- Não cabe qualquer indenização por benfeitorias ao possuidor que não
desconhecia que o terreno por ele ocupado era público, tendo construído
benfeitorias (ou acessões) por sua própria conta e risco.
Apelação Cível n° 1.0024.08.239687-0/001 - Comarca de Belo Horizonte -
Apelante: Célio Marques do Nascimento e outro - Apelado: Município de Belo
Horizonte - Relatora: Des.ª Vanessa Verdolim Hudson Andrade
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Eduardo Andrade,
incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos
julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar
provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 5 de outubro de 2010. - Vanessa Verdolim Hudson Andrade -
Relatora.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES.ª VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE - Trata-se de recurso de apelação
proposto à f. 139 por Célio Marques do Nascimento e outra, nos autos da ação
movida por eles contra o Município de Belo Horizonte, visando à reforma da
sentença de f. 134 que julgou improcedente o pedido inicial.
Em suas razões recursais, alega o apelante ser ocupante há mais de 50 anos,
de boa-fé, de imóvel cuja propriedade é do Município de Belo Horizonte.
Pretende indenização pelas benfeitorias realizadas e a restituição do que
foi pago como IPTU, uma vez pleiteada a desocupação do imóvel.
Em contrarrazões, à f. 145, alega o apelado que a ocupação do imóvel se deu
de forma clandestina e consciente, impossibilitando a caracterização de
boa-fé no domínio útil. Dessa forma, alega não ser devida qualquer
indenização ou restituição de pagamentos de IPTU.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.
Inexistindo preliminares, passo ao exame do mérito.
Célio Marques do Nascimento e Alzira Rodrigues dos Santos, devidamente
qualificados à f. 02, interpõem recurso de apelação contra sentença que
julgou improcedente o pedido inicial de indenização e restituição de
pagamento de impostos (pleiteados contra o Município de Belo Horizonte).
Alegam serem possuidores de imóvel público situado na Avenida Silviano
Brandão, nº 2.503, por período superior a 50 anos. A aquisição do imóvel se
deu em 1968, quando Alzira e seu já falecido marido ocuparam o local que se
apresentava abandonado, onde construíram residência, além de dois
estabelecimentos comerciais. Como consta dos autos, foi feito pagamento do
IPTU até o ano de 2001. Até 17 de outubro de 2008, o Município de Belo
Horizonte, proprietário do imóvel, se mostrou inerte quanto à ocupação,
silenciando. No entanto, no referido dia, foi emitida notificação aos
apelantes para que desocupassem o imóvel. Dessa maneira, Célio e Alzira
pediram indenização pelo despejo e restituição de toda a quantia paga como
IPTU, assim como tutela antecipada para a permanência no imóvel até a
indenização (pedido indeferido), justificando que são devidos porque a
ocupação do imóvel se deu de boa-fé. Justificam o pedido à inteligência do
art. 1.219 do Código Civil (que disciplina que o possuidor de imóvel, quando
de boa-fé, tem direito à indenização pelas benfeitorias realizadas). Em vias
contrárias, o apelado Município de Belo Horizonte alega, em contrarrazões,
que o bem público não se submete ao apossamento, desqualificando a
utilização do art. 1.219 do Código Civil, indicando ainda que não deve ser
caracterizada a posse, mas somente o domínio útil do imóvel (como
consequência de simples tolerância estatal).
Os apelantes requerem reforma total da sentença que os condenou nas custas
processuais e indeferiu o pedido de indenização pelas construções edificadas
e pelas consequentes benfeitorias que geraram valorização do imóvel situado
na Avenida Silviano Brandão, nº 2.503. Já na petição inicial, os apelantes
admitem que tinham ciência de que aquele era um imóvel público, mas que
realizaram a ocupação porque este se encontrava desocupado. Hoje, o terreno
que não possuía mais que plantações apresenta edificações de que os
requerentes se valem como moradia e como comércio. Mora ali a família de
Célio e Alzira, esta mãe daquele. Em suas razões recursais, alegam que a
posse se deu de boa-fé, uma vez configurado o silêncio por parte do
Município de Belo Horizonte (proprietário indiscutível do imóvel) até 17 de
outubro de 2008. Fundamentam o pedido no disposto no art. 1.219 do Código
Civil: o possuidor de imóvel, quando de boa-fé, teria direito à indenização
pelas benfeitorias realizadas; pedem também que seja devida a restituição do
pagamento do IPTU durantes os anos de 1968 a 2001, já que, agora, seriam
obrigados a desocupar o imóvel que ocuparam por mais de 50 anos e pelo qual
pagaram todos os impostos devidos.
O apelado, Município de Belo Horizonte, alega em contrarrazões que não há
que se falar em posse e, menos ainda, em boa-fé. Diz que, como admitido na
própria petição inicial, os autores já sabiam que o imóvel era público desde
quando o ocuparam clandestinamente e sem qualquer prévia autorização
estatal, o que descaracterizaria a boa-fé na discutida posse. Ainda diz que
o imóvel fora cedido como comodato à instituição "Casa Transitória" (como
comprovado nos autos), e a ocupação ilegal não admitiria ser considerada
como posse, somente como domínio útil originado pela tolerância do
proprietário. Ainda salienta que os bens públicos são indisponíveis e
inalienáveis, não enquadrando o Município de Belo Horizonte na hipótese do
art. 1.219 do Código Civil, como previram os apelantes.
De fato, sabe-se que, à razão do Direito Civil, a boa-fé é presumida e tem a
parte contrária o ônus de provar a má-fé. Todavia, ao assumir na inicial que
tinham ciência de que o imóvel era pertencente ao Poder Público e, ainda
assim, realizaram a sua ocupação, resta inadmissível a boa-fé por parte dos
apelantes. Sabe-se também que o bem privado não pode suprimir a relevância
da coletividade, menos ainda quando nem sequer é resguardado pela boa-fé.
Dessa forma, a ocupação de um bem que é da coletividade, e cuja apropriação
jamais foi autorizada pelo Estado, pode ser considerada ilícita, já que todo
e qualquer particular, para a obtenção da propriedade de um imóvel, se
submete à concessão, à compra ou, pelo menos, à autorização de posse.
Nos mesmos moldes, fundamentou-se este Tribunal ao negar o dever do Estado
de pagar indenização:
``Direito civil - Direito processual civil - Reexame necessário - Apelação -
Ação reivindicatória - Ação possessória - Impedimento de ajuizamento - Art.
923 do Código de Processo Civil - Não ocorrência - Ocupação de terreno
público - Benfeitorias - Indenização - Direito de retenção - Impossibilidade
- Danos materiais - Ausência de comprovação - Sentença confirmada - Recurso
desprovido. - A jurisprudência é firme no sentido de que o art. 923 do
Código de Processo Civil somente tem aplicação quando a posse for disputada
a título de domínio, não sendo este o caso dos autos, motivo pelo qual não
há como falar em carência de ação do proprietário que ajuíza ação
reivindicatória, ainda que pendente processo possessório. - É incabível a
indenização por benfeitorias quando se verifica que o possuidor tinha
conhecimento de que o terreno por ele ocupado era público, tendo construído
diversas edificações por sua conta e risco. Em se constatando que não há
prova de que o possuidor causou prejuízos ao proprietário do imóvel
reivindicado, não há que se falar em indenização'' (Processo
1.0480.03.046311-5/001, Rel. Moreira Diniz, j. em 06.11.2008, p. em
18.11.2008).
No processo em questão, o interesse público, portanto, resta superior ao
interesse particular dos apelantes: uma vez ocupado clandestinamente, sua
desocupação não gera qualquer direito à indenização - porque não foi
configurada a posse e, menos ainda, a boa-fé (cuja ausência foi comprovada
na própria petição inicial).
Quanto ao pedido de restituição dos pagamentos do IPTU, não resta dúvida de
que este não é um pedido devido: como todo particular que paga seus
impostos, Célio e Alzira deviam o pagamento dos impostos enquanto ocupado
pelos 50 anos de domínio útil (como define a legislação municipal) de imóvel
público resultante da tolerância estatal. Não há o que restituir, já que é
não é restituível, também, todo o período em que os apelantes ocuparam o
imóvel.
Nego provimento, dessa maneira, ao recurso de apelação.
Custas recursais, pelo recorrente, na forma da lei.
É o meu voto.
Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Armando Freire e Alberto
Vilas Boas.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
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