O Procurador Geral da República, Cláudio
Fonteles, manifestou na Adin 3089, apresentando parecer pela
inconstitucionalidade do Imposto Sobre Serviços para as atividades
notariais e de registro. Segundo o Procurador, os emolumentos, por sua
natureza jurídico-tributária de taxa, não se confundem com preços
públicos e tarifas e, portanto, não recebem a incidência do ISS. Veja
abaixo a íntegra do parecer:
Parecer nº 1.810/CF
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N.º 3.089-2/600 - DF
RELATOR: EXMO. SR. CARLOS BRITTO
REQUERENTE: ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO BRASIL - ANOREG
REQUERIDOS: PRESIDENTE DA REPÚBLICA CONGRESSO NACIONAL
ISS. Serviços notariais e de registro. Inconstitucionalidade dos itens
21 e 21.1 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar n° 116, de 31 de
julho de 2003. Violação aos artigos 145, II e §2o, 150, VI e art. 236,
caput, da CRF/88. Parecer pela procedência da ação.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO RELATOR,
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, proposta pela
Associação dos Notários e Registradores do Brasil - ANOREG, com pedido
de medida cautelar, em face dos itens 21 e 21.1 da Lista de Serviços
anexa à Lei Complementar n° 116, de 31 de julho de 2003.
1. A Lei Complementar n.º 116/2003 dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços
de Qualquer Natureza - ISS, e, nos itens 21 e 21.1 da Lista de Serviços
anexa, inclui, dentre os serviços a sofrerem a incidência do referido
imposto, os serviços de registros públicos, cartorários e notariais.
2. Eis o teor dos dispositivos normativos vergastados:
“21. Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.
21.1. Serviços de registros públicos, cartorários e notariais.”
3. Alega a requerente, em síntese, que a cobrança do ISS sobre os
serviços notariais e de registro viola os artigos 145, inciso II, 150,
inciso VI, alínea “a”, §§ 2o e 3o, e o art. 236, caput, da Constituição
da República. Segundo afirma em suas teses, as atividades notariais e
registrais são serviços públicos específicos e divisíveis, cuja
realização o Estado delega aos particulares (art. 236, caput) e,
portanto, os emolumentos cobrados pela prestação desses serviços possuem
a natureza de taxa (art. 145, II), conforme já decidiu esse Supremo
Tribunal Federal em diversas ocasiões. Dessa forma, não pode o Município
ou o Distrito Federal instituir e cobrar o ISS sobre um serviço público
concernente a um Estado-Membro (art. 150, VI, alínea “a”, §§ 2o e 3o).
Em reforço de suas teses, a requerente junta parecer da lavra dos
ilustres professores Osiris Lopes Filho (fls. 65-91) e Roque Antonio
Carraza (fls. 92-125).
4. O Congresso Nacional, representado pela Advocacia-Geral do Senado,
presta informações às fls. 135-148, aduzindo, em caráter preliminar, a
ausência dos pressupostos para a concessão de medida liminar. Ademais,
argumenta, em defesa do ato normativo impugnado, que a delegação de
serviços notariais e registrais em nada difere da concessão e permissão
de serviços públicos, uma vez que são atividades públicas exercidas em
caráter privado e, portanto, torna-se questão de política de justiça
tributária dar igual tratamento tributário tanto a empresas delegatárias
como a empresas permissionárias e concessionárias de serviços públicos.
Alega, ainda, que não se pode falar em violação ao princípio
constitucional da imunidade recíproca, visto que os emolumentos, embora
considerados taxas, não são recolhidos pelos entes públicos, nem
repassados aos cofres dos Estados. Em suas próprias palavras, “a
aplicação da imunidade recíproca somente tem lugar quando o próprio ente
político presta o serviço. Ora, se este é prestado através de
particulares permissionários, concessionários, autorizados e
delegatários, em caráter privado, não há que se falar em imunidade,
posto que nem mesmo as empresas públicas, sociedades de economia mista
as têm no desempenho de suas atividades”.
