de
Dezembro, veio introduzir o atual n.º 4 do art. 5 do C.Reg.Pred., nos
termos do qual "terceiros, para efeitos de registro, são aqueles que
tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.”
Desta forma, o legislador parece ter adotado a concepção restrita de
terceiro.
Como já referimos a posição adotada pela maioria da doutrina portuguesa
é oposta à sufragada pelo STJ.
Em defesa desta posição, a doutrina avança múltiplos argumentos. Dentre
eles vou referir apenas alguns:
1. Adotar a concepção restrita de terceiro implica afirmar que a penhora
só é oponível a terceiros após o registro definitivo, mas que, ao invés,
são oponíveis ao beneficiário da inscrição da penhora os fatos
aquisitivos anteriores não registrados ou registrados posteriormente.
Ora, tendo em conta que quer a penhora quer a aquisição do direito de
propriedade sobre o imóvel estão sujeitas a registro, sob pena de
inoponibilidade, não se vislumbra por que é que a regra da
inoponibilidade deve ser aplicada de forma fragmentária, e sempre em
detrimento do credor penhorante.
B) Com a penhora, o credor exeqüente deixa de ser apenas titular de
um direito de crédito, torna-se titular de um direito real que visa
assegurar a satisfação privilegiada do direito de crédito com base no
qual intentou a ação executiva. Direito este que pode ser equiparado,
quanto aos seus efeitos, a uma hipoteca.
E, porque assim é, quando o executado, antes do registro da penhora,
aliena o imóvel a um terceiro que não solicita o registro da sua
aquisição, o conflito que há de ser resolvido não é entre o direito de
crédito do exeqüente e o direito real, não registrado, do terceiro, mas
sim entre a penhora ou o direito real de garantia por si gerado a favor
do exeqüente – que se tornou público com o registro da penhora – e o
direito adquirido pelo terceiro, mas não registrado.
Mais, mesmo que o ordenamento jurídico português não atribuísse ao
credor exeqüente, que obtém e registra a penhora, um direito real de
garantia, sempre se teria de afirmar que: visando a penhora a vinculação
dos bens à satisfação do direito creditício do exeqüente ou, mais
rigorosamente, a vinculação dos bens ao processo (na medida em que
deixam de poder ser alienados em prejuízo da execução), apresenta-se
perante o titular dos referidos bens como uma limitação ou gravame, e
perante o credor como uma garantia. E, uma vez lavrado o registro da
penhora, tal gravame e garantia tornam-se oponíveis aos terceiros que
sejam parte de atos de disposição realizados pelo devedor quer na
pendência da ação, quer anteriormente, desde que não registrados.
C) Acresce que a tutela do terceiro não pode
depender, por qualquer forma, do intuito espoliatório do titular
registral, uma vez que não é razoável fazer depender a referida tutela
da vontade do titular inscrito. Conseqüentemente, também não é
razoável distinguir a hipótese de aquisição, por diferentes pessoas, de
direitos incompatíveis sobre o mesmo prédio por atos negociais
sucessivos do titular inscrito e a da mesma aquisição em conseqüência de
ato unilateral de terceiro, intermediado, ou não, pela autoridade
pública, e segundo os termos da lei.
De fato: porquê distinguir a segurança do comprador que registra a sua
aquisição da do credor que registra um arresto, uma penhora, ou uma
hipoteca judicial, quando ambos têm de solicitar o registro sob pena de
inoponibilidade?
D) Como conseqüência da adoção de uma concepção restrita de
terceiros, os procedimentos judiciais e a própria justiça perdem
credibilidade.
Os compradores em hastas judiciais sabem da pouca segurança da sua
aquisição? Faz sentido “perseguir” o devedor? Como se poderão explicar
ao cidadão normal os importantes gastos e a lentidão dos procedimentos,
sem oferecer a segurança como alternativa?
Não é difícil imaginar o desânimo do credor diligente que após ter pago
advogados, custas de processo, registros, etc., se vê preterido por
alguém que não registrou o seu direito.
