PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO N.°
200910000000060
RELATOR : CONSELHEIRO RUI STOCO
REQUERENTES : ROBERTO APARECIDO TURIN, CÉLIO JOUBERT FÚRIO E RENEE DE Ó.
SOUZA
REQUERIDO : CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
ASSUNTO : CONSULTA PARA QUE SE DECLARE CARACTERIZAR NEPOTISMO A CONTRATAÇÃO
DE PARENTES PELO TITULAR DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL
VOTO N.° 216/09.
A C Ó R D Ã O
EMENTA:
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONSULTA. NEPOTISMO. OBJETIVO DE ESCLARECER O
ALCANCE E APLICAÇÃO DA RES. 7/2005 E DA SÚMULA VINCULANTE Nº 13 DO STF AOS
SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO. CONSULTA RESPONDIDA NEGATIVAMENTE. – I) “O
Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que os notários e os
registradores exercem atividade estatal mas não são titulares de cargo
público efetivo, tampouco ocupam cargo público (ADI 2.602-0, Rel. Min. Eros
Grau) de sorte que, não recebendo vencimentos do Estado e remunerando seus
empregados com recursos próprios, nada impede que tenham parentes
contratados pelo regime da CLT posto que estes só poderão ser titulares de
serventias se aprovados em concurso de provas e títulos, desde que os
contratantes sejam titulares concursados.
II) – “A Res. 7/2005 do CNJ disciplina o exercício de cargos, empregos e
funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores
investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do
Poder Judiciário, segundo a dicção do seu art. 1º, não tendo, portanto,
incidência sobre a atividade exercida pelas serventias extrajudiciais, as
quais não se caracterizam como órgãos desse Poder, que apenas exerce
fiscalização sobre elas”.
VISTOS,
Trata-se de Pedido de Providências encaminhado a este Conselho pelo
Procurador–Geral de Justiça, por intermédio do qual ROBERTO APARECIDO
TURIN, CÉLIO JOUBERT FÚRIO E RENEE DE Ó. SOUZA, membros do Ministério
Público do Estado de Mato Grosso, formulam consulta para “esclarecer e
explicitar o alcance da Resolução nº 07/2005 e da súmula vinculante do STF
nº 13 aos serviços notariais e de registro, a fim de estabelecer a proibição
de nepotismo em mais este órgão público”.
Recebida a inicial e tendo em vista a importância da matéria e sua
repercussão nacional, posto interessar a todas as serventias extrajudiciais
do País, determinou-se que se colham as manifestações das seguintes
entidades representativas de classe: a) Associação Nacional dos
Registradores de Pessoas Naturais - Arpen/Brasil:; b) Associação dos
Notários e Registradores do Brasil - ANOREG: c) Colégio Notarial do Brasil.
Facultou-se, ainda, o ingresso de titulares de serventias extrajudiciais nos
autos como terceiros interessados, bem como de outras associações nacionais
e estaduais.
Compareceram aos autos as seguintes entidades representativas de classe e
titulares de serventias extrajudiciais:
1. Luciana B. S. Mallmann;
2. José Roberto de Almeida Guimarães;
3. Colégio Notarial do Brasil;
4. Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil – ARPEN;
5. Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG;
6. Colégio Registral do Rio Grande do Sul;
7. Sinoreg-SP.;
8. Ilene Maria Brugnera Borin e Outra;
9. Naurican Ludovico Lacerda;
10. ANOREG – Rio Grande do Sul;
11. Marco Antonio Greco Bortz;
12. Tiago Machado Burtet;
13. Mario Pazutti Mezarri;
14. Olyntho Mendes de Castilhos;
15. José Odone Tassinari Ramos;
16. Franciny Beatriz A. F. e Silva;
17. José Carlos Picini;
18. Odone Burtet Ghisleni;
19. Clarice Meller Teixeira;
20. Antonio Augusto Franco de Azambuja;
21. Luciano Cardoso Silveira;
22. Ieda Maria Tomasi;
23. Décio José Gossler;
24. Áureo Cândido Costa.
Por determinação do relator, os requerentes juntaram aos autos cópia da
sentença proferida na Ação Popular proposta na 2ª Vara Cível da comarca de
São Borja e julgada improcedente, bem como cópia do acórdão da 4ª Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que reformou a sentença
proferida em primeira instância.
É o relatório.
II – Cabe observar, desde logo, que não se trata propriamente de
consulta mas de pretensão específica contendo pedido no sentido de:
“declarar, ante a incidência da Resolução nº 07/2005 do CNJ e da Súmula nº
13 do STF, proibida a prática de nepotismo em todos os órgãos e serviços
notariais e registrais do Brasil, vedando-se expressamente a nomeação de
parentes dos titulares dos serviços notariais para os cargos previstos no
artigo 20 da Lei 8.935/94” (textual).
Observe-se que o atual Regimento Interno do CNJ passou a prever
expressamente a consulta nos seguintes termos:
Art. 89. O Plenário decidirá sobre consultas, em tese, de interesse e
repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos
legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência.
Embora a consulta formulada não expresse qualquer dúvida ou indagação mas
contenha afirmação peremptória, impõe-se apreciar a causa, considerando o
interesse e repercussão geral que ela encerra.
Impende ainda ressaltar que a formulação da petição inicial não parece ser
uma colocação institucional do Ministério Público do Mato Grosso, posto que
a petição firmada pelos três ilustres e cultos membros do Parquet é
dirigida ao CNJ; a Promotora de Justiça que atuou em primeira instância
opinou pela procedência apenas parcial da Ação Popular e o Procurador da
Justiça que oficiou em segunda instância manifestou-se pelo improvimento do
recurso contra a sentença de improcedência, que restou acolhido pelo
Tribunal. Portanto, percebe-se que não há consenso no âmbito daquela
instituição acerca da matéria.
III – Os requerentes, membros do Ministério Público no Mato Grosso, acima
nominados, subscreveram petição dirigida ao CNJ buscando obter declaração de
existência de nepotismo por parte dos titulares de serventias extrajudiciais
que contratam parentes. Louvaram-se em acórdão da 4ª Câmara do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul que, em Ação Popular julgada improcedente, deu
provimento à apelação para acolher o recurso e dar pela procedência daquela
causa.
Em brevíssima suma assim se manifestou aquela Corte Estadual:
Constitucional e Administrativo. Registrador. Contratação de
substituto. Nepotismo. Impossibilidade. – “1. O registrador e o notário
desempenham função pública, e, portanto, suas atividades se subordinam a
todos os princípios constitucionais do art. 37, caput, da CF/1988. Em tal
hipótese, não lhes é dado contratar parente – no caso, o filho -,
transformando o serviço registral em sinecura familiar, passível de sucessão
universal, sem ofensa aos princípios da moralidade e da impessoalidade. A
sucessão do pai pelo filho à testa do serviço registral contraria o
princípio republicano. 2. Apelação provida”.
Com supedâneo nesse julgado, que trata de questão específica e pontual de
determinada serventia do Estado do Rio Grande do Sul, os requerentes querem
que se declare “proibida a prática do nepotismo em todos os órgãos e
serviços notariais e registrais do Brasil vedando-se expressamente a
nomeação de parentes dos titulares dos serviços notariais para os cargos
previstos no artigo 20 da Lei 8.935/94”.
Todavia, quer parecer que o standart ou arquétipo fático tomado pelos
requerentes para supedanear sua pretensão não se amolda ao caso, nem serve
de fundamento para a declaração de nepotismo em hipóteses que tais.
Perceba-se que o v. acórdão conclui no sentido de que as serventias
extrajudiciais são passíveis de “sucessão universal” e que “a
sucessão do pai pelo filho à testa do serviço registral contraria o
princípio republicano”.
Em verdade a premissa é falsa, pois atualmente não há possibilidade de
“sucessão universal” em serventias extrajudiciais.
Por outra banda, tem-se que a sucessão do pai pelo filho na atividade
notarial e de registro está proscrita e não mais se admite a partir do
advento da Constituição Federal de 1988. O art. 236 dessa Carta de
Princípios é peremptória ao dispor no § 3º que: “O ingresso na atividade
notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não
se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de
provimento ou de remoção, por mais de seis meses”.
Todavia a questão posta na consulta não é essa, de sorte que o precedente
invocado não se enquadra à perfeição nas quaestiones facti, nem serve de
paradigma para a situação específica sob exame.
IV – Nepotismo vem do latim nepos, neto (Cíc. Br. 263), sobrinho (Tác. An.
4, 44) ou descendente. É o termo utilizado para designar o favorecimento de
parentes em detrimento de pessoas mais qualificadas, especialmente no que
diz respeito à nomeação ou elevação de cargos. Originalmente a palavra
aplicava-se exclusivamente ao âmbito das relações do Papa com seus parentes,
mas atualmente é utilizado como sinônimo da concessão de privilégios ou
cargos a parentes no Funcionalismo Público. Distingue-se do favoritismo
simples, que não implica relações familiares com o favorecido.
Segundo consta, no período do Renascimento, os Papas e outras autoridades da
Igreja Católica, por não terem filhos, protegiam seus sobrinhos, nomeando-os
para assumir cargos importantes dentro da Igreja.
Hodiernamente, acerca do “nepotismo” pode-se enumerar os seguintes
instrumentos normativos que cuidam da sua definição, proibição e combate:
a) Resolução nº 7, de 18.10.2005 do CNJ, atualizada pelas Resoluções ns.
9/2005 e 21/2006;
b) Enunciado Administrativo nº 1, 28.11.2006 do CNJ;
c) Súmula 13 do Supremo Tribunal Federal.
a) A Resolução nº 7/2005 do CNJ disciplina o exercício de cargos,
empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de
servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito
dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências, como se
constata do seu art. 1º ao dispor, in verbis: “É vedada a prática de
nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário, sendo nulos os
atos assim caracterizados”.
Como se infere, essa Resolução só tem aplicação no âmbito dos órgãos do
Poder Judiciário, sendo certo que, nos termos do art. 92 da CF/88, esses
órgãos são:
I - o Supremo Tribunal Federal;
I-A o Conselho Nacional de Justiça;
II - o Superior Tribunal de Justiça;
III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI - os Tribunais e Juízes Militares;
VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.
De sorte que as serventias extrajudiciais, por óbvio, não compõem ou
integram o Poder Judiciário, afastando-se a incidência da referida Resolução
nº 7 e das demais que lhe impuseram alterações pontuais.
Nesse sentido já se posicionou este Egrégio Conselho:
Pedido de Providências. Nepotismo. Consulta sobre o alcance de Resolução
editada pelo CNJ. Pertinência dos questionamentos. – “Cabe esclarecer que a
Res. 7, de 18.10.2005 aplica-se aos órgãos do Poder Judiciário nacional, não
alcançando, portanto, os Tribunais de Contas. Isso, contudo, não significa
que a prática do chamado “nepotismo cruzado”, disciplinado no art. 2°,
inciso II, da Res. 7, de 18.10.2005, não possa ou não deva ser combatida no
âmbito do próprio Poder Judiciário” (CNJ – PCA 156 – Rel. Cons. Douglas
Alencar Rodrigues – 16ª Sessão – j. 11.04.2006 – DJU 24.04.2006, Ementa não
oficial).
Aliás, leitura – ainda que perfunctória – desse instrumento normativo irá
demonstrar que tratou do nepotismo nesse âmbito restrito ao dispor em
numerus clausus no art. 2º quais práticas constituem nepotismo, ou seja,
sempre no âmbito dos tribunais e juízos.
b) O Enunciado Administrativo nº 1, de 28.11.2006 do CNJ é
integrativo da Resolução nº 7/2005, com o propósito único de estabelecer
critérios para a caracterização de nepotismo e, portanto, porque assume
função subsidiária, atua como ato normativo regulamentador, sabido – porque
verdadeiro truísmo – que o regulamento não pode ultrapassar os limites
traçados pela lei ou ato normativo anterior.
Em outras palavras, pode-se dividir os atos normativos em originários
e derivados. Os primeiros são aqueles emanados de um órgão estatal em
virtude de sua competência própria, outorgada pela Constituição, como ocorre
com o disposto no art. 103-B, § 4º, inciso I, que deu ao CNJ competência
normativa primária para expedir atos regulamentares, no âmbito de sua
competência. Os atos normativos derivados têm por objetivo a
explicitação ou especificação de um conteúdo normativo preexistente, visando
à sua execução no plano da práxis, como ocorreu neste caso com o Enunciado
Administrativo nº 1/2006, com relação à Resolução nº 7/2005.
Poderia ocorrer, ainda assim, de o intérprete, desprezando o argumento por
último lançado, invocar a letra “O” do Enunciado Administrativo nº 1/2006
quando preceitua:
“O) Aplica-se a Resolução 7 deste CNJ às nomeações não-concursadas para
serventias extrajudiciais”.
Todavia tal invocação seria fruto de exegese e ilação equivocadas, com todo
o respeito.
O que a norma do Enunciado buscou foi apenas explicitar parte do conteúdo
normativo da Res. nº 7 do CNJ, ou seja, a caracterização de nepotismo
alcança as nomeações de titulares de serventias extrajudiciais sem
concurso. Perceba-se que o Enunciado faz menção à “nomeação”. Nomear é
ato de autoridade pública e significa, segundo DE PLÁCIDO E SILVA “escolher
alguém para ocupação de cargo ou função” (Vocabulário Jurídico. Rio de
Janeiro: Forense, 1982, v. III, p. 249).
Aqui o que se tem é o chamado nepotismo por equiparação, ou seja, atende-se
ao comando constitucional que determina que a titularidade de serventia
extrajudicial só se obtém mediante concurso (CF, art. 236).
Ora, a hipótese aqui tratada é da configuração ou não de nepotismo na
contratação (e não nomeação) de parentes do titular de serventia
extrajudicial legitimamente nomeado, posto que concursado.
Aliás, dúvida não ressuma da leitura do conteúdo do acórdão do Plenário no
Pedido de Providências nº 861, julgado na 63ª Sessão Ordinária em
27.05.2008, oportunidade em que o Conselheiro Joaquim Falcão, com
rara felicidade, logrou colocar a questão nos seus exatos termos, como se
verifica abaixo:
Pedido de Providências. Cartórios. Serviços extrajudiciais. Serventias
extrajudiciais. Concurso público. Formas de titularização. CF/88, art. 236 e
EC 22/82. Obrigatoriedade de concurso público para ingresso e remoção.
Vedação da manutenção de interinos ou respondentes por prazo além do
previsto no art. 236, CF/88. Aplicação da Res. 7 do CNJ – Nepotismo – aos
serviços extrajudiciais nos casos interinos. Negado provimento. (CNJ – PP
861 – Rel. Cons. Joaquim Falcão – 63ª Sessão – j. 27.05.2008 – DJU
26.09.2008 13.06.2008).
Importante notar que o ponto fulcral evidenciado pelo admirado e culto
Conselheiro foi a forma de titularização das serventias extrajudiciais, de
sorte que apenas quando descumprida a obrigação do concurso público e a
manutenção dos chamados “interinos ou respondentes” (não concursados) além
do prazo de seis meses previsto no art. 236 da Constituição, é que, por
expressa equiparação, exsurge a hipótese de nepotismo, utilizada a palavra
no sentido de favorecimento irregular e indevido.
c) A Súmula 13 do Supremo Tribunal Federal dispõe:
A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou
por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de
servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia e
assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou,
ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Município, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a
Constituição Federal.
Impende não desprezar o fato de que a fonte na qual se abeberou para editar
a referida Súmula Vinculante foi a Resolução nº 7/2005 deste Conselho.
Nos debates travados durante a 21ª Sessão Ordinária do STF, realizada em
20.08.2008 o Ministro Ricardo Lewandowski esclareceu ter “distribuído aos
eminentes Pares uma proposta de súmula vinculante baseada no julgamento da
ADC nº 12, do RE nº 579.951, do MS nº 23.718 e de outros pronunciamentos que
ventilei em meu voto”. Em seguida observou: “Então Sua Excelência (o
Ministro Cezar Peluso) propõe que retiremos o termo “nepotismo” e o
substituamos pelos dizeres que constam da Resolução nº 7/2005 do CNJ”. E
completou o Ministro Gilmar Mendes: “Que foi agora objeto da decisão com
efeito vinculante”.
Dúvida, portanto, não remanesce quanto ao fato de que a fonte nuclear da
referida Súmula Vinculante foi a referida Resolução nº 7/2005 deste Conselho
e que, em nenhum momento, fez menção ou incluiu as serventias
extrajudiciais.
Aliás, o enunciado da Súmula não deixa margem a dúvida ao fazer menção à
“autoridade nomeante”, sabido que o titular de serventia extrajudicial não é
autoridade no sentido técnico-jurídico da palavra e não tem o poder de
nomear. Nem se caracteriza como pessoa jurídica de direito público. Ademais
a Súmula refere-se ao exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou,
ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta,
sendo de evidência palmar que as serventias são entes autônomos e não
integram a Administração Pública do Estado, seja direta ou indireta. São
meros delegados do Poder Público (CF, art. 236) para o exercício, em caráter
privado, de atividade pública.
V – Avulta então perquirir e esclarecer a razão pela qual nenhum ato
normativo do CNJ, Súmula ou decisão do STF criou a hipótese de nepotismo
para a atividade notarial e de registro.
Inúmeras são as razões que dão sustentação a essa postura que, segundo nos
parece, é de evidente coerência.
Em primeiro lugar, não mais existe “hereditariedade” nesse cargo, de sorte
que a serventia não passa de pai para filho, como lamentavelmente ocorria
comumente antes do advento da Constituição Federal de 1988.
O art. 236, § 3º dessa Carta exige concurso público de provas e títulos para
ingresso nessa atividade. Em caso de vacância, a interinidade é fugaz, só
podendo a serventia ficar vaga sem abertura de concurso por até seis meses.
Por outra banda, a atividade exercida pelos cartórios não é sustentada pelo
Erário Público. Nem o seu titular percebe vencimentos do Estado pois é
remunerado pelos emolumentos estabelecidos pelo Poder Judiciário para a
prática de atos registrais.
Todos os demais empregados das serventias são regidos pelo regime privado da
Consolidação das Leis do Trabalho e não oneram os cofres públicos, posto que
recebem salário do seu empregador, que é o titular da serventia.
Não se pode olvidar que a delegação de atribuições por parte do Oficial
titular da serventia aos seus prepostos (contratados e regidos pela CLT) há
de decorrer de uma relação estreita de absoluta confiança pois os atos
praticados são de extrema responsabilidade, como a lavratura de registros de
nascimento, de escritura pública, de registro de contratos, reconhecimento
de firmas, etc.
É apodíctico e justifica reiterar que a Lei 8.935/94 como que privatizou os
serviços notariais e de registro, não obstante atribuição exclusiva do Poder
Público, de modo que agora passa a ser exercido por delegação do Estado.
Sendo certo, ainda, que, a partir de então, os funcionários dessas
serventias passam a ser admitidos sem qualquer vínculo com o Poder Público,
ligados, sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho, apenas e
tão-somente ao titular da serventia contratante, estabelecendo-se entre eles
um contrato de trabalho, tanto que o Poder Judiciário já não mais terá
qualquer poder censório ou disciplinar sobre eles, mantido, evidentemente, o
seu poder fiscalizatório sobre os atos praticados.