5. O Presidente da República, representado pela Advocacia-Geral da
União, presta informações às fls. 152-153, reconhecendo a
inconstitucionalidade da norma impugnada, tendo em vista que o “serviço
de registro público e notarial é considerado serviço público, como tem
diversas vezes assentado o Supremo Tribunal Federal (...) e, nessa
linha, a instituição do imposto sobre serviços de qualquer natureza
incidente sobre o serviço de registros públicos cartorários e notarias
parece incorrer na vedação do art. 150, VI, ‘a’, da Constituição
Federal”.
6. Às fls. 155, o Advogado-Geral da União ratifica as informações
prestadas pelo Presidente da República.
7. Prestadas as devidas informações e ouvida a douta Advocacia-Geral da
União, vieram os autos a esta Procuradoria-Geral da República.
8. A controvérsia constitucional a respeito da cobrança do Imposto Sobre
Serviços – ISS dos serviços de registros públicos, cartorários e
notariais, conforme dispõe a Lei Complementar n° 116/03, nos itens 21 e
21.1 da Lista de Serviços Anexa, encontra solução na correta
interpretação da natureza jurídica dos serviços notariais e de registro,
assim como da natureza jurídica dos emolumentos cobrados pela prestação
desses serviços.
9. Esse Excelso Pretório já possui jurisprudência assentada no sentido
de que os serviços de registros públicos e notariais são serviços
públicos, e sujeitam-se a estrito regime de direito público. Assim ficou
consignado no voto do Ministro CELSO DE MELLO, relator, na ADIN n°
1.378-5/ES, DJ 30.05.97:
“Não se pode perder de perspectiva que a atividade notarial e registral,
ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não
oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função
revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um estrito
regime de direito público.
A possibilidade jurídico-constitucional de a execução dos serviços
notariais e de registro ser efetivada ‘em caráter privado, por delegação
do poder público’ (CF, art. 236), não descaracteriza a natureza
essencialmente estatal dessas atividades de índole administrativa,
cabendo ter presente, neste ponto, o preciso magistério de HAMILTON DIAS
DE SOUZA E MARCO AURÉLIO GRECO (‘A Natureza Jurídica das Custas
Judiciais’, p. 102, 1982, OAB/SP – Resenha Tributária), no qual se
acentua, verbis:
‘Vale refletir que não infirma essa conclusão a existência de cartórios
não oficializados, pois esses desempenham função pública, sendo públicos
os serviços por eles prestados. De resto, a circunstância de estes
serviços serem prestados por pessoas outras que não o Estado não
desnatura como públicos, sendo a relação jurídica que se estabelece
entre aqueles e os usuários de direito público, como bem o demonstrou
Renato Alessi.
Verifica-se, destarte, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
prestigia a doutrina nacional e estrangeira citada, concluindo que a
remuneração percebida em razão do desempenho de serviço eminentemente
público é taxa e não preço público.
Impõe-se enfatizar que as serventias extrajudiciais, instituídas pelo
Poder Público para o desempenho de funções técnico-administrativas
destinadas a ‘garantir a publicidade, autenticidade, segurança e
eficácia dos atos jurídicos’ (Lei n° 8.935/94, art. 1º), constituem
órgãos públicos titularizados por agentes que se qualificam, na
perspectiva das relações que mantêm com o Estado, como típicos
servidores públicos.”
10. Destarte, esse entendimento, quando confrontado com a doutrina
especializada na matéria atinente a serviços públicos, parece ser o mais
adequado, do ponto de vista técnico-científico.
11. Como é sabido, os serviços públicos podem ser prestados de forma
direta, isto é, pelo próprio Estado, quando este se utiliza de seus
próprios bens e agentes, ou de forma indireta, ou seja, quando confere,
por meio de delegação, concessão ou permissão, a prestação dos serviços
a outras pessoas, de natureza pública ou privada.