E) A concepção restrita de terceiros afeta, inevitavelmente, a
certeza e a segurança do comércio jurídico imobiliário, na medida em que
implica o regresso ao reconhecimento dos direitos ocultos (que se
pretenderam eliminar com a organização dos primeiros sistemas
registrais), conseqüentemente, gera uma crise do crédito, em virtude da
certeza de que não existem mecanismos idôneos para poder cobrar as
dívidas. E esta crise do crédito, a curto ou longo prazo, acabará por se
traduzir numa crise econômica, uma vez que repelirá o investimento no
sector imobiliário, pois é certo que os capitais (nacionais ou
estrangeiros) não deixarão de procurar mercados mais seguros. Além de
envolver, simultaneamente, uma crise do Direito, na medida em que se
destroem os princípios objetivos da segurança que sustentam um sistema
jurídico [25].
Em virtude destes e de outros argumentos, a maioria da doutrina
portuguesa afirma ser urgente consagrar, em Portugal, uma concepção
ampla de terceiros, para efeitos do art. 5.º do C.R.Pred., nos termos da
qual: “terceiros” são aqueles que adquiram do mesmo alienante direitos
incompatíveis, mas também aqueles cujos direitos, adquiridos ao abrigo
da lei, tenham esse alienante como sujeito passivo, ainda que ele não
haja intervindo nos atos jurídicos de que tais direitos resultam, (v.g.
penhora, arresto, hipoteca judicial, etc).
Notas
*
Mónica Jardim é mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra e membro da Direção do Centro de Estudos Notariais e Registrais
da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal.
[1]
ARTIGO 828.º (Penhorabilidade subsidiária)
1 – Na execução movida contra o devedor principal e o devedor
subsidiário que deva ser previamente citado, não podem ser penhorados os
bens deste, enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor
principal; a citação do devedor subsidiário só precede a excussão quando
o exequente o requeira, tendo, neste caso, o devedor subsidiário o ónus
de invocar o benefício da excussão, no prazo da oposição à execução.
2 – Instaurada a execução apenas contra o devedor subsidiário e
invocando este o benefício da excussão prévia, pode o exequente
requerer, no mesmo processo, execução contra o devedor principal,
promovendo a penhora dos bens deste.
3 – Se o devedor subsidiário não tiver sido previamente citado, só é
admissível a penhora dos seus bens:
a) sendo a execução intentada contra o devedor principal e o
subsidiário, depois de excutidos todos os bens do primeiro, salvo se se
provar que o devedor subsidiário renunciou ao benefício da excussão
prévia;
b) sendo a execução movida apenas contra o devedor subsidiário, quando
se mostre que não tem bens o devedor principal ou se prove que o devedor
subsidiário renunciou ao benefício da excussão prévia, sem prejuízo do
estabelecido no número seguinte.
4 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, o executado pode
invocar o benefício da excussão prévia em oposição à penhora, requerendo
o respectivo levantamento quando, havendo bens do devedor principal, o
exequente não haja requerido contra ele execução, no prazo de 10 dias a
contar da notificação de que foi deduzida a referida oposição, ou quando
seja manifesto que a penhora efectuada sobre bens do devedor principal é
suficiente para a realização dos fins da execução.
5 – [o anterior n.º 3] Se a execução tiver sido movida apenas contra o
devedor principal e os bens deste se revelarem insuficientes, pode o
exequente requerer, no mesmo processo, execução contra o devedor
subsidiário
6 – Para os efeitos dos números anteriores, o devedor subsidiário tem a
faculdade de indicar bens do devedor principal que hajam sido adquiridos
posteriormente à penhora ou que não fossem conhecidos.
7 – [o anterior n.º 5] Quando a responsabilidade de certos bens pela
dívida exequenda depender da verificação da falta ou insuficiência de
outros, pode o exequente promover logo a penhora dos bens que respondem
subsidiariamente pela dívida, desde que demonstre a insuficiência
manifesta dos que por ela deviam responder prioritariamente.
[2]
Artigo 835.º Bens onerados com garantia real e bens indivisos
1 – Executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes
ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia e
só pode recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para
conseguir o fim da execução.
2 – Quando a penhora de quinhão em património autónomo ou de direito
sobre bem indiviso permita a utilização do mecanismo do n.º 2 do artigo
826.º e tal for conveniente para os fins da execução, a penhora começa
por esse bem.
