Se o ex-cônjuge figurou no pré-contrato e
na escritura como vendedor, a sua não-participação na ação judicial na
qual se busca anular compra e venda de imóvel implica a anulação do
processo. A decisão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ), seguindo voto do ministro Aldir Passarinho Junior.
A ex-esposa entrou com ação judicial visando à rescisão de compra e
venda de imóvel urbano e à anulação de escritura pública contra o casal
comprador afirmando que foi induzida a erro. Segundo narra na inicial,
ela, quando separada de fato do marido, residia em Fortaleza (CE) e
estava à espera da divisão dos bens no processo de separação consensual.
O bem colocado à venda – um imóvel de 1610 m2 com casa construída de
423,86 m2 na cidade gaúcha de Panambi – havia sido doado por seu pai, e
o dinheiro da venda seria usado para comprar imóvel no local de seu novo
domicílio.
O ex-marido ficou encarregado de selecionar os compradores. A venda, as
negociações e até a lavratura da escritura foram realizadas sem que a
ex-mulher concordasse. Ao ficar sabendo da venda, ela a condicionou ao
pagamento integral do preço (Cz$ 7 milhões, à época – setembro de 1991),
mas, no cartório, quando da assinatura da escritura, descobriu que o
ex-marido já havia assinado.
Posteriormente, acabou concordando em assinar, "o que fez acreditando
piamente que iria receber o valor ajustado". No entanto afirma que os
vendedores, após terem em mãos a escritura, afirmaram que nada tinham a
lhe pagar, enfatizando que tinham negócios com o ex-marido dela, com
quem iriam resolver o pagamento do preço. Segundo entende a ex-esposa,
houve "atroz maquinação dos compradores com o seu ex-marido para
engodá-la e lesá-la", já que jamais lhe foi repassado qualquer valor.
Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente. Para a juíza,
sendo licito o objeto, tendo havido pagamento do preço livremente
estipulado, com a existência de consentimento válido, não merecia
prosperar a pretensão da ex-mulher.
Houve apelação ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O
entendimento unânime dos desembargadores foi de ser nula "a compra e
venda de imóvel que tocara exclusivamente à cônjuge mulher, em partilha
antes dela homologada dos mesmos promitentes, quando não recebeu ela
qualquer parcela do preço, integralmente pago ao cônjuge varão, que
indevidamente figurou como um dos transmitentes, inobstante ter se feito
aquela representar por terceiro, procurador, com poderes expressos para
recebê-lo, não tendo a este, contudo, sido paga importância alguma".
Para os julgadores, os adquirentes não podem ser tidos como terceiros de
boa-fé diante da clara indicação do conhecimento que tinham da separação
do casal.
A decisão levou o ex-marido a recorrer ao STJ. Segundo alega, a decisão
do TJ gaúcho violou o artigo 47 do Código de Processo Civil, pois, em
todo o relato, atribui a ele simulação com os adquirentes do imóvel cuja
alienação se pretende invalidar na ação e, apesar disso, não foi
incluído nem como réu, nem como litisconsorte necessário. E ressalta que
ele e a ex-esposa é que outorgaram a escritura a qual ela pretende
anular e que afirma ter assinado por coação, isso obrigaria a sua
integração na ação, o que não ocorreu.
Um dos argumentos do ex-marido é que houve um pré-contrato do qual a
ex-mulher participou, no qual há o reconhecimento de firma, tendo o
preço sido integralmente pago, valor do qual faz parte uma casa e um
terreno dos adquirentes da propriedade em litígio, fato chancelado pela
escritura pública.
Ao contra-argumentar o recurso, a ex-esposa afirma que, se os
adquirentes não pagaram a ela, eram eles que deveriam responder pela
ação, não seu ex-marido.
O ministro Aldir Passarinho Junior, ao analisar o recurso, ressaltou que
o fundamento da decisão de segunda instância, a qual inverteu a
conclusão de primeiro grau, foi, justamente, o fato de o ato ter sido
praticado fraudulentamente pelo ex-marido, terceiro prejudicado, então
em vias de separação da autora, já existindo, à época da alienação,
esboço de partilha, consignando o imóvel em discussão como a ser
partilhado para integrar o patrimônio da ex-mulher, muito embora a
administração dos imóveis fosse do então do esposo.
O relator observa que a decretação da nulidade do contrato de compra e
venda faz com que o bem, forçosamente, retorne ao patrimônio da autora.
"Conseqüentemente – continua o ministro –, o preço pago pelos
compradores, únicos réus da ação, terá de ser devolvido por quem o
recebeu", o ex-marido. "Assim posta a lide pela própria autora, como se
vê da inicial, não poderia ter deixado de dela participar, na qualidade
de co-réu, o ex-marido, de sorte que ao menos o litisconsórcio
necessário deveria ter sido automaticamente reconhecido pelos órgãos
judiciais", entende o relator.
Destaca o ministro, contudo, ignorar se a intenção do ex-marido de
ingressar na questão judicial a esta altura foi propositalmente
engendrado – já que poderia ter sido suscitada muito antes –, observando
também que o tipo de letra e do papel da petição recursal que apresentou
coincide com o que vem sendo utilizado pelos patronos dos outros réus (o
casal que adquiriu o imóvel). A seu ver, a norma legal é coercitiva,
obrigatória.
"O ex-esposo figurou no pré-contrato e na escritura de compra e venda
como vendedor, ao lado da autora, ambos assinando os documentos. Daí, o
desfazimento da avença implicava a participação de todos na lide, posto
que a todos os contratantes afeta (artigo 47, caput, do CPC), o que não
aconteceu", entende. Assim, conheceu e proveu o recurso do ex-marido,
decretando a nulidade do processo a partir da folha 45, para que seja
integrado à lide o ex-marido, que oferecerá contestação, seguindo-se o
curso regular do processo.
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