Notificação Judicial. Averbação lançada à margem de matrícula de imóvel. Inadmissivilidade. Cancelamento determinado


Número do processo: 1.0024.04.286523-8/001(1)
Relator: BRANDÃO TEIXEIRA
Relator do Acordão: BRANDÃO TEIXEIRA
Data do acordão: 24/05/2005
Data da publicação: 10/06/2005

Inteiro Teor:


EMENTA: REGISTROS PÚBLICOS. NOTIFICAÇÃO JUDICIAL. PROVIDÊNCIA DE NATUREZA CAUTELAR, QUE NÃO AFETA O REGISTRO. AVERBAÇÃO LANÇADA À MARGEM DE MATRÍCULA DE IMÓVEL. INADMISSIBILIDADE. CANCELAMENTO DETERMINADO. RECURSO IMPROVIDO.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.04.286523-8/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE - APELADO(A)(S): VALTER NUNES - RELATOR: EXMO. SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a SEGUNDA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 24 de maio de 2005.

DES. BRANDÃO TEIXEIRA - Relator NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA:

VOTO

Cuidam os autos de recurso de apelação interposto da v. sentença de fl. 176/179 que, na ação de cancelamento de averbação lançada em matrícula imobiliária proposta por VALTER NUNES, julgou parcialmente procedente o pedido, para cancelar as averbações nºs. 02 e 04, das matrículas nºs. 49.092 e 49.093, e, de acordo com a prerrogativa do art. 1.109, do Código de Processo Civil, para ordenar a retificação da observação lançada ao final da matrícula.

A sentença desafiou embargos declaratórios, opostos pelo d. OFICIAL DO 1º SERVIÇO DO REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE BELO HORIZONTE, acolhidos pela v. decisão de fl. 183/184, de seguinte teor:

"O pedido inicial foi para ¿retificação' do registro para tornar sem efeito as averbações n. 02 e 04, dos registros especificados, e a observação ao final da certidão referente à notificação e ao procedimento administrativo confeccionados pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, o que a sentença cuidou de atender parcialmente, determinando o cancelamento das averbações e a retificação da observação para constar que o procedimento administrativo foi encaminhado para a Vara da Fazenda Pública para discussão sobre a propriedade.

Nada há nos autos elementos que possam induzir que o pedido foi referente ao cancelamento da observação de que o registro em nome do autor foi feito ¿em virtude de determinação judicial'.

Para que não pairem dúvidas, a observação a ser retificada para amoldar- se ao procedimento da Lei de Registros Públicos e aos ensinamentos da doutrina, é a que apresenta o seguinte texto: ¿Fica fazendo parte integrante da presente certidão, a correspondência xerocopiada em anexo, não podendo ser usada separadamente da mesma, compondo as folhas de n. 01 e 01, da presente certidão'.

Quanto ao cancelamento da averbação, o procedimento correto é fazer nova averbação informando que as averbações referentes às notificações judiciais encontram-se canceladas.

Por fim, não há o Oficial Registrador que temer uma condenação em custas ou honorários advocatícios com a remessa do procedimento para a Vara da Fazenda Pública, uma vez que as partes do procedimento serão apenas a Fazenda Pública e o proprietário do imóvel, ainda mais que o registro foi realizado por ordem judicial, conforme, a propósito, consta da matrícula, o que por si só já isenta o titular da serventia de qualquer responsabilidade civil ou criminal".

Inconformado, insurge-se o MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE contra a sentença, alegando que a v. sentença recorrida não observou o comando do art. 213, parágrafo 4º, bem como o art. 214, ambos da Lei n. 6015/1973, pelos quais, se a retificação do registro for impugnado, fundamentadamente, o juiz remeterá o interessado para as vias ordinárias. Sustenta que, tendo o município impugnado o pedido do autor, o feito deveria ter sido remetido às vias ordinárias, no caso, para uma das Varas da Fazenda Pública Municipal da Comarca de Belo Horizonte. Sustenta que "as áreas objeto do pedido, apesar de constarem como matriculadas em nome do autor, acham-se superpostas a terreno de domínio público municipal, devidamente registrado muito antes da data do registro do requerido, conforme se comprova com os documentos acostados aos autos", e que "a prova pericial será fundamental para se apurar a cadeia sucessória e também informar a exata localização das áreas envolvidas, com fundamento na localização dos terrenos mencionados em seus respectivos registros de origem". Pugna pela cassação da v. sentença recorrida, ou pela sua reforma (fl. 186/189).

O autor ofertou as contra razões de fl. 192/200, pugnando pela confirmação da sentença. Juntou os documentos de fl. 204/252.

O ilustrado Procurador de Justiça VÍTOR HENRIQUES ofertou o parecer de fl. 261/263-TJMG, opinando pelo não conhecimento do recurso, aduzindo que a sentença hostilizada "contempla o aqui pretendido pelo apelante naquela parte em que tornou o apelado sucumbente".

PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ARGÜIDA PELO I. REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Em seu parecer de fl. 261/263-TJMG, o d. Procurador de Justiça VÍTOR HENRIQUES opinou pelo não conhecimento do recurso, ao fundamento de que a própria sentença recorrida já determinou que a discussão acerca da propriedade dos imóveis deve ser travada em ação própria, perante a Vara de Fazenda Pública Municipal.

Com redobrada vênia daquele douto Procurador de Justiça, razão não lhe assiste.

Ao contrário do consignado em seu parecer, o MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, pugna pela manutenção das averbações lançadas nas matrículas dos imóveis, o que equivale a dizer que se insurge contra a pretensão inicial deduzida pelo autor.

O recurso preenche, então, os requisitos objetivos e subjetivos necessários para seu conhecimento.

Por todo o exposto, REJEITO A PRELIMINAR ARGÜIDA e CONHEÇO DO RECURSO.

CANCELAMENTO DE AVERBAÇÃO DE NOTIFICAÇÃO JUDICIAL LANÇADA EM MATRÍCULA DE IMÓVEL.

Conforme se depreende das certidões expedidas pelo Cartório do 1º Ofício do Registro de Imóveis da Comarca de Belo Horizonte, o autor VALTER NUNES é proprietário de dois imóveis, matriculados sob os n. 49092 e 49093 (v. 07 e 09).
Da matrícula n. 49092 constam as seguintes averbações:

"AV-2- 49092 - Prot. 136237 ¿ 1º.03.91. Consta arquivado neste cartório, em data de 18-12-1989, um mandado de notificação, expedido pelo Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública, a requerimento da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, proc. 642406-6/89. Dou fé. L/E".

"AV-4-49092 ¿ Prot. 151630 ¿ 11.11.92. Certifico que fica arquivada neste Cartório, a certidão do teor seguinte: Maria Izabel de Barros Chaves Santos, ESCRIVÃO Judicial da Secretaria do Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte, Capital do Estado de Minas Gerais, na forma da lei, etc. CERTIFICA, a pedido verbal da parte interessada, que conforme busca efetuada nos livros próprios de sua Secretaria, verificou que constam os autos de uma ação de Notificação promovida pela Prefeitura de Belo Horizonte contra ESCRIVÃO do Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis, processo n. 642406- 6/89, autuado em 27-11-89. Certifico mais que o processo foi averbado em 03-08-90 conforme despacho do MM. Juiz proferido às fls. 31: ¿Como a Prefeitura não pagou as custas, apesar de intimada, por várias vezes a fazê-lo, não entregar os autos'. ¿Arquivar, com baixa'. Dou fé. Belo Horizonte, 22 de agosto de 1992. A escrivã, (assinado), Maria Izabel de Barros Chaves Santos. Averbação feita conforme requerimento datado de 11-11-92, que fica arquivado juntamente com a certidão. Dou fé".(v. fl. 07 e 07-verso)

Constou ao final daquela certidão, também, a seguinte observação:

"OBS: Fica fazendo parte integrante da presente certidão, a correspondência xerocopiada em anexo, não podendo ser usada separada da mesma, compondo as folhas de nºs. 01 e 02, da presente certidão"

E a referida "correspondência xerocopiada" referida na certidão, que se encontra copiada às fl. 08, tem o seguinte teor:

"NOTIFICAÇÃO

Aos

Cartórios do 1º, 2º e 3º Ofícios de Registro de Imóveis.