[3]
Art. 655. Incumbe ao devedor, ao fazer a nomeação de bens, observar a
seguinte ordem:
I – dinheiro;
II – pedras e metais preciosos;
III – títulos da dívida pública da União ou dos Estados;
IV – títulos de crédito, que tenham cotação em bolsa;
V – móveis;
VI – veículos;
VII – semoventes;
VIII – imóveis;
IX – navios e aeronaves;
X – direitos e ações."
Citado o executado, este terá um prazo de 24 (vinte e quatro) horas para
pagar ou nomear bens à penhora, de acordo com a sequência acima
estabelecida.
Ferindo a sequência prevista no art. 655, a indicação dos bens somente
será tomada por termo se com isso concordar o credor.
[4]
Tal conclusão resulta da conjugação dos preceitos que dispõem sobre a
competência do agente de execução (artigo 808.º, n.º 1, do CPC), sobre a
competência genérica do juiz de execução (artigo 809.º), sobre o
princípio da adequação ao valor da obrigação exequenda a que a penhora
está sujeita (artigo 821.º, n.º 3), sobre a ordem de realização da
penhora (artigo 834.º, n.º 1) e sobre a possibilidade de substituição ou
reforço da mesma (artigo 834.º, n.º 3).
[5]
Portanto, antes da reforma:
1- Nomeação, determinação ou individuação dos bens em que a execução ia
recair.
2- Despacho judicial ordenatório da penhora – no qual era nomeado o
depositário. (com base no despacho, antes da penhora ser efectivamente
realizada, com o termo, podia ser feito o registo provisório, art. 92,
n.º 1 n))
3- Notificação do despacho judicial ao executado.
4- Termo no processo pelo qual os referidos bens se consideravam
entregues ao depositário (por tradição formal).
5- Extracção oficiosamente, pela secretária, de certidão do respectivo
termo da penhora e remessa da certidão ao exequente.
6- Solicitação do registo da penhora e sua realização.
7- Junção ao processo, por parte do exequente, do certificado do registo
e certidão dos ónus que incidiam sobre os bens, caso contrário a
execução era sustada. (Se apenas fosse lavrado registo provisório a
execução poderia prosseguir – tudo dependendo da apreciação judicial dos
motivos da provisoriedade – mas não podia ocorrer a adjudicação, a
consignação de rendimentos e a venda dos bens).
[6]
Mas o executado pode ser fiel depositário, mesmo fora das hipótese
prevista na al. a) do art. 839.º do C.P.C.. Para este efeito,
deve o agente de execução notificar o exequente essa possibilidade, para
que, opondo-se, aponte alternativas para a guarda dos bens (que poderá
caber ao próprio exequente ou a outrem por si escolhido).
[7]
Art. 842.º, n.º 2 – Os frutos pendentes podem ser penhorados em
separado, como coisas móveis, contanto que não falte mais de um mês para
a época normal da colheita; se assim suceder, a penhora do prédio não os
abrange, mas podem ser novamente penhorados em separado, sem prejuízo da
penhora anterior.
[8]
Preferência que é perfeitamente compreensível, tendo em conta que o
processo de execução deixou de ter, desde 1961, o carácter colectivo
universal que revestia em 1939 – e o aproximava da falência ou da
insolvência civil –, só admitindo a intervenção dos credores com
garantias reais sobre os bens penhorados. Na verdade, a penhora obtida
por um dos credores pode ser um benefício para todos os outros, evitando
a dissipação dos bens, e é justo que tire desse benefício algum proveito
o exequente.
[9]
Este direito real de garantia apresenta, no entanto, eficácia limitada,
no sentido em que a sua eficácia depende, por um lado, da não
verificação de qualquer causa que possa conduzir ao levantamento da
penhora e, por outro, da não ocorrência da falência do executado.
Por último, a preferência do exequente cessa – por motivos processuais
–, se, admitido o pagamento a prestações da dívida exequenda e sustada a
execução, algum credor reclamante requerer o prosseguimento da
execução, sendo que, notificado o exequente, este desista da penhora
(renúncia) – art. 885.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
[10] Não se admite que todo e qualquer
credor possa reclamar o seu crédito, mas só aqueles cujos créditos,
mesmo que ainda não vencidos, estejam assegurados por uma garantia real
anterior sobre os bens penhorados na execução (arts. 864.º, n.º 3, b) e
865. °, n.º l, ambos do Código de Processo Civil) e que disponham de
título executivo.
