Ementa: Existente lei estadual de isenção de custas e emolumentos, tal
isenção afetará a parte que a outorgou, o Estado. A remuneração dos
serviços registrários (taxa) não pode ser retirada do delegado, sem que
haja dotação de fundos suficientes. De outra forma, rompe-se o
equilíbrio econômico.
Consulta-nos Registrador de Imóveis da Capital como proceder diante da
ordem judicial, emanada do Juízo Cível que deferiu pedido de exeqüente
para que se registre penhora de imóvel, independentemente dos
emolumentos, diferindo o seu pagamento ao final da execução, quando
satisfeita.
Estou certo que essa determinação não se compatibiliza com princípios do
próprio direito tributário e das Normas que regem a exigência das taxas
por serviços públicos prestados.
Devolver simplesmente o título com essa exigência ou declará-la ao Juízo
da Vara de Registros Públicos, não considero oportuno, mesmo porque não
estaria esse procedimento afeito à orientação do atual Juiz
Corregedor-Permanente.
Assim, proponho que se transmita ao Juízo Cível a impossibilidade do
cumprimento integral daquele despacho, explicando os motivos e
fundamentos da recusa do registro, a não ser que, pagos os emolumentos
devidos ao Registro, difira o recolhimento, tão só, da parte do Estado,
Carteira das Serventias, Registro Civil Gratuito e Tribunal de Justiça.
Isto porque, os emolumentos, precipuamente na parte da remuneração
direta, tem caráter de taxa.
Senão, vejamos. A remuneração dos serviços registrais e de Notas,
segundo entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal, tem natureza
de taxa.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, fundando-se em amplo
magistério da doutrina, firmou orientação reiterada no sentido de que as
custas e emolumentos possuem natureza tributária, qualificando-se como
taxas remuneratórias de Serviços Públicos, sujeitando-se, em
conseqüência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer
no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional
pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado.
Em conseqüência, toda legislação a que se refere essa matéria contém
conotação de diploma de cunho tributário e como tal deverá ser
interpretada, a ela se aplicando o parágrafo 6º do artigo 150 da
Constituição Federal:
“Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de
crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou
contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal,
estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima
enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do
disposto no art. 155, § 2º, VII, g.”
A esse dispositivo constitucional volta o Código Tributário Nacional, em
seu artigo 97, reafirmando a competência exclusiva do legislador para a
instituição de isenções e reduções de tributos.
O serviço registral, que é público, responde a uma necessidade de
interesse geral e, portanto, inadmissível sua descontinuidade e
interrupção. É o que os doutrinadores denominam de princípio da
continuidade.
Não poderão, no entanto, deixar os registradores de cobrá-los porque
ínsita à função a remuneração prevista no artigo 236 da Carta Magna,
repetida no artigo 28 da Lei 8935/94.
A norma da isenção é exceptiva, pelo que não pode receber interpretação
que amplie seu inequívoco campo de incidência.
Neste sentido já se pronunciou a E. Corregedoria Geral da Justiça,
afirmando, ainda não ser dado ao aplicador, a pretexto de valorar ou de
coarctar alegada incongruência do legislador, substituir-se a este e
optar por solução “contra legem” (Proc. nº 207/89 – Interessada a
Municipalidade de São Paulo que reclamava de cobrança de custas e
emolumentos por parte do 12º Cartório de Registro de Imóveis da
Capital).
A E. Corregedoria Geral da Justiça já se manifestou ser incabível exigir
do Serventuário do Registro de Imóveis a prestação gratuita de serviço,
exceção feita às previsões legais (Proc. CG. 15/94 – 027/94).
Nem mesmo o beneficiário da assistência judiciária faz jus a essa
gratuidade.
É incisivo, normatizando a matéria, decisão da Primeira Vara de
Registros Públicos, exigindo, ao menos, sejam pagos os emolumentos
devidos ao Cartório, podendo o Juízo isentar, apenas, a parte devida ao
Estado:
“II – Efetivamente que o benefício da ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA na forma
prevista na Lei 1.060/50, não se estende automaticamente aos serviços
extrajudiciais, que tem natureza diversa e regramento específico. O art.
9º é preciso neste sentido, anotando que o beneficiário da assistência
judiciária compreende “todos os atos do processo até decisão final do
litígio”.
