A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) suscitou incidente de
inconstitucionalidade dos incisos III e IV do artigo 1.790 do Código Civil,
editado em 2002, e que inovou o regime sucessório dos conviventes em união
estável. A questão foi levantada pelo ministro Luis Felipe Salomão, relator
de recurso interposto por companheira de falecido contra o espólio do mesmo.
Com isso, a questão será apreciada pela Corte Especial do STJ.
Segundo o ministro, a norma tem despertado, realmente, debates doutrinário e
jurisprudencial de substancial envergadura. Em seu voto, o relator citou
manifestações de doutrinadores, como Francisco José Cahali, Zeno Veloso e
Fábio Ulhoa, sobre o assunto. “A tese da inconstitucionalidade do artigo
1.790 do CC tem encontrado ressonância também na jurisprudência dos
tribunais estaduais. De fato, àqueles que se debruçam sobre o direito de
família e sucessões, causa no mínimo estranheza a opção legislativa
efetivada pelo artigo 1.790 para regular a sucessão do companheiro
sobrevivo”, afirmou.
O ministro lembrou que o caput do artigo 1.790 faz alusão apenas a bens
“adquiridos onerosamente na vigência da união estável”. “É bem de ver,
destarte, que o companheiro, mesmo na eventualidade de ter ‘direito à
totalidade da herança’ [inciso IV], somente receberá aqueles bens a que se
refere o caput, de modo que os bens particulares do decujus, aqueles
adquiridos por doação, herança ou antes da união, ‘não havendo parentes
sucessíveis’, terá a sorte de herança vacante”, disse Salomão.
Quanto ao inciso III (“Se concorrer com outro parentes sucessíveis, terá
direito a um terço da herança”), o ministro destacou que, diferentemente do
que acontece com a sucessão do cônjuge, que somente concorre com
descendentes e ascendentes (com estes somente na falta daqueles), o
companheiro sobrevivo concorre também com os colaterais do falecido, pela
ordem, irmãos; sobrinhos e tios; e primos, sobrinho-neto e tio-avô.
“Por exemplo, no caso dos autos, a autora viveu em união estável com o
falecido durante 26 anos, com sentença declaratória passada em julgado, e
ainda assim seria, em tese, obrigada a concorrer com irmãos do autor da
herança, ou então com os primos ou tio-avô do de cujus”, alertou o ministro.
Salomão frisou, ainda, que o Supremo Tribunal Federal (STF), em duas
oportunidades, anulou decisões proferidas por tribunais estaduais que, por
fundamento constitucional, deram interpretação demasiadamente restritiva ao
artigo, sem submeter a questão da constitucionalidade ao órgão competente,
prática vedada pela Súmula Vinculante n. 10.
“Diante destes elementos, tanto por inconveniência quanto por
inconstitucionalidade, afigura-se-me que está mesmo a merecer exame mais
aprofundado, pelo órgão competente desta Corte, a questão da adequação
constitucional do artigo 1.790 do CC/02”, afirmou o ministro.
Entenda o caso
Nos autos do inventário dos bens deixados por inventariado, falecido em 7 de
abril de 2007, sem descendentes ou ascendentes, o Juízo de Direito da 13ª
Vara Cível da Comarca de João Pessoa determinou que a inventariante – sua
companheira por 26 anos, com sentença declaratória de união estável passada
em julgado – nomeasse e qualificasse todos os herdeiros sucessíveis do
falecido.
O fundamento utilizado pelo Juízo de Direito foi o de que, nos termos do
artigo 1.790 do CC de 2002, o companheiro “somente será tido como único
sucessor quando não houver parentes sucessíveis, o que inclui os parentes
colaterais, alterando nesse ponto o artigo 2º, da Lei n. 8.971/94, que o
contemplava com a totalidade da herança apenas na falta de ascendentes e
descendentes”.
Contra essa decisão, a inventariante interpôs agravo de instrumento, sob a
alegação de ser herdeira universal, uma vez que o artigo 1.790 do CC é
inconstitucional, bem como pelo fato de que o mencionado dispositivo deve
ser interpretado sistematicamente com o artigo 1.829 do CC, que confere ao
cônjuge supérstite a totalidade da herança, na falta de ascendentes e de
descendentes. Entretanto, o pedido foi negado.
Inconformada, a inventariante recorreu ao STJ pedindo a totalidade da
herança e o afastamento dos colaterais.
REsp 1135354
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