ARTIGO 869.º (Direito do credor que tiver acção pendente ou a propor
contra o executado)
1 – O credor que não esteja munido de título exequível pode requerer,
dentro do prazo facultado para a reclamação de créditos, que a graduação
dos créditos, relativamente aos bens abrangidos pela sua garantia,
aguarde a obtenção do título em falta.
2 – Recebido o requerimento referido no número anterior, o agente de
execução notifica o executado para que este, no prazo de 10 dias, se
pronuncie sobre a existência do crédito invocado.
3 – Se o executado reconhecer a existência do crédito, considera-se
formado o título executivo e reclamado o crédito nos termos do
requerimento do credor, sem prejuízo da sua impugnação pelo exequente e
restantes credores; o mesmo sucede quando o executado nada diga e não
esteja pendente acção declarativa para a respectiva apreciação.
4 – Quando o executado negue a existência do crédito, o credor obtém na
acção própria sentença exequível, reclamando seguidamente o crédito na
execução.
5 – O exequente e os credores interessados são réus na acção, provocando
o requerente a sua intervenção principal, nos termos dos artigos 325.º e
seguintes, quando a acção esteja pendente à data do requerimento.
6 – [o actual n.º 3] O requerimento não obsta à venda ou adjudicação dos
bens, nem à verificação dos créditos reclamados, mas o requerente é
admitido a exercer no processo os mesmos direitos que competem ao credor
cuja reclamação tenha sido admitida.
7 – Os efeitos do requerimento caducam se:
a) Dentro de 20 dias a contar da notificação de que o executado negou a
existência do crédito, não for apresentada certidão comprovativa da
pendência da acção;
b) O exequente provar que não se observou o disposto no n.º 5, que a
acção foi julgada improcedente ou que esteve parada durante 30 dias, por
negligência do autor, depois do requerimento a que este artigo se
refere;
c) Dentro de 15 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, dela
não for apresentada certidão.
[11] Cfr. art. 864.º, n.º 10 –
A falta das citações prescritas tem o mesmo efeito que a falta de
citação do réu, mas não importa a anulação das vendas, adjudicações,
remições ou pagamentos já efectuados, dos quais o exequente não haja
sido exclusivo beneficiário, ficando salvo à pessoa que devia ter sido
citada o direito de ser indemnizada, pelo exequente ou outro credor pago
em vez dela, segundo as regras do enriquecimento sem causa, sem prejuízo
da responsabilidade civil, nos termos gerais, da pessoa a quem seja
imputável a falta de citação.
[12] A reclamação, verificação e
graduação de créditos ocorre em acção declarativa que corre por apenso à
execução 865.º, n.º 4 do C.P.C.
ARTIGO 865.º (Reclamação dos créditos)
1. Só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode
reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos.
2 – A reclamação tem por base um título exequível e é deduzida no prazo
de 15 dias, a contar da citação do reclamante.
3 – Os titulares de direitos reais de garantia que não tenham sido
citados podem reclamar espontaneamente o seu crédito até à transmissão
dos bens penhorados.
4 – Não é admitida a reclamação do credor com privilégio creditório
geral, mobiliário ou imobiliário, quando:
a) A penhora tenha incidido sobre bem só parcialmente penhorável, nos
termos do artigo 824.º, renda, outro rendimento periódico, ou veículo
automóvel; ou
b) Sendo o crédito do exequente inferior a 190 UC, a penhora tenha
incidido sobre moeda corrente, nacional ou estrangeira, depósito
bancário em dinheiro, ou
c) Sendo o crédito do exequente inferior a 190 UC, este requeira
procedentemente a consignação de rendimentos, ou a adjudicação, em dação
em cumprimento, do direito de crédito no qual a penhora tenha incidido,
antes de convocados os credores.
5 – Quando, ao abrigo do número anterior, reclame o seu crédito quem
tenha obtido penhora sobre os mesmos bens em outra execução, esta é
sustada quanto a esses bens, quando não tenha tido já lugar sustação nos
termos do artigo 871.º.
6 – A ressalva constante do n.º 4 não se aplica aos privilégios
creditórios dos trabalhadores.