E segue “toda e qualquer determinação isencional deve compor o corpo da
LEI instituidora da cobrança ou em norma expressa de idêntica hierarquia
e competência. No caso de São Paulo, a legislação estadual que instituiu
e regulou a cobrança no corpo legal original não contempla qualquer
hipótese de isenção ou redução. Contudo a Lei Estadual 7.377/91, veio a
instituir hipóteses isencionais, estendendo estas ao serviço extra
judicial. O artigo primeiro desta Lei, com as mudanças determinadas pela
Lei 9.130/95, possui a seguinte redação: Art. 1º - As pessoas
reconhecidamente pobres ficam ISENTAS do pagamento de custas,
emolumentos e contribuições referentes ao registro no cartório de
registro imobiliário competente, dos títulos de domínio recebidos em
processos administrativos de legitimação de posse efetivada nos termos
da Lei 3.962/57, ou em virtude de leis municipais, ou em decorrência de
quaisquer outros processos, onde figurarem como beneficiárias da
assistência jurídica integral e gratuita prevista no art. 3º da
Constituição do Estado. § 1º - O estado de pobreza será comprovado por
declaração do próprio interessado ou a rogo, em se tratando de
analfabeto, neste caso acompanhada de assinatura de duas testemunhas; §
2º - A falsidade da declaração ensejará a responsabilidade civil e penal
do interessado; § 3º - Para as pessoas beneficiárias da assistência
jurídica integral e gratuita, a comprovação dar-se-á mediante a
apresentação, no cartório de registro imobiliários, de certidão de gozo
do benefício judicial do Juízo perante o qual teve andamento o processo
que originou o registro. A lei estadual transcrita, portanto, instituiu
direta isenção das custas e emolumentos, a todos os reconhecidamente
carentes, contemplados pela Lei 1.060/51. A isenção, contudo, afeta
diretamente a parte que toca ao ente que a outorgou, ou seja, alcança o
montante dos emolumentos destinados ao Estado de São Paulo, que
corresponde aos 32% do montante geral. Quanto à parte que toca à
serventia, que se articula como recomposição dos serviços públicos
remunerados pela TAXA (enquadramento declarado pela mais alta Corte da
Justiça de São Paulo), esta não pode ser retirada ao DELEGADO privado,
sem que o ente instituidor do BENEFÍCIO, promova a devida DOTAÇÃO de
fundos suficientes, para que o equilíbrio econômico necessário nesta
modalidade de exploração, não seja rompido ou quebrado. O Estado de São
Paulo deverá instituir FUNDO, para responder por tal encargo, sob pena
de não o fazendo, a isenção passar a ser conferida apenas na parte que
toca ao ente federado, ou seja, no limite de 32% (trinta e dois por
cento)”.
Desta decisão podemos inferir duas conclusões:
1. existente lei de isenção de custas e emolumentos, tal isenção afetará
a parte que a outorgou, o Estado;
2. a remuneração dos serviços registrários (taxa) não pode ser retirada
do delegado, sem que haja dotação de fundos suficientes. De outra forma,
rompe-se o equilíbrio econômico. Daí concluir o MM. Juiz Venício Antonio
de Paula Salles que a isenção deveria recair somente na parte não
cabente ao Registrador.
Em mesmo sentido:
“Custas – Tabelionato – Interessado beneficiário da assistência
judiciária. Pretendida extensão para a lavratura de procuração –
Descabimento da isenção, aplicável, exclusivamente, aos atos
processuais. Inteligência dos artigos 3º, II e 9º, da Lei 1.060/50”.
(Decisões Administrativas da Corregedoria-Geral da Justiça – 1981/1982,
RT, p. 43).
Em caso idêntico, quando do registro de arresto, determinado em execução
promovida no Juízo Cível entendeu a Primeira Vara de Registros Públicos
que os benefícios da assistência judiciária estão limitados ao foro
judicial, sem alcançar o extrajudicial.
Instada a se manifestar, em recurso, a E. Corregedoria confirmou a
decisão, consoante decisão proferida nos autos do processo CG 81/84.
Em dúvida suscitada pelo 9º Registro de Imóveis, Proc. 171/87, o
eminente Juiz Ricardo Henry Marques Dip esclarece: “Por primeiro, calha
observar que o benefício da justiça gratuita, amparado nas disposições
da Lei 1.060, de 5.2.50, não abrange a prática de atos no registro
imobiliário.”
Assim, ainda que deferida a justiça gratuita ao interessado, ao menos a
parte dos emolumentos da serventia deveria ser exigida. Mas, pelo que se
dessume, não se trata de concessão prevista na Lei 1.060/50.
São estes, resumidamente, os motivos que podem ser dirigidos ao MM.
Juiz, como explicação da recusa do ato, sem o pagamento dos emolumentos.
Não se trata de insubordinação, mas exposição dos motivos que levaram a
Serventia a exigir a cobrança do registro da penhora.
Sub Censura.
José de Mello Junqueira*
* José de Mello Junqueira é advogado, desembargador aposentado do TJSP.
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