CAPITAL

Pelo presente ficam os Srs. Oficiais dos Cartórios, acima epigrafados, NOTIFICADOS que as áreas constantes nas matrículas nºs. 49.093 e 49.092, ambas da Serventia do 1º Oficial do Registro Imobiliário da Capital, sobrepõe à área de 36 hectares de propriedade desta Prefeitura Municipal (PBH), conforme registros de nºs. 8.677, do livro n. 3-G, fls. 280; e 7.005, do livro n. 3-E, fls. 224, dos Cartórios do 2º e 3º Ofícios de Registro de Imóveis da Capital, e que foi aberto processo administrativo de n. 01.117238.99.47, objetivando a anulação das referidas matrículas".

Semelhantes averbações e observação encontram- se lançadas à margem da matrícula n. 49093, trazida em cópia às fl. 09.

Segundo alega o autor, quando estava entabulando a compra e venda dos referidos imóveis, requereu expedição de certidão atualizada dos imóveis. Para sua surpresa, nesse momento deparou com tais averbações, e este fato vem impedido os mencionados negócios.

Pugna pelo cancelamento de tais averbações.

Ouvido o MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, na forma do art. 1105, do CPC, o mesmo alegou que:

"4. O MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE tem interesse direto na lide. As áreas objeto do pedido, apesar de constarem como matriculadas em nome do autor, acham-se superpostas a terreno de domínio público municipal, devidamente registrado, conforme se comprova com os documentos acostados a esta defesa e para os quais requerer seja deferida a juntada aos autos.

5. O Município de Belo Horizonte junta, também, a cópia, em inteiro teor, do Processo Administrativo n. 01.117238.89.47, em tramitação na PBH, já que mencionado na Notificação enviada aos Cartórios do 1º, do 2º e do 3º Ofícios de Registro de Imóveis da Capital e integrante das referidas matrículas".
.................................................................. ..................

"9. A verdade é que se for levantada a cadeia sucessória de domínio das matrículas referentes ao terreno do autor, certamente ficará comprovada que se origina, se desmembra, de terreno não localizado onde se acha descrito atualmente. Do modo como se acham descritas nas referidas matrículas se superpõem à área identificada como propriedade do Município, medindo 36 hectares, de domínio público municipal, adquirida do Estado de Minas Gerais, com base nos registros n. 7.005, do 3º Ofício de Registro de Imóveis, datado de 16.05.1939. Provavelmente também com a área de 134.690,00 m², adquirida da União em 1º de fevereiro de 1941 e registrada sob o n. 22037, em 05 de agosto de 1949, no Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis (cópias anexas dos documentos e das plantas comprovando o alegado).

10. Uma perícia rigorosa poderá estabelecer a cadeia sucessória dominial e também a exata localização das áreas envolvidas, com fundamento na localização das terras mencionadas em seus respectivos registros anteriores e, provavelmente, irá comprovar a superposição e a legitimidade do domínio do Município sobre as áreas objeto da presente demanda. Isso acarretará o indeferimento do pedido do requerente e conseqüentemente a anulação das mencionadas matrículas. É o que se requer.

11. Portanto, as referidas matrículas 49092 e 49093 bem como os seus respectivos R- 1, deverão ser anulados por se superporem à área identificada nos Registros 7005, do livro 3-E, fls. 224, do 3º Ofício de R.I desta Comarca, e 22037, do Livro 3-S, fls. 63, do Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis da Capital.

12. Assim, não assiste razão ao autor desta ação de cancelamento de registro de imóveis, ao pretender ver reconhecida a nulidade das averbações e da notificação feitas nas referidas matrículas, por terem sido montadas, com a descrição realizada de modo ¿enganoso', equivocado, não condizente com a realidade local, eis que se superpõem ao mencionado terreno deste município".(fl. 48/50)

Razão não assiste ao Município (apelante).

Em primeiro lugar, não há que se falar que a via processual eleita pelo autor seja imprópria. Também não há que se falar em incompetência do douto Juízo da Vara de Registros Públicos, para esta lide.

Isto porque não pretende o autor, aqui, seja declarada a propriedade dos imóveis indicados na exordial, nem alterar qualquer descrição contida no registro que seja necessária e útil para sua identificação.

Apenas pretende cancelar averbações lançadas à margem da matrícula, em decorrência de notificações promovidas pelo Município de Belo Horizonte em processos, judicial e administrativo, dos quais o autor sequer participou.

E para tanto, cabível é a ação de cancelamento de registro, prevista no art. 250, inciso I, da LRP, e competente é a Vara de Registros Públicos da Comarca de Belo Horizonte.

Também quanto ao mérito razão assiste ao autor.

As hipóteses de averbação em matrículas são aquelas descritas no artigo 167, II, da Lei n. 6015/1973, e dentre elas não se encontra a notificação, ainda que judicial, feita por eventual interessado.

Embora o rol do art. 167, II, da LRP, não seja taxativo (v. art. 246), deve ser interpretado segundo o que preceitua o art. 172 do mesmo diploma legal, que assim estabelece:

"Art. 172. No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa, quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para a sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade".

Pois bem: a notificação judicial tem como escopo unicamente a prevenção de responsabilidade, a conservação e ressalva de direitos diante da comunicação a alguém sobre uma manifestação de vontade de modo formal (art. 867 e ss., do CPC).

Não é a notificação ato que, por qualquer modo, altera o registro e, por isto, não se configura como objeto de registro ou de averbação na matrícula de imóvel.

Por estas mesmas razões a jurisprudência há muito vem se posicionando pela inadmissibilidade da averbação de protestos contra alienação à margem de matrículas de imóveis, exatamente pelo desvirtuamento do instituto que tal providência encerra.

Neste sentido, colhem-se os seguintes arestos:

"EMENTA - APELAÇÃO CÍVEL ¿ NOTIFICAÇÃO ¿ REGISTRO NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS ¿ IMPOSSIBILIDADE. A notificação, ainda que judicial, por ter como escopo unicamente a prevenção de responsabilidade, a conservação e ressalva de direitos diante da comunicação a alguém sobre uma manifestação de vontade de modo formal, não se configura como objeto de registro ou de averbação na matrícula de imóvel".

(Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 3ª Turma, Apel. Cível n. 2002011002265-4, Relator Des. Lécio Resende, julg. 03/11/2003)

"Apelação cível. Ação cautelar de notificação judicial e protesto contra alienação de bens. Irresignação com o indeferimento da publicação de editais constante em decisão interlocutória da qual os autores expressamente concordaram e não atacaram oportunamente. Preclusão da matéria. Averbação no registro imobiliário. Impossibilidade, uma vez que além da medida não ser contemplada na Lei dos Registros Públicos, poderá dar ensejo a restrições indevidas nos bens do apelado, impedindo-o de realizar negócios jurídicos lícitos, o que, em princípio, não é o objetivo da cautelar em apreço. Recurso que se desprove".

(Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível n. 598131514, Sexta Câmara Cível, Rel. Des. Osvaldo Stefanello, julg. 23/02/2000)

Irretocável, portanto, é a v. sentença recorrida, quando consigna:

"... é evidente que uma simples notificação, seja judicial, seja extrajudicial, não possui qualquer conteúdo decisório. É o tipo de procedimento inapto por natureza e essência para criar, modificar ou extinguir direitos.

É preciso convir que a aludida notificação não tem o condão de tornar a coisa indisponível ou fora do comércio, mas apenas o de prevenir responsabilidade e prover a conservação e ressalva de direitos ou manifestações. Esta, por si só, não retira o bem do domínio de seu proprietário, enquanto não acontecer o ato judicial de alienação.

A notificação não passa de providência preservativa de direitos, pois não será um simples procedimento preventivo, de jurisdição graciosa, que terá o poder obstativo da prática de atos registrais, muito menos de impor óbices e limitações ao direito de propriedade, obedecidas as normas reguladoras da atividade registral, daí porque verdadeiramente constrangedora para o registrador público.

Cumpre esclarecer que o cancelamento é o ato que extingue o registro ou averbação na esfera jurídica, fazendo com que estes não operem efeitos sobre pessoas ou coisas aos quais incidem. Por isso mesmo o despacho determinando a alteração da classe do procedimento para cancelamento de registro de imóvel, tendo em vista que a retificação não opera os efeitos pretendidos pelo autor.

É certo que não pode o Oficial Registrador apagar, literalmente, nenhum registro dos livros sob sua guarda, muito menos riscar o texto a fim de ocultá-los aos olhos do leitor.

Veja-se, a propósito, o ensinamento do ilustre professor Walter Conviva, que poderia com absoluta propriedade que:

¿O ato de cancelar não tem sentido literal de inutilizar o registro, riscando-o, borrando-o ou excluindo-o dos assentamentos imobiliários. Corresponde a outro lançamento no qual é declarado ineficaz o registro ao qual pertine. É a ação positiva produzindo resultado negativo e assim repercutindo na esfera do direito (art. 248)'.(Lei de Registros Públicos Comentada, 7ª ed., Saraiva: São Paulo: 1991, p. 431).

Quanto à observação, tenho que a mesma não deve ser cancelada, mas sim retificada para se adequar à Lei de Registros Públicos. Observa-se que o procedimento administrativo confeccionado pela Municipalidade visa anular as matrículas de propriedade do autor, nos termos dos arts. 214 (hoje com nova redação dada pela Lei n. 10.931, de 2004), e art. 216, ambos da Lei de Registros Públicos.

Entretanto, não pode tal procedimento ser realizado pela via administrativa. Tenho que é de bom alvitre o zelo de preservar direito de eventuais terceiros com relação ao imóvel, recomendando ao Oficial Registrador que cumpre sua função peculiar na qualificação registrária, enviando cópia do procedimento administrativo com pedido de cancelamento da Prefeitura ao juízo competente (Vara da Fazenda Pública), conforme orienta a doutrina e a jurisprudência.

Recorro novamente à lição do professor Walter Conviva (Lei de Registros Públicos comentada, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 377 e 378):

¿A prova que permite a excepcional forma de retificação, por nulidade de pleno direito, deve ser estreme de dúvida, dependendo de decisão judicial. Nada obsta a que o próprio interessado, em cujo nome foi feito o registro, reconhecendo a existência de nulidade, requeira seu cancelamento diretamente ao cartório imobiliário. Havendo pedido de terceiro e impugnação do interessado, serão estes remetidos às vias ordinárias'. ¿O interessado será sempre notificado, ante a garantia do direito de defesa, da plenitude e do contraditório, da dialeticidade do processo e do direito de resposta'.

No mesmo sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal, citando-se como exemplo o RE 90.530-RJ, RTJ, 94:345, com votação unânime, sendo relator o Min. Xavier de Albuquerque.

Para tanto, deverá ser retificada a observação para constar o envio e a existência do pedido de anulação das matrículas, de acordo com o princípio da publicidade, sem, contudo, indisponibilizar a matrícula, até decisão judicial em contrário.

Dessarte, com tais considerações, e por tudo o mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido aqui formulado pelo interessado para cancelar as averbações nºs 02 e 04, das matrículas nºs 49.092 e 49.093, e, de acordo com a prerrogativa do art. 1.109, do Código de Processo Civil, para ordenar a retificação da observação ao seu final, referente ao procedimento administrativo, nos termos já expostos, recomendando ao Oficial Registrador o exercício de sua função".(fl. 177/179)

Registre-se, por fim, que as eventuais irregularidades e ilegalidades do título de domínio de que dispõe o autor podem e devem ser objeto de questionamento em ação própria, a ser manejada pelo Município, nas vias ordinárias, como bem consignou a douta juíza sentenciante.

O que causa espécie é que o Município de Belo Horizonte, embora afirme ter verificado, há muitos anos, que as áreas adquiridas pelo autor estariam sobrepostas a terreno de domínio público municipal, não tenha até hoje ajuizado qualquer ação no sentido de obter tal declaração judicial.

De toda sorte, para fins desta ação, importa apenas reconhecer que as averbações e a observação constantes das matrículas são realmente irregulares e, por isto, devem ser canceladas, mediante o procedimento indicado na sentença e esclarecido em sede de embargos declaratórios.

CONCLUSÃO.

Por todo o exposto, REJEITO A PRELIMINAR de não conhecimento do recurso e NEGO PROVIMENTO ao apelo.

Custas, pelo município, isento.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): CAETANO LEVI LOPES e FRANCISCO FIGUEIREDO.

SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO.


Fonte:   Site do TJMG - www.tjmg.gov.br