12. Para que os serviços públicos possam ser prestados, o poder público
(União, Estados e Municípios): a) cria, mediante lei, pessoas jurídicas
de direito público ou privado, como autarquias, fundações
governamentais, sociedades de economia mista e empresas públicas, a elas
atribuindo a titularidade e a execução de determinado serviço público;
b) ou outorga a particulares, por meio de contrato (concessão de serviço
público) ou ato unilateral (permissão de serviço público), somente a
execução, e não a titularidade, de determinado serviço público.
13. O art. 236, caput, da Constituição da República, dispõe que “os
serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por
delegação do poder público”. Nesse caso, como se pode perceber, trata-se
de delegação de serviço público, que, no caso específico dos serviços
notariais, assume caráter peculiar em relação ao conceito geral de
delegação de serviços públicos, que abrange as concessões e permissões.
A delegação de serviços notariais constitui figura autônoma, decorrente
do próprio art. 236, caput, da Constituição, e do regime específico
criado pela Lei n° 8.935/94, ainda que se insira nas características
essenciais do conceito geral de delegação.
14. A delegação de serviços notariais e de registro muito se aproxima da
permissão, com a diferença de que não é precária, pois sua outorga é de
caráter permanente, podendo apenas ser extinta em vista das hipóteses
relacionadas no art. 39 da Lei 8.935/94. Ademais, a outorga do serviço
deve ser precedida de concurso público de provas e títulos, consoante o
disposto no § 3º do art. 236 da CRF/88, e a permissão, assim como a
concessão, é precedida de licitação.
15. Portanto, no caso específico da delegação de serviços notariais, o
poder público somente transfere aos particulares a execução do serviço
público, permanecendo com o próprio Estado a sua titularidade. Com
efeito, o delegatário de serviços notarias e registrais realiza esses
serviços sob permanente fiscalização do poder público delegante, que, no
caso, é realizada pelo Poder Judiciário.
16. Dessa forma, não resta dúvida de que os serviços de registros
públicos, cartorários e notarias são serviços públicos, exercidos em
caráter privado por delegação do poder público, conforme a norma
constitucional insculpida no art. 236, caput, da Constituição da
República. A titularidade desses serviços pertence ao poder público, que
apenas delega sua execução a particulares. As atividades notariais e de
registro, apesar de exercidas em caráter privado, consoante a dicção do
preceito constitucional do art. 236, caput, da CRF/88, submetem-se a
estrito regime de direito público.
17. Enfim, os serviços notariais e de registro podem ser perfeitamente
enquadrados nos três critérios construídos doutrinariamente para a
definição de serviço público : a) critério subjetivo: serviço prestado
por particular por delegação do Estado, o qual permanece com a sua
titularidade; b) critério material: serviço que visa atender ao
interesse público, qual seja, o estabelecimento da publicidade, certeza
e segurança dos atos jurídicos praticados no âmbito da sociedade; c)
critério formal: serviço público realizado sob regime de direito
público.
18. Assim, se os serviços notariais e registrais caracterizam-se como
serviços públicos, delegados pelo Estado-Membro, não poderão os
Municípios cobrar imposto sobre esses serviços, sob pena de ser violado
o princípio constitucional da imunidade recíproca (art. 150, VI, “a”).
19. Deveras, a proibição constitucional de que as pessoas jurídicas de
direito público interno exijam impostos sobre o patrimônio, renda e
serviços umas das outras já está assentado no constitucionalismo
brasileiro, tendo recebido guarida por primeira vez na Constituição de
1891 (art. 10), por influência da jurisprudência norte-americana
delineada no famoso leading case McCulloch vs. Maryland. Desde então,
essa limitação constitucional ao poder de tributar vem sendo adotada nas
Constituições brasileiras (art. 17, X, CRF/34; art. 15, § 3º e 19, § 4º,
art. 31, V, “a”, CRF/46; art. 19, III, “a”, CRF/67/69) consolidando-se
como autêntico princípio constitucional, que hoje está insculpido no
art. 150, VI, “a”, da Constituição de 1988.