7 – [o anterior n.º 3] O credor é admitido à execução, ainda que o
crédito não esteja vencido; mas se a obrigação for incerta ou ilíquida,
torná-la-á certa ou líquida pelos meios de que dispõe o exequente.
8 – [o anterior n.º 4] As reclamações são autuadas num único apenso ao
processo de execução.
[13] Art. 1.047 do C.P.C. –
Admitem-se ainda embargos de terceiro:
I – para a defesa da posse, quando, nas ações de divisão ou de
demarcação, for o imóvel sujeito a atos materiais, preparatórios ou
definitivos, da partilha ou da fixação de rumos;
II – para o credor com garantia real obstar alienação judicial do
objeto da hipoteca, penhor ou anticrese.
Art. 1499, VI do C.C.: A hipoteca extingue-se pela arrematação ou
adjudicação.
Art. 1501 do C.C.: Não extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, a
arrematação ou adjudicação, sem que tenham sido notificados
judicialmente os respectivos credores hipotecários, que não forem de
qualquer modo partes na execução.
[14] Assim, o concurso de credores
visa, hoje, expurgar os bens – que hão-de ser adjudicados, vendidos ou
remidos – dos direitos reais de garantia que, porventura os oneram. Não
constitui, como no passado (C.P.C. de 1939), uma forma de cumular
execuções contra o mesmo devedor.
[15] Como se comprova a extinção da
acção executiva?
Antes da Reforma, a execução era julgada extinta por sentença que era
notificada ao executado, ao exequente e aos outros credores cujas
reclamações houvessem sido liminarmente admitidas (cfr. art. 919º,
C.P.C.).
E, consequentemente, a referida sentença comprovava a extinção da
execução.
Após a Reforma, deixou de haver sentença a julgar a execução extinta. A
extinção da execução passa a ser um efeito automático dos factos que
constituem as causas de extinção, e deverá ser notificada ao executado,
ao exequente e aos credores reclamantes.
[16] O mais habitual é referirmo-nos
ao título quando falamos de actos jurídicos e, mais explicitamente, de
contratos, provavelmente porque a lei formula expressamente o princípio
da consensualidade para os contratos (cfr. art. 408.º do Código Civil
português). Daí que habitualmente se defina título como o acto pelo qual
se estabelece a vontade de atribuir e de adquirir o direito real.
[17] Dizemos em regra, porque o
ordenamento jurídico português, por vezes, exige um modo para que o
direito real nasça ou se transmita. É o que ocorre, por exemplo: com o
penhor de coisas, que só produz efeitos pela entrega da coisa empenhada
(art. 669.º do Código Civil); com o penhor de créditos, que só produz os
seus efeitos desde que seja notificado ao respectivo devedor, ou desde
que este o aceite, salvo tratando-se de penhor sujeito a registo, pois
neste caso produz os seus efeitos a partir do registo (art. 681.º, n.º
2, do Código Civil); com a hipoteca, que deve ser registada, sob pena de
não produzir efeitos, mesmo em relação às partes (art. 687.º do Código
Civil e art. 4.º, n.º 2 do C.Reg.Pred.); com a doação de bens móveis,
que só é válida, quando não exista escrito, se for acompanhada de
tradição da coisa doada (art. 947.º do Código Civil).
[18] Ao invés, no ordenamento
brasileiro vigora o sistema de título e modo, consequentemente, a
constituição e transmissão de direitos reais depende de um título –
fundamento jurídico ou causa que justifica a aquisição (lei; sentença;
acto jurídico unilateral ou contratual onde se estabelece a vontade de
atribuir e de adquirir o direito real) – e de um modo: acto pelo qual se
realiza efectivamente a atribuição ou aquisição, acto através do qual se
executa o prévio acordo de vontades.
Assim, no Brasil a aquisição de um direito real fundada em contrato
depende, não apenas da validade desse contrato, mas ainda da entrega da
coisa (tradição) quando em causa esteja uma coisa móvel, ou da inscrição
no registo, quando em causa esteja uma coisa imóvel.
[19] Traduzindo-se o direito real num
poder directo e imediato sobre a coisa é claro que exclui qualquer outro
«poder directo e imediato» que atinja as faculdades que ele reserva
sobre a coisa, mas tal não obsta à possibilidade de compatibilização
entre distintos poderes.