HELY LOPES MEIRELLES situou os tabeliães e registradores entre os agentes
públicos delegados, ao lado dos concessionários e permissionários de obras e
de serviços públicos, dos leiloeiros e dos tradutores, caracterizando-os
como particulares que recebem a incumbência da execução de determinada
atividade, obra ou serviço público e o realizam em nome próprio, por sua
conta e risco mas segundo as normas do Estado e sob a permanente
fiscalização do delegando, constituindo uma categoria à parte de
colaboradores do Poder Público (Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed.
São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 75).
CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO situa essa categoria (titulares de
serventias da Justiça não oficializada) entre os que chamou de “particulares
em colaboração com a Administração” (Curso de Direito Administrativo. 18.
ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 234).
O autor espanhol JOSE GONZALEZ PALOMINO, citado no referido acórdão do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, abroquelado aos autos pelos
ilustres requerentes, assim se posicionou desde há muito tempo:
Que se define al notário como funcionário público, lo cual es inexacto,
porque a la vez y tanto es funcionário público como Professor de Derecho,
encargado de “formar, afirmar y dar forma” substancial a la voluntad de los
particulares, como porque no es tal funcionário público, o porque no es un
funcionário di Estado sino nu particular que exerce funciones públicas, sin
perder sua caracter de tal particular... (Instituciones de derecho
notarial. Madrid, 1948, v. 1, p. 190).
Por derradeiro, impõe-se invocar decisão paradigmática e que atua como
verdadeiro divisor de águas, emanada do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal
Federal em Ação Direta de Inconstitucionalidade, quando deixou assentado,
para que não ressuma dúvida, que os notários e registradores “não são
titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público”.
Eis a suma desse importante julgado:
O art. 40, § 1º, inciso II, da Constituição do Brasil, na redação que lhe
foi conferida pela EC 20/98, está restrito aos cargos efetivos da União, dos
Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios – incluídas as
autarquias e fundações.
Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são exercidos em
caráter privado por delegação do Poder Público – serviço público
não-privativo.
Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são
titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não são
servidores públicos, não lhes alcançando a compulsoriedade imposta pelo
mencionado art. 40 da CB/88 – aposentadoria compulsória aos setenta anos de
idade. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (STF –
Tribunal Pleno – ADI 2.602-0/MG – Rel. para o acórdão Min. Eros Grau – j.
24.11.2005 – DJ 31.03.2006).
Então, se os notários e registradores exercem em caráter privado atividade
reservada ao Estado e, segundo o Plenário do STF, não são detentores de
cargo público, não podem submeter-se às regras acerca do nepotismo
estabelecidas para os agentes públicos.
Tenha-se ainda que a contratação de parentes, todos regidos pela
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT não onera os cofres públicos
e não ofende normas de Direito Público estabelecidas em Estatutos ou
Regimentos, posto que nenhum dispositivo há proibindo.
Para finalizar, como é do conhecimento geral e a realidade demonstra e
confirma, algumas serventias extrajudiciais são deficitárias, notadamente as
de Registro Civil de Pessoas Naturais, de modo que são subvencionadas, em
todos os Estados da Federação, por “fundos” criados ou por contribuições de
outras serventias rentáveis, de sorte que seus titulares buscam reduzir
despesas mediante contratação de parentes mas sempre pelo regime privado da
CLT.
Essa é uma realidade incontornável, como se pode verificar em serventias
localizadas em todos os estados da Federação.
Ressalte-se, contudo, que esta decisão não alcança nem afasta a situação
peculiar tratada pela Resolução nº 20, de 29.08.2006, que disciplinou e
proibiu a contratação por titulares de serventias extrajudiciais de cônjuge,
companheiro e parente de magistrado incumbido da corregedoria do respectivo
serviço de notas ou de registro, posto que nela se trata do impedimento de
parente de magistrado que detém poderes correcionais sobre os serviços de
notas e de registro, por razões óbvias.
VI – Diante do exposto, respondem negativamente à consulta formulada.
Conselheiro RUI STOCO
Relator |