20. Ademais, a imunidade recíproca não precisaria estar positivada na
Carta de 1988 para valer como princípio constitucional, uma vez que ela
decorre do princípio federativo, segundo o qual as unidades políticas
são autônomas e convivem de forma harmônica e isonômica, sem que possa
haver qualquer tipo de hierarquia de poderes ou tratamentos
diferenciados entre as ordens jurídicas. Com efeito, os entes federados,
em regime de igualdade, não podem tributar bens, rendas e serviços uns
dos outros, até mesmo porque o poder de tributar traz implícito a
supremacia de quem tributa em relação a quem é tributado . Nesse
sentido, PAULO DE BARROS CARVALHO conceitua de forma exemplar a
imunidade recíproca:
“A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição é
uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes
constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado
brasileiro e pela autonomia dos Municípios. Na verdade, encerraria
imensa contradição imaginar o princípio da paridade jurídica daquelas
entidades e, simultaneamente, conceder pudessem elas exercitar suas
competências impositivas sobre o patrimônio, a renda e os serviços, umas
com relação às outras. Entendemos, na linha do pensamento de Francisco
Campos, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e Geraldo Ataliba, que, se não
houvesse disposição expressa nesse sentido, estaríamos forçados a
admitir o princípio da imunidade recíproca, como corolário indispensável
da conjugação do esquema federativo de Estado, com a diretriz da
autonomia municipal. Continuaria a imunidade, ainda que implícita, com o
mesmo vigor que a formulação expressa lhe outorgou”.
21. Assim, o princípio constitucional da imunidade recíproca, decorrente
dos princípios da federação e da isonomia entre os entes federados,
proíbe a tributação entre as diversas esferas de governo. Conforme as
lições de JOÃO BARBALHO, nem o Estado-Membro pode reclamar imposto de
outro, ou de Município deste, nem o Município pode fazer o mesmo em
relação a outro ou ao Estado. Portanto, não se pode deixar de considerar
que os Municípios estão proibidos de instituir e cobrar imposto
incidente sobre os serviços notariais e de registro, que são serviços
públicos delegados pelo Estado-Membro, conforme já delineado. Nesse
caso, resta indubitável que a cobrança do ISS sobre os serviços
notariais afronta o art. 150, VI, “a” da Constituição da República.
22. O Imposto Sobre Serviços - ISS, somente poderá incidir sobre
serviços prestados em regime estritamente privado, como os serviços
advocatícios, médicos, bancários, jogos e diversões, locação etc. Como
bem salientou MISABEL DERZI , a doutrina e a jurisprudência extraem da
Constituição as seguintes características da hipótese de incidência do
Imposto Sobre Serviços – ISS:
“1. A prestação de serviços configura uma utilidade (material ou
imaterial), como execução de obrigação de fazer e não de dar coisa;
2. deve ser prestada a terceiro, excluindo-se os serviços que a pessoa
executa em seu próprio benefício, como o transporte de mercadoria de um
estabelecimento a outro da mesma pessoa;
3. executado sem vínculo de subordinação jurídica, mas em caráter
independente, razão pela qual excluem-se os serviços prestados pelos
empregados a seus empregadores e pelos servidores públicos;
4. deve ser habitual, e não meramente eventual;
5. assim como ser objeto de circulação econômica, executado com objetivo
de lucro, excluindo-se os serviços gratuitos ou de cortesia,
beneficentes ou a preços baixos, como alimentação servida a empregados
gratuitamente ou a preço de custo;
6. finalmente, o serviço deve ser prestado em regime de direito privado
(por pessoa física ou jurídica, empresa pública ou sociedade de economia
mista); se público, haverá imunidade, exceto para aquele serviço dado em
concessão ou permissão a terceiros.” (ênfases acrescidas)
23. Os serviços notarias, como serviços públicos específicos e
divisíveis, são cobrados mediante taxa. A jurisprudência desse Supremo
Tribunal Federal já possui assentado o entendimento segundo o qual os
emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem
natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de
serviços públicos e, portanto, sujeitam-se, por conseqüência, ao regime
jurídico-constitucional pertinente a essa específica modalidade de
tributo (ADIN 948/GO, Relator Ministro FRANCISCO REZEK, RTJ 172/778;
ADIN 2.059/PR, Relator Ministro NELSON JOBIM, DJ 21.09.2001; ADIN
1709/MT, Relator Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ 31.03.2000; ADIN 1.778-MC/MG,
Relator Ministro NELSON JOBIM, DJ 31.03.2000).
