Em decisão inédita, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
reconheceu que uma jovem tem o direito de receber alimentos do pai biológico
descoberto por meio de exame de DNA, depois de ela ter sido adotada por uma
viúva que trabalhava no abrigo de crianças da cidade onde morava. Baseada no
entendimento da relatora, ministra Nancy Andrighi, a decisão estabelece que,
como não há vínculo anterior com o pai biológico para ser rompido pela
adoção, simplesmente porque jamais existiu tal ligação, não se pode eliminar
o direito da filha de pleitear alimentos do pai reconhecido na ação
investigatória.
A posição da Terceira Turma anula a decisão do Tribunal de Justiça de Santa
Catarina (TJ/SC), que, ao analisar recurso do pai, revogou o arbitramento de
alimentos provisórios, feito em primeira instância em benefício da filha. O
valor equivalia a 12,5% dos rendimentos dele, que exerce função de delegado
de polícia. O TJ/SC havia entendido que, como as ligações com a família
natural desaparecem a partir da adoção, cessaria o dever do pai biológico de
prestar alimentos à filha.
Logo que nasceu, L. C. dos S. foi registrada apenas com o nome da mãe
biológica. Posteriormente, foi adotada unicamente por uma mulher, viúva, com
quem reside. A adoção transitou em julgado quando L. tinha 14 anos. Aos 16,
propôs a ação investigatória de paternidade, daí a proteção do ECA sobre o
caso. À época da decisão que arbitrou os alimentos provisórios, L. estava
com 20 anos de idade e cursava faculdade de enfermagem. Hoje, ela conta 25
anos. Prevalece o entendimento de que são devidos alimentos ao filho desde a
citação da ação de investigação de paternidade até os 18 anos ou até os 24
anos desde que esteja cursando faculdade.
No recurso ao STJ, a defesa da jovem alegou que haveria ofensa ao artigo 27
do ECA, segundo o qual o direito de filiação pode ser exercitado sem
qualquer restrição, e interpretação errada do artigo 48 da mesma lei, que
diz ser irrevogável a adoção. Disse que a regra não poderia atingir o pai
biológico, já que não participou da adoção autorizada pela mãe biológica.
A ministra Nancy Andrighi analisou detalhadamente a questão e concluiu que
não havia vínculo anterior com o pai a ser rompido. Além disso, a matéria
deve ser vista sob a proteção dos menores definida no ECA. Daí, a
interpretação inadequada do TJ/SC. Para a ministra, o artigo 27 de estatuto
deixa claro o amplo e irrestrito direito de toda a pessoa ao reconhecimento
do seu estado de filiação. Nesse sentido, a relatora citou um precedente do
ano 2000, da Terceira Turma (REsp 127.541).
“O reconhecimento da paternidade não tem o condão, muito menos a pretensão,
de revogar o vínculo adotivo”, afirmou a ministra Nancy Andrighi. Por isso,
seguiu a ministra, não se poderá “restringir ou até mesmo eliminar, como fez
o Tribunal de origem, o direito do filho de pleitear alimentos do pai”
reconhecido pelo exame de DNA. A decisão da Terceira Turma foi unânime. |