A Segunda Seção do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) proferiu uma decisão inovadora para o direito de família. Por
maioria dos votos, os ministros entenderam que os netos podem ajuizar ação
declaratória de relação avoenga (parentesco com avô). Prevaleceu a tese de
que, embora a investigação de paternidade seja um direito personalíssimo (só
pode ser exercido pelo titular), admite-se a ação declaratória para que o
Judiciário diga se existe ou não relação material de parentesco com o
suposto avô.
A decisão do STJ reforma acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
que extinguiu o processo sem julgamento de mérito por acolher a tese de
carência de ação. Os desembargadores decidiram pela impossibilidade jurídica
do pedido de investigação de paternidade contra o avô, que não foi
investigado pelo filho. Para eles, faltaria aos netos legitimidade para
propor a ação, pois eles não poderiam pleitear direito alheio em nome
próprio.
A maioria dos ministros da Segunda Seção do STJ acompanharam o entendimento
da relatora, ministra Nancy Andrighi, rejeitando a tese do tribunal
fluminense. “Sob a ótica da moderna concepção do direito de família, não se
mostra adequado recusar aos netos o direito de buscarem, por meio de ação
declaratória, a origem desconhecida”, acentuou a relatora, no voto. “Se o
pai não propôs ação investigatória em vida, a via do processo encontra-se
aberta aos seus filhos, a possibilitar o reconhecimento da relação de
parentesco pleiteada”, concluiu a ministra, destacando que as provas devem
ser produzidas ao longo do processo.
Após buscar referências na jurisprudência alemã, além de citar julgados do
próprio STJ, a relatora destacou que o direito ao nome, à identidade e à
origem genética está intimamente ligado ao conceito de dignidade da pessoa
humana, assinalando que “o direito à busca da ancestralidade é
personalíssimo e possui tutela jurídica integral e especial, nos moldes dos
arts. 5º e 226 da CF/88”. Dessa forma, os netos, assim como os filhos,
possuem direito de agir, próprio e personalíssimo, de pleitear declaratória
de parentesco em face do avô, ou dos herdeiros, quando o avô for falecido.
Nancy Andrighi concluiu que é possível qualquer investigação sobre
parentesco na linha reta, que é infinita, e, também, na linha colateral,
limitado ao quarto grau, ressaltando que a obtenção de efeitos patrimoniais
dessa declaração de parentesco será limitada às hipóteses em que não estiver
prescrita a pretensão sucessória.
Constou ainda do voto da ministra que “a preservação da memória dos mortos
não pode se sobrepor à tutela dos vivos que, ao se depararem com inusitado
vácuo no tronco ancestral paterno, vêm, perante o Poder Judiciário, deduzir
pleito para que a linha ascendente lacunosa seja devidamente preenchida”.
A ministra Nancy Andrighi, acompanhada pelos ministros João Otávio de
Noronha, Luis Felipe Salomão e o desembargador convocado Honildo Amaral, deu
provimento ao recurso especial para anular o acórdão do tribunal local e
determinar o prosseguimento da ação. Ficaram vencidos o ministro Sidnei
Beneti e o desembargador convocado Vasco Della Giustina.
Caso peculiar
O caso julgado pela Seção é emblemático por conter uma série de
peculiaridades. Ao saber da gravidez, a família do suposto pai, de renome na
sociedade carioca, o enviou para o exterior. Há informações nos autos de
que, embora a criança não tenha sido reconhecida pelo pai, o avô o
reconhecia como neto e prestou-lhe toda assistência material. Mesmo após a
morte do suposto avô e fim do auxílio, o filho não reconhecido nunca moveu
ação de investigação de paternidade. O suposto pai faleceu em 1997 e o filho
em 1999.
Somente após o falecimento de ambos, a viúva e os descendentes do filho não
reconhecido ingressaram com ação declaratória de relação avoenga. Para
tanto, solicitaram exame de DNA a ser realizado por meio da exumação dos
restos mortais do pai e do suposto avô. Com a determinação, pelo STJ, de
prosseguimento da ação, as provas deverão ser produzidas.
REsp 807849
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