24. No julgamento da ADIN n° 1.378-5/ES, acima citada, esse entendimento
assim ficou consignado:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CUSTAS JUDICIAIS E EMOLUMENTOS
EXTRAJUDICIAIS - NATUREZA TRIBUTÁRIA (TAXA) - DESTINAÇÃO PARCIAL DOS
RECURSOS ORIUNDOS DA ARRECADAÇÃO DESSES VALORES A INSTITUIÇÕES PRIVADAS
- INADMISSIBILIDADE - VINCULAÇÃO DESSES MESMOS RECURSOS AO CUSTEIO DE
ATIVIDADES DIVERSAS DAQUELAS CUJO EXERCÍCIO JUSTIFICOU A INSTITUIÇÃO DAS
ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS EM REFERÊNCIA - DESCARACTERIZAÇÃO DA FUNÇÃO
CONSTITUCIONAL DA TAXA - RELEVÂNCIA JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR
DEFERIDA. NATUREZA JURÍDICA DAS CUSTAS JUDICIAIS E DOS EMOLUMENTOS
EXTRAJUDICIAIS.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no
sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos
serviços notariais e registrais possuem natureza tributária,
qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos,
sujeitando-se, em conseqüência, quer no que concerne à sua instituição e
majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime
jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo
vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre
outras, as garantias essenciais (a) da reserva de competência
impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade.
Precedentes. Doutrina.
SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. - A atividade notarial e registral, ainda que
executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas,
constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de
estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime estrito de
direito público. A possibilidade constitucional de a execução dos
serviços notariais e de registro ser efetivada "em caráter privado, por
delegação do poder público" (CF, art. 236), não descaracteriza a
natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole
administrativa. - As serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder
Público para o desempenho de funções técnico-administrativas destinadas
"a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos
atos jurídicos" (Lei n. 8.935/94, art. 1º), constituem órgãos públicos
titularizados por agentes que se qualificam, na perspectiva das relações
que mantêm com o Estado, como típicos servidores públicos. Doutrina e
Jurisprudência.
DESTINAÇÃO DE CUSTAS E EMOLUMENTOS A FINALIDADES INCOMPATÍVEIS COM A SUA
NATUREZA TRIBUTÁRIA. - Qualificando-se as custas judiciais e os
emolumentos extrajudiciais como taxas (RTJ 141/430), nada pode
justificar seja o produto de sua arrecadação afetado ao custeio de
serviços públicos diversos daqueles a cuja remuneração tais valores se
destinam especificamente (pois, nessa hipótese, a função constitucional
da taxa - que é tributo vinculado - restaria descaracterizada) ou,
então, à satisfação das necessidades financeiras ou à realização dos
objetivos sociais de entidades meramente privadas. É que, em tal
situação, subverter-se-ia a própria finalidade institucional do tributo,
sem se mencionar o fato de que esse privilegiado (e inaceitável)
tratamento dispensado a simples instituições particulares (Associação de
Magistrados e Caixa de Assistência dos Advogados) importaria em evidente
transgressão estatal ao postulado constitucional da igualdade.
Precedentes.” (ênfases acrescidas)
25. O mesmo entendimento é defendido por autorizada doutrina do direito
tributário brasileiro, como SACHA CALMON NAVARRO COELHO , ROQUE ANTONIO
CARRAZA , ALIOMAR BALEEIRO e THEODORO NASCIMENTO .