[20] É o que ocorre, p. ex. no caso de
constituição a cargo do mesmo prédio de duas servidões a favor de
prédios diversos.
[21] É claro que o conflito também não
se soluciona pelo art. 5.º no caso de os interessados em conflito serem
titulares de direitos registados, incompatíveis, adquiridos do mesmo
causante e sobre a mesma coisa. Neste caso é aplicável o art. 6.º, do C.Reg.Pred.
(princípio da prioridade).
[22] O problema é análogo ao de saber
se, registado um arresto, ou uma apreensão em processo de falência ou
constituída uma hipoteca judicial, os direitos daqui decorrentes
prevalecem sobre uma transmissão anterior não registada.
[23] - Publicado no Diário da
República 1ª-A, n.º 152, de 04.07.97.
[24] Acórdão 3/99, de 18 de Maio de
1999, publicado no DR – I Série A de 10 de Julho de 1999.
Não obstante, cumpre referir que no texto de fundamentação do Acórdão
Uniformizador, o S.T.J. afirmou que a venda judicial deve ter o mesmo
tratamento que a alienação voluntária, para efeitos do art. 5.º do C.Reg.Pred..
Assim, para o acórdão uniformizador, se, por um lado, o credor que, em
execução, obteve a penhora e respectivo registo, e o anterior
adquirente, que não solicitou o registo da sua aquisição, não são
terceiros entre si, para efeitos do art. 5.º do C.Reg.Pred., já o serão,
por outro lado, o mesmo adquirente e o arrematante na venda judicial
subsequente àquela penhora, que tenha solicitado o registo desta
aquisição antes de aquele o fazer.
[25] No Brasil, apesar do sistema ser
de título e modo e o registo ser, consequentemente, condição necessária
para a aquisição de direitos reais sobre imóveis, é muito vulgar as
partes não registarem os compromissos de venda, para fugirem ao
pagamento dos impostos, ou para evitarem o pedido de autorização à
instituição bancária que financiou a compra àquele que agora pretende
alienar. Multiplicam-se assim os denominados “contratos de gaveta”.
Aparentemente, a penhora registada pelo exequente daquele que pretendeu
alienar, recebeu o preço e entregou o bem mas que, efectivamente, não
alienou, porque não deixou de ser o titular registal inscrito, devia,
sem dúvida, prevalecer sobre o mero direito de crédito do pretenso
adquirente que pagou e passou a possuir o imóvel.
No entanto, não é esta a posição assumida pelo Supremo:
"COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO REGISTRADO – EXECUÇÃO – BEM PENHORADO
– EMBARGOS DE TERCEIROS – POSSE NÃO COMPROVADA – INDÍCIOS DE FRAUDE –
PRECEDENTES – RECURSO DESACOLHIDO – Conquanto mitigado o rigor do
Enunciado nº 621 do STF pela jurisprudência sumulada deste Superior
Tribunal de Justiça (verbete nº 84), inadmissível o acolhimento de
Embargos de Terceiros ajuizados, com o intuito de desconstituir penhora
sobre imóvel objeto de compromisso de compra e venda não registrado, se
inexistente comprovação de que o embargante, antes da Execução, detinha
a posse do imóvel, e se, ademais detectadas pelas instância ordinárias
circunstância evidenciadoras de fraude. Para serem acolhidos os
Embargos de Terceiros fundados em alegação de posse advinda de
compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de
registro, necessárias se fazem não só a demonstração de que a celebração
do compromisso, com quitação do preço, ocorreu antes de ajuizada a
Execução, mas também a comprovação da posse do embargante e a certeza
quanto à inexistência de fraude." (STJ - 4ª T.; Rec. Esp. nº
39.144-0-SP; rel. Min. Sálvio de Figueiredo; j. 16.11.1993; v.u.; DJU,
Seção I, 07.02.1994, p. 1.187, ementa. In Bol AASP 1838/31-e, de
16.03.1994.).
Parece-me que esta posição só está a ser adoptada pelo facto de no
Brasil não existir uma norma, idêntica ao nosso art. 357.º, n.º 2 do
C.P.C., que, de forma expressa, permita ao exequente contestar os
embargos, fundados na posse, invocando o direito de propriedade do
executado. |