Em face da recente Emenda Constitucional nº 66, que deu nova redação ao § 6º
do art. 226 do Constituição Federal, um sem número de interpretação,
posições e críticas floresceram. Há opiniões para todos os lados. Conclusão,
ninguém sabe o que fazer.
No entanto, não é possível deixar de ler o novo texto constitucional sem
atentar ao que antes estava escrito. A redação anterior dizia: O casamento
civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por
mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato
por mais de dois anos.
Ou seja, eram impostas restrições à concessão do divórcio: (a) ter ocorrido
a separação judicial há mais de um ano; ou (b) estarem os cônjuges separados
de fato há pelo menos dois anos.
Ao ser excluída a parte final do indigitado dispositivo constitucional,
desapareceu toda e qualquer restrição para a concessão do divórcio, que cabe
ser concedido sem prévia separação e sem o implemento de prazos. A partir de
agora a única ação dissolutória do casamento é o divórcio que não mais exige
a indicação da causa de pedir. Eventuais controvérsias referentes a causa,
culpa ou prazos deixam de integrar o objeto da demanda.
No entanto, como foi mantido o verbo "pode" há quem sustente que não
desapareceu o instituto da separação, persistindo a possibilidade de os
cônjuges buscarem sua concessão pelo só fato de continuar na lei civil
dispositivos regulando a separação.
A conclusão é para lá de absurda, pois vai de encontro ao significativo
avanço levado a efeito: afastou a interferência estatal que, de modo
injustificado, impunha que as pessoas se mantivessem casadas. O instituto da
separação foi eliminado. Todos os dispositivos da legislação
infraconstitucional a ele referente restaram derrogados e não mais integram
o sistema jurídico. Via de consequência, não é possível buscar em juízo a
decretação do rompimento da sociedade conjugal.
Outra tentativa de não ver o novo, é sustentar a necessidade de manter a
odiosa identificação de um culpado para a separação, porque a quantificação
do valor dos alimentos está condicionada à culpa de quem os pleiteia (CC
1.694, § 2º). No entanto, tal redutor está restrito ao âmbito dos alimentos
e de forma alguma pode condicionar a concessão do divórcio, até porque caiu
por terra o art. 1.702 da lei civil.
Um argumento derradeiro de quem quer assegurar sobrevida à separação.
Havendo arrependimento, a necessidade de ocorrer novo casamento obrigaria a
partilha dos bens do casamento anterior ou a adoção do regime da separação
obrigatória (CC 1.523, III e 1.641, I).
Mais uma vez a resistência não convence. Havendo dúvidas ou a necessidade de
um prazo de reflexão, tanto a separação de fato como a separação de corpos
preservam o interesse do casal. Qualquer uma dessas providências suspende
aos deveres do casamento e termina com a comunicabilidade dos bens. A
separação de corpos, inclusive, pode ser levada a efeito de modo consensual
por meio de escritura pública. E, ocorrendo a reconciliação tudo volta a ser
como era antes. Sequer há a necessidade de ser extinta a separação de
corpos. O único efeito - aliás, bastante salutar - é que bens adquiridos e
as dívidas contraídas durante o período da separação é de cada um, a não ser
que convencionem de modo diferente.
Ao que se vê, a resistência que ainda se percebe é muito mais uma tentativa
de alguns advogados e notários de garantirem reserva de mercado de trabalho.
Mantida a separação, persistiria a necessidade de um duplo procedimento, a
contratação por duas vezes de um procurador e a lavratura de duas
escrituras.
Parece que não atentam ao prevalente interesse das partes: a significativa
economia de tempo, dinheiro e desgaste emocional não só dos cônjuges, mas
principalmente de sua prole. E mais, não se pode desprezar a significativa
redução do volume de processos no âmbito do Poder Judiciário, a permitir que
juízes deem mais atenção ao invencível número de demandas que exigem rápidas
soluções.
É necessário alertar que a novidade atinge as ações em andamento. Todos os
processos de separação perderam o objeto por impossibilidade jurídica do
pedido (CPC 267, inc. VI). Não podem seguir tramitando demandas que buscam
uma resposta não mais contemplada no ordenamento jurídico.
No entanto, como a pretensão do autor, ao propor a ação, era pôr um fim ao
casamento, e a única forma disponível no sistema legal pretérito era a
prévia separação judicial, no momento em que tal instituto deixa de existir,
ao invés de extinguir a ação cabe transformá-la em ação de divórcio.
Eventualmente cabe continuar sendo objeto de discussão as demandas
cumuladas, como alimentos, guarda, partilha de bens, etc. Mas o divórcio
cabe ser decretado de imediato.
De um modo geral, nas ações de separação não há inconformidade de nenhuma
das partes quanto a dissolução da sociedade conjugal. Somente era utilizado
dito procedimento por determinação legal, que impunha a indicação de uma
causa de pedir: decurso do prazo da separação ou imputação da culpa ao réu.
Como o fundamento do pedido não cabe mais ser questionada, deixa de ser
necessária qualquer motivação para o decreto da dissolução do casamento.
Como o pedido de separação tornou-se juridicamente impossível, ocorreu a
superveniência de fato extintivo ao direito objeto da ação, o que precisa
ser reconhecido de ofício pelo juiz (CPC 462). Deste modo seque há a
necessidade de a alteração ser requerida pelas partes. Somente na hipótese
de haver expressa oposição de ambos os separandos à concessão divórcio deve
o juiz decretar a extinção do processo.
Do mesmo modo, encontrando-se o processo de separação em grau de recurso,
descabe ser julgado. Sequer é necessário o retorno dos autos à origem, para
que o divórcio seja decretado pelo juízo singular. Deve o relator decretar o
divórcio, o que não fere o princípio do grupo grau de jurisdição.
A verdade é uma só: a única forma de dissolução do casamento é o divórcio,
eis que o instituto da separação foi banido - e em boa hora - do sistema
jurídico pátrio. Qualquer outra conclusão transformaria a alteração em letra
morta.
A nova ordem constitucional veio para atender ao anseio de todos e acabar
com uma excrescência que só se manteve durante anos pela histórica
resistência à adoção do divórcio. Mas, passados mais de 30 anos nada,
absolutamente nada justifica manter uma dupla via para assegurar o direito à
felicidade, que nem sempre está na manutenção coacta de um casamento já
roto.
Maria Berenice Dias é Advogada especializada em Direito das Famílias e
Sucessões. Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça-RS. Vice-Presidenta
Nacional do IBDFAM
Emenda Constitucional nº 66 de 13.07.2010 - DOU 14.07.2010. Art. 1º: O § 6º
do art. 226 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. |