Cláusulas restritivas impostas a testamento sobre bens deixados para
herdeiro continuam valendo, mesmo que o testador (quem deixou o testamento)
não tenha declarado a justa causa no prazo de um ano estabelecido em lei,
considerando-se que o falecimento ocorreu antes de findo tal prazo. Com esse
entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) impediu
que a nora da testadora concorresse à metade dos bens da herança deixados ao
filho e herdeiro necessário.
Em sua decisão, a ministra do STJ, Nancy Andrighi, relatora do caso,
explicou que o testamento foi elaborado ainda sob a vigência do antigo
Código Civil (1916), mas que a morte, evento que abre a sucessão, ocorreu
durante a vigência do prazo de um ano da entrada em vigor do atual Código
Civil (2002). Ocorre que o Código Civil antigo não exigia justificativa para
a imposição das cláusulas restritivas ao testamento, o que só passou a
ocorrer a partir da vigência do novo Código Civil, inclusive com aplicação
retroativa, ou seja, ainda que o testamento tivesse sido feito na vigência
do código anterior. A sogra, sendo a testadora, estaria obrigada a declarar
a justa causa, mas faleceu três meses antes de se esgotar o prazo para
justificar-se.
Ao elaborar seu testamento, a sogra valeu-se de cláusulas de
inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade (medidas
preventivas para salvaguardar, neste caso, a parte dos bens que a lei
reserva ao seu filho, herdeiro necessário), para impedir a nora, casada com
o filho sob regime de comunhão universal de bens, de concorrer à meação dos
bens da herança do marido. Após o óbito da testadora, a nora pleiteou a
meação sobre a parte da herança do marido no arrolamento dos bens deixados
por sua sogra.
Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi destacou que ao testador, de uma
forma geral, são asseguradas medidas acauteladoras (preventivas) para
salvaguardar a parte dos bens reservada aos herdeiros necessários. Para a
relatora, somente cairia a restrição na hipótese em que efetivamente
houvesse escoado o prazo de um ano para a testadora aditar o testamento e
declarar a justa causa da cláusula restritiva. Destacou a ministra que não
haveria como esquadrinhar a intenção da testadora nos três meses que
remanesciam quando da abertura de sucessão.
Ainda na primeira instância, foi decidido que a nora não poderia concorrer à
meação sobre a parte dos bens do marido, no arrolamento dos bens deixados
por sua sogra, ainda que casados sob regime de comunhão universal de bens.
Ela apelou ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que decretou a
insubsistência da restrição imposta no testamento (cláusulas de
inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade). Pela decisão do
TJSP, a nora teria direito sobre a metade (meação) dos bens herdados pelo
marido.
Para o TJSP, segundo os autos, não havia intenção da testadora de aditar o
testamento com a justa causa, tendo em vista que nove meses do prazo
previsto de um ano já teriam se esgotado.
O herdeiro entrou com recurso no STJ alegando que a insubsistência das
cláusulas restritivas somente poderia ser declarada se a sucessão tivesse
sido aberta no prazo de um ano após a entrada em vigor do Código Civil/2002.
Assim, sua mãe teria ainda cerca três meses para aditar o testamento com a
devida justa causa necessária. Rechaçou a presunção, adotada pelo acórdão do
TJSP, de que a testadora, se ainda estivesse viva, não adotaria as
exigências legais.
Ao proferir seu voto no STJ, a ministra Nancy Andrighi entendeu que não
houve descompasso ou descumprimento, por parte da testadora, da regra
prevista no Código Civil/02: “Apenas foi colhida por fato jurídico – morte –
que a impediu de realizar imposição legal, que só a ela cabia, em prazo que
ainda não se findara. Não há que se invocar a intenção, portanto, do que
seria ou não realizado pela testadora. Se deixou de fazê-lo e poderia tê-lo
feito acaso o evento morte não tivesse ocorrido, não há que se tornar
insubsistente a sua vontade explícita manifestada em testamento ”, definiu a
relatora.
Com fundamento na força do testamento e sob a premissa de não ter se
esgotado o prazo previsto pelo Código Civil 2002, no momento da abertura da
sucessão, para que a testadora aditasse o testamento declarando a justa
causa, a ministra relatora decidiu pela reforma do acórdão do TJSP e o
restabelecimento da decisão de primeiro grau. Assim, determinou a manutenção
das cláusulas restritivas no testamento, impedindo que a nora da testadora
possa concorrer à metade da herança deixada pela sogra ao filho e herdeiro
legítimo. A decisão obteve adesão unânime dos demais ministros da Terceira
Turma.
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