REGISTRO CIVIL - PRENOME GRAFADO INCORRETAMENTE - RETIFICAÇÃO -
NECESSIDADE - ERRO QUE NÃO CAUSA ALTERAÇÃO FONÉTICA - DANOS MORAIS -
INDENIZAÇÃO - NÃO-CABIMENTO - PROVA DIRETA - PRODUÇÃO - IMPOSSIBILIDADE
- PROVA INDIRETA - VALIDADE
- As provas indiretas, que evidenciam a ocorrência de fato do qual se
pode tomar conhecimento pelo raciocínio lógico, são válidas se se mostra
impossível a produção de prova direta.
- O serviço notarial e de registro tem caráter público e, como tal, deve
sujeitar-se ao princípio da eficiência. Então, se resta provado o erro
no registro de nascimento, é de rigor a retificação daquele assento.
- Em que pese a responsabilidade objetiva do cartório, se o equívoco na
grafia de nome não causou sequer alteração fonética, não há falar em
indenização por danos morais, pois não é toda situação desagradável e
incômoda, aborrecimento ou desgaste emocional, que faz surgir, no mundo
jurídico, o direito à percepção de ressarcimento por danos morais.
Apelação Cível nº 349.041-4/000 - Comarca de Uberlândia - Relator: Des.
Nepomuceno Silva
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a Sexta Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de
fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas,
à unanimidade de votos, em dar provimento parcial.
Belo Horizonte, 04 de novembro de 2003. - Nepomuceno Silva - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O Sr. Des. Nepomuceno Silva - Próprio e tempestivo, conheço do recurso.
Trata-se de recurso de apelação contra a sentença (fls. 59-60) proferida
pelo MM. Juiz da 8ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia, nos autos da
ação de retificação de registro de nascimento c/c reparação de danos,
ajuizada, ali, por Sirlene Floriano da Silva em desfavor do Cartório de
Registro Civil das Pessoas Naturais - Uberlândia (MG), tendo sido
julgados improcedentes seus pedidos.
Corporifica-se a insurgência da apelante nas razões recursais (fls.
61-65), argumentando, em síntese, que restou demonstrado o equívoco na
emissão de sua primeira certidão de nascimento levando-a a crer, por
toda sua vida, chamar-se Sirlene (com S), enquanto o nome que constava
em seu registro era, na verdade, Cirlene (com C). Tal desacerto
causou-lhe dano moral, visto que lhe causou desgosto, humilhação e uma
série de aborrecimentos.
Contra-razões, em óbvia infirmação (fls. 67-71).
Comparece a douta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 82-88), opinando
pelo provimento parcial do recurso.
Ausentes preliminares a expungir, adentra-se o mérito.
A apelante alega que somente quando da emissão de segunda via da
certidão de nascimento (fls. 8 - 12/7/1996) é que percebeu o erro do
cartório, pois, ao questionar a incorreção do seu prenome, fora
informada que o mesmo estava conforme o seu assento, tendo ocorrido, por
corolário, a emissão de todos os seus documentos com o mesmo erro de
grafia da certidão primeva.
O MM. Juiz a quo assevera que não restou comprovado o equívoco, já que
inexiste nos autos cópia da primeira certidão da apelante.
Trilho, data venia, outro posicionamento.
São incontestes as seguintes premissas:
1) a cópia do registro de nascimento (fl. 24) juntada pelo cartório
demonstra, com clareza, que o prenome da apelante se grafa com a letra
"C" (Cirlene), e não com "S" (Sirlene).
2) todos os documentos da apelante (fls. 9-12) apresentam o seu prenome
grafado em desconformidade com aquele assento, ou seja, Sirlene, e não
Cirlene.
Foge à logicidade a presunção de que a Justiça Eleitoral, o INSS e o
Ministério da Fazenda tenham cometido o mesmo erro, conquanto a certidão
de nascimento estivesse correta.
A impossibilidade de oferecer prova direta não obsta a produção de
provas indiretas para evidenciar fato do qual se toma conhecimento
através de raciocínio lógico. Se ainda existisse a prova material do
erro do cartório, qual seja, a primeira certidão, não teria a apelante,
obviamente, requisitado a segunda via.
Sobre prova indireta, vale a lição de Carnelutti, verbis:
"... o conhecimento supõe uma relação entre o sujeito e o objeto da
prova. Esta relação pode ser imediata, isto é, que o fato por provar
caia sob os sentidos do verificador; nos outros casos é mediata através
de um fato diferente daquele que tem de ser provado, o qual serve para
que o verificador, com a ajuda das regras de experiência, formule seu
juízo. (...) A primeira proporciona a certeza e a segunda nada mais que
a convicção, mas está claro que o ponto de vista não pode se sustentar,
em primeiro lugar, porque a certeza não é mais que um grau de convicção
e, em segundo lugar, porque também a prova direta é realizada por meio
de um juízo que pode ser violado pelo erro (CARNELUTTI, Francesco.
Sistema de Direito Processual Civil. ClassicBook, v. II, 1ª ed., p.
499).
Quanto à responsabilidade indenizatória por dano moral, cumpre ressaltar
que, em que pese a responsabilidade objetiva do cartório, não vislumbro,
data venia, a possibilidade de indenização. Não é toda situação
desagradável e incômoda, aborrecimento ou desgaste emocional, que faz
exsurgir, no mundo jurídico, o direito à percepção de ressarcimento por
danos morais.
Não obstante seja o nome atributo da personalidade, "sinal exterior pelo
qual se designa, se individualiza e se reconhece a pessoa no seio da
família e da sociedade" (DINIZ, Maria Helena, in Direito Civil
Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil, 18 ed., p.183), é
improcedente, in casu, o pedido de indenização por danos morais. É que o
equívoco do cartório não causou sequer alteração fonética no nome da
apelada, pois, na língua pátria, sabe-se muito bem que o mesmo fonema
pode ser representado por letras diferentes, decorrendo disso, aliás, os
costumeiros desacertos no manejo do nosso alfabeto.
Portanto, não houve sequer alteração da unidade sonora, ou seja, a
apelante pensava chamar-se Sirlene, quando, em verdade, seu nome era
Cirlene!
Conseqüentemente, não há qualquer dificuldade de identificação da
apelante, pois, como quiseram seus pais, ela sempre foi e será
reconhecida, seja na família, seja na sociedade, como Sirlene,
independente de ser seu nome grafado com S ou C.
No entanto, como asseverou a ilustre procuradora, "não há dúvidas que o
equívoco cometido pelo Apelado possa realmente ter causado alguns
transtornos no cotidiano da Apelante", razão pela qual, entre outras,
entendo necessária a retificação do registro, mormente porque o próprio
procurador do cartório (fls. 52) afirma que "não vê motivos para que se
não defira o pedido de retificação, substituindo a letra C para S".
Quanto às dificuldades enfrentadas pela apelante para pleitear o
patrocínio da Defensoria Pública, decorrem elas, infelizmente, de falha
do Estado. No entanto, não se pode partir desse pressuposto para
penitenciar o cartório, como roga a apelante, mesmo porque, a despeito
de os serviços de registro terem natureza pública, são exercidos em
caráter privado, por delegação, não remunerados, portanto, pelos cofres
públicos, sim pelas custas e emolumentos recebidos. Permitir que as
mazelas da Administração Pública sirvam de ensejo para pleitear
indenização por danos morais é propor banquete à "indústria do dano
moral" em direção ao caos social.
Ante tais expendimentos, reiterando vênia, dou provimento parcial ao
recurso para determinar a retificação do registro, nos termos da
exordial, julgando improcedente o pedido quanto aos danos morais.
Custas, pela apelante, isenta ex vi do art. 12 da Lei 1.060/50.
É como voto.
O Sr. Des. Manuel Saramago - De acordo.
O Sr. Des. Célio César Paduani - De acordo.
Súmula - DERAM PROVIMENTO PARCIAL. |