26. Nesse passo, já sob o manto da ordem constitucional de 1967/69, esse
Excelso Pretório considerava a natureza jurídica de taxa dos emolumentos
cobrados pela prestação dos serviços notariais. Esse entendimento ficou
assentado na decisão proferida na RP n° 1295, de relatoria do Ministro
MOREIRA ALVES:
“CUSTAS DESTINADAS A ENTIDADES DE CLASSE. - NO JULGAMENTO DA
REPRESENTAÇÃO N. 1094, DE QUE FUI RELATOR, DECIDIU O PLENARIO DESTA
CORTE QUE CUSTAS TEM A NATUREZA JURÍDICA DE TAXA, SENDO, PORTANTO,
ESPÉCIE DE TRIBUTO. - SENDO TRIBUTO, NÃO PODEM AS CUSTAS - COMO SE
DECIDIU NA REPRESENTAÇÃO N. 1.139 - SER DESTINADAS A ENTIDADES COM
PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. POR OUTRO LADO, EM FACE DA
PROIBIÇÃO CONSTANTE DA PRIMEIRA PARTE DO PARÁGRAFO 2o DO ARTIGO 62 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL ('RESSALVADOS OS IMPOSTOS NOS ITENS VIII E XI DO
ARTIGO 21 E AS DISPOSIÇÕES DESTA CONSTITUIÇÃO E DE LEIS COMPLEMENTARES,
É VEDADA A VINCULAÇÃO DO PRODUTO DA ARRECADACAO DE QUALQUER TRIBUTO A
DETERMINADO ÓRGÃO, FUNDO OU DESPESA'), NÃO PODEM AS CUSTAS SER
VINCULADAS A DETERMINADO ÓRGÃO OU FUNDO, AINDA QUE TENHAM ELES
PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO.” (RP n° 1295, Rel. Min.
MOREIRA ALVES, DJ 17.03.89, p. 3604) (ênfases acrescidas)
27. Os emolumentos, por possuírem natureza jurídico-tributária de taxa,
não se confundem com preços públicos e tarifas e, portanto, não recebem
a incidência da norma do § 3o do art. 150 da CRF/88. Aliás, a exceção do
§ 3º do art. 150 somente incidirá sobre serviços relacionados com
exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a
empreendimentos privados, o que não é o caso dos serviços notarias e
registrais, como já demonstrado.
28. De acordo com clássica divisão dos tributos em vinculados e não
vinculados, conforme os ensinamentos de GERALDO ATALIBA, as taxas são
tributos vinculados a um serviço público ou ao exercício do poder de
polícia. Por outro lado, os impostos, na dicção do art. 16 do CTN, são
tributos cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente
de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. Com
essas considerações, afere-se prontamente que sobre os serviços públicos
notariais e de registro somente poderá incidir a taxa de serviço,
restando impossibilitada a cobrança de imposto, sob pena de violação
frontal à norma constitucional do art. 145, § 2º, da CRF/88. Deveras, se
as taxas não podem ter base de cálculo própria de impostos, a recíproca
se faz verdadeira, não se podendo também instituir impostos vinculados a
um serviço público específico e divisível, como é o caso do serviço de
registros públicos, cartorários e notariais.
29. Nesse sentido, a incidência do ISS sobre serviços já tributados por
meio de taxa, ou seja, a estipulação para o ISS de hipótese de
incidência idêntica à das taxas cobradas pela prestação dos serviços
notarias, configura violação clara ao princípio da intangibilidade do
fato gerador pré-tributado por meio de taxa. É dizer, a norma ora
impugnada, ao permitir a utilização, como base para o cálculo do ISS,
dos serviços notariais e registrais, já tributados mediante taxa de
serviço, institui inegável bis in idem tributário, uma vez que tanto o
ISS quanto os emolumentos terão a mesma hipótese de incidência.
30. Portanto, conclui-se que os itens 21 e 21.1 da Lista de Serviços
anexa à Lei Complementar n° 116, de 31 de julho de 2003 são
inconstitucionais, por violação direta aos artigos 145, II e § 2º, 150,
VI, “a” e 236, caput, da Constituição da República.
31. Ante o exposto, o parecer é pela procedência do pedido, para
declarar a inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1 da Lista de
Serviços anexa à Lei Complementar n° 116, de 31 de julho de 2003.
Brasília, 20 de fevereiro de 2004.
CLÁUDIO FONTELES
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA |