ANOREG-BR orienta sobre ações judiciais quanto ao ISS

Prezado(a) Presidente,

Como é de seu conhecimento, foi aprovado em Assembléia Geral Extraordinária que a ANOREG-BR - Associação dos Notários e Registradores do Brasil impetraria ADIn junto ao Supremo Tribunal Federal contra a Lei nº 116/2003, do ISS.

Esclarecemos a V.Sª que frente a inúmeros pedidos de todos os Estados da Federação, no sentido de que primeiramente tentássemos por meios locais uma solução, concluímos que a melhor alternativa seria desenvolvermos um protótipo dessa Ação para servir de modelo aos Municípios.

Solicitamos que reúna seus associados e retransmita esse posicionamento, demonstrando a importância do recurso e a agilidade na distribuição. Ressaltamos que cópias das decisões devem ser encaminhadas à entidade nacional a fim de disponibilizarmos aos colegas de outros pontos do país.

Por oportuno, agradecemos sua atenção e reafirmamos a relevância de seu apoio para articulação de estratégias que atendam ao objetivo proposto.

Muito atenciosamente,

Rogério Portugal Bacellar
Presidente

Observações:
1. Para entrar com MS é preciso aguardar a publicação da Lei Municipal cobrando ISS.
2. Estaremos arguindo a inconstitucionalidade da Lei nº 116/2003 na próxima quarta-feira, dia 10/12, no STF.
3. O Estado que não contribuiu, solicitamos que deposite o quanto antes para acertarmos as contas com os Tributalistas.
4. Os outros Pareceres estão no site da ANOREG-BR: www.anoregbr.org.br/index.php?action=doutrina

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA
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ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO ESTADO ____, associação regional de classe (doc. 01), com sede no (endereço), por seus advogados signatários, (doc. 02), com escritório no (endereço), onde recebem intimações, vem, perante Vossa Excelência, impetrar

MANDADO DE SEGURANÇA (PREVENTIVO)
COM REQUERIMENTO DE MEDIDA LIMINAR


com fundamento nos incisos LXIX e LXX, alínea “b”, do artigo 5º da Constituição Federal, , nos artigos os artigos 145,II, 2ª parte, 150, inciso VI, alínea “a”,150, § 2º e § 3º e 236, “caput”, todos da Constituição Federal de 1988, § 3º do artigo 1º da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, e seus itens 21 e 21.1, constantes da Lista Anexa à mesma, publicada no Diário Oficial em 01 de agosto de 2003, contra ato abusivo e ilegal praticado pela Câmara Municipal de (Comarca), ao editar a Lei Municipal nº ...., demais disposições aplicáveis à espécie e consoante os motivos de fato e de direito a seguir expostos.

I. DA LEGITIMIDADE DA REQUERENTE

1. A Associação dos Notários e Registradores do Estado de ____– ANOREG/--- é entidade com representatividade em todo Estado, congregando os titulares dos serviços notariais e de registro.

2. Na defesa dos direitos de seus associados, a Constituição Federal no art. 5º, LXX, “b”, concedeu legitimidade extraordinária a associações legalmente constituídas há mais de um ano para postularem, em nome próprio, direito de seus associados.

3. O requisito temporal e a autorização estatutária para a realização de tais atos encontram-se provados por meio dos estatutos que acompanham a presente.

4. De igual forma, em Assembléia Geral Ordinária realizada em 23 de outubro de 2002, os associados da entidade ali presentes entenderam, a unanimidade, por autorizar o ajuizamento da presente medida judicial. (doc. 3)

5. Busca-se, por meio de Mandado de Segurança Coletivo, a concessão de segurança em face da Lei Municipal nº ..................

6. Sendo esta a área de atuação dos associados da requerente e estando a esfera jurídica dos mesmos amplamente em questão por meio do mencionado edital eivado de inconstitucionalidade e ilegalidade, nada mais legítimo que a requerente intentar a presente ação.

7. Destaque-se, ainda, que a totalidade dos associados da impetrante estão sendo afetados diretamente com a edição da referida Lei Municipal, uma vez que a mesmo institui a cobrança do ISS – Imposto Sobre Serviços sobre as atividades notariais e de registros.

II. DO ATO COATOR

8. Em atendimento ao disposto no disposto na ilegal e inconstitucional Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003, a Câmara Municipal de (comarca) editou a Lei Municipal nº ............, que institui a cobrança de ISS – Imposto Sobre Serviços, concernentes às atividades notariais e de registro, verbis:

9. (transcrever a lei) - (doc. 4)

III- DO DIREITO

Conforme será visto no decorrer desta petição, a inclusão dos serviços notariais e de registro se revela inconstitucional e ilegal por vários motivos. Porém, as violações mais marcantes dizem respeito a inconstitucionalidade de um Município ou o Distrito Federal tributarem um serviço público concernente a um Estado membro – as atividades notariais e registrais são públicas, muito embora prestadas por particulares, por delegação do Poder Público.

De igual maneira, os serviços públicos são delegações da atividade estatal, realizada para os delegatários particulares, por força do que estabelece o artigo 236, “caput”, da Constituição Federal, tendo a cobrança emolumentária destes serviços a natureza jurídica de taxa estabelecida pelo Estado, impedindo que o município possa instituir um tributo sobre a atividade precípua de um Estado Federado.

IV - A NATUREZA JURÍDICA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS E DAS ATIVIDADES NOTARIAIS E DE REGISTROS

O tema revê duas situações que devem ser abordadas para o seu perfeito entendimento: a) a natureza jurídica do ISS – Imposto Sobre Serviços; b) a natureza jurídica das atividades notariais e de registro, principalmente, a natureza de taxa relativa aos emolumentos cobrados pela prática dos atos.

a) A Natureza Jurídica do Imposto Sobre Serviços

O Imposto sobre Serviços de qualquer natureza está definido no artigo 156,III, da Constituição da República:

“art. 156 – Compete aos Municípios instituir imposto sobre (...)
III- imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei especial.”


Atendendo a este comando, foi editada a Lei Complementar nº 116/03, contendo lista anexa onde são definidos ou arrolados mais de 230 espécies de serviços que, com a entrada em vigor da lei, podem ser objeto de exação do ISS – Imposto Sobre Serviços, por parte dos Municípios.

Nos itens 21 e 21.1 estão arrolados os serviços de registros públicos, cartorários e notariais, dentre as novidades que traz o aludido diploma legal.

Tratando da natureza jurídica do Imposto Sobre Serviços, em parecer encomendado pela Requerente (doc. 4), o Professor ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA ensina:

“Com estas breves anotações, desejamos pôr em destaque o perfil jurídico do ISS, tributo de competência municipal, já se encontra desenhado, com retoques à perfeição, no próprio Texto Magno. Deveras, ela traçou, com grande riqueza de pormenores, o contorno desta figura exacional, de tal sorte que o legislador ordinário, ao instituí-la, não poderá superar uma série de limites constitucionais". (p.3)

Ou seja, o ISS - Imposto sobre Serviços, possui matriz constitucional e dele não pode se afastar, sob pena de se estar cometendo uma inconstitucionalidade.

Como é o caso da inclusão dos serviços notariais e de registro nos itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/03.

Por isto, o ilustre Professor prossegue:

“Mas que serviços podem ser alcançados pelo ISS?

Como demonstra Elizabeth Nazar Carrazza, podem ser alcançados pelo ISS, os serviços prestados – por particulares, empresas privadas, empresas públicas ou sociedades de economia mista – sob regime de Direito Privado. (p. 4)

Impende notar que só por amor à brevidade é que escrevemos que “podem ser alcançados pelo ISS os serviços prestados”. Na realidade, alcançáveis pelo ISS são as pessoas, físicas ou jurídicas, que prestam serviços, a terceiros, sob o regime de Direito Privado.
(...)
Portanto, o serviço sobre o qual pode incidir o imposto em exame é o colocado in commmercium (no mundo dos negócios), sendo submetido, em sua prestação, ao regime de direito privado, que se caracteriza pela autonomia da vontade e pela igualdade das partes contratantes. (p.5)


Esta idéia é suficientemente lata, de modo a albergar toda e qualquer prestação de utilidade, assim material (v.g., uma obra de engenharia), que imaterial (p. ex., os serviços prestados por profissionais liberais stricto sensu), que não tipifique serviço público".

Para o Mestre em direito tributário, o ISS - Imposto Sobre Serviços, por sua própria natureza jurídica, só incide na prestação de serviços de direito privado, seja esta material ou imaterial.

Contudo, não se pode olvidar que os serviços notariais e de registro, por definição constitucional, são serviços públicos que, embora delegados para particulares não deixam de ter natureza jurídica de serviço público, não podendo com isto estar englobados na incidência do ISS - Imposto Sobre Serviços que, conforme já visto, trata de prestação de serviços privados.

Outro não é o magistério do Professor OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, sobre o tema, também em parecer encomendado pela Requerente:

“Daí ser primorosa a definição de lavra do professor Aires Fernando Barreto, afastando preconceitos e importações, acríticas: “serviço é esforço de pessoas desenvolvido em favor de outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, em caráter negocial, tendente a produzir uma utilidade material ou imaterial.” (1)

I.3 – A intributabilidade pelo ISS do serviço público

A definição de serviço acima transcrita circunscreve os serviços suscetíveis de submeterem-se à incidência do ISS aos prestados sob regime de direito privado. Tal regime tem como pressuposto a autonomia da vontade e a liberdade de obrigar-se. (2) O instrumento para a materialização da prestação do serviço é o contrato. Podem realizar tais prestações, em regime jurídico de direito privado, os particulares, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as pessoas jurídicas, de direito privado, em geral.”

Certo é, portanto, que o ISS - Imposto sobre Serviços só incide sobre o regime jurídico de direito privado, não comportando sua aplicação para o direito público.

E acrescenta o Professor da UnB - Universidade de Brasília:

“Em harmonia constitucional, o art. 150, inciso VI, alínea “a” da C.F., afirma a isonomia de tratamento entre as pessoas políticas constitucionais, ao determinar a impossibilidade, pelo princípio da imunidade recíproca, de a União, os Estados, Distrito Federal e os Municípios “instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros.” A rigor, seria desnecessária a explicitação realizada. É que o poder de tributar, supõe a supremacia do ente tributante sobre o tributado. Adotada a Federação como forma de estruturação do Estado Brasileiro, impossível a exigência recíproca de impostos. A isonomia de tratamento entre os entes federados decorrente da instituição federativa impossibilita haja a superioridade de um ente federativo sobre o outro. Tem–se assim, que carece o Município, bem como o Distrito Federal, de poder para exigir ISS da União e de Estado-Membro da Federação.

A imunidade recíproca é extensiva “às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas atividades ou às delas decorrentes” (art. 150, § 2º, da C.F.) e não se aplica “ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel” (art. 150, § 3º, da C.F.).

Resulta da dicção constitucional que a atuação estatal na prestação de serviços públicos não é suscetível à incidência de impostos. Com relação às entidades que se destacam da estrutura centralizada do Estado, para ganhar agilidade e eficácia na prestação de serviços típicos do Poder Público – as autarquias e as fundações criadas e mantidas pelo Estado – a imunidade é condicionada, posto que somente abrange o patrimônio, a renda e os serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou delas decorrente, e desde que não estejam relacionadas com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços e tarifas pelo usuário.

Assim, se o fato gerador in abstracto for uma atuação estatal, o tributo correspondente será taxa ou contribuição; por impossibilidade constitucional, jamais será imposto. Portanto, a prestação de serviço público, típica à atuação estatal, não pode configurar fato gerador, de nenhum imposto, aí incluído o ISS.”

Portanto, temos que a cobrança de ISS - Imposto Sobre Serviços não incide sobre os serviços públicos. E, por outro, que existe imunidade recíproca entre os entes federados a respeito de tributação. Não podendo o município cobrar imposto sobre um serviço público desenvolvido pelo Estado membro ou pelo Distrito Federal.

O professor ROQUE CARRAZZA acrescenta em seu parecer:

IV- De fato, o serviço público, isto é, a prestação de utilidade material , fruível individualmente, sob o regime de direito público, escapa ao ISS, nos expressos termos do art. 150, IV, a, da Constituição Federal. (p. 6)

Serviços públicos específicos e divisíveis, podem ser remunerados por meio de taxas de serviço, ex vi do disposto no art. 145, II, 2ª parte, da Constituição Federal. E tais tributos não se descaracterizam, ainda que , por autorização legislativa, venham arrecadados por pessoas diversas daquelas que os instituíram, caso em que estaremos diante do fenômeno da parafiscalidade.

V- Temos, por demonstrado, pois, que, nos termos da Constituição, a hipótese de incidência do ISS, só pode ser a prestação, a terceiro, de uma utilidade (material ou imaterial), com conteúdo econômico, sob regime de Direito Privado. (p.8)

II – Mas coisa, porém, é certa: fatos que não configuram prestações de serviços privados, ou que estejam no campo material de impostos federais ou estaduais, não podem ser tributados por meio de ISS, ainda que uma lei complementar assim o permita. Aliás, lei complementar deste jaez seria inconstitucional, porque estaria ampliando o âmbito de abrangência do ISS e, o que é muito pior, atropelando o direito subjetivo que todos os contribuintes têm, de só serem tributados pela pessoa política competente, observadas as regras-matrizes exacionais, postas no Diploma Magno.

Portanto, dada à natureza jurídica do ISS – Imposto Sobre Serviços, que atua precipuamente nas relações de direito privado, ele não pode ser instituído sobre um serviço público – que embora seja delegado a particulares – não perde a sua natureza de atividade pública, uma vez que são os mesmos vinculados e específicos.

B) A Natureza Jurídica dos Serviços Notariais e de Registros

A Constituição da República, em seu artigo 236, definiu que os serviços públicos de registros públicos e os notariais, são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público.

Comentando esta natureza jurídica, o Professor ROQUE CARRAZA é elucidativo:

Os serviços de registros públicos, cartorários, e notariais são serviços públicos. Realmente, são prestados, mediante procedimento de Direito Público, para satisfação de interesses coletivos.

Mais: são serviços públicos específicos e divisíveis, porque sempre se referem a alguém e podem ter sua utilização, efetiva ou potencial, individualmente considerada. (p. 13)

A equação não se altera, mesmo sendo exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. Ainda assim, continuam a ser serviços públicos específicos e divisíveis.

Ora, serviços públicos específicos e divisíveis, como vimos no item 3-IV, supra, só podem ser remunerados por meio de taxa de serviço.

O que estamos querendo significar é que os emolumentos remuneratórios dos atos praticados pelos serviços notariais e de registro (serventia de Notas, Protesto de Títulos, Registro de Distribuição, Registro de Imóveis, Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas e Registro Civil das Pessoas Naturais) têm natureza jurídica de taxa de serviço.

É o que também pensa Sacha Calmon Navarro Coelho; verbis: “as ‘custas’ e os ‘emolumentos’ são taxas, ela prestação dos serviços públicos ligados à certificação dos atos e negócios ora conectados ao aparato administrativo e cartorial que serve de suporte à prestação jurisdicional.”

Aliás, a natureza jurídica de taxa de serviço, dos emolumentos remuneratórios dos atos praticados pelos serviços notariais e de registros, encontra-se pacificada, por força de uma série de decisões do Supremo Tribunal Federal (v.g., na ADIn 1444-7 PR). Como o tema é incontroverso e conta com o prestigioso abono da jurisprudência da Suprema Corte, aqui não o desenvolvemos. (p. 13/15)

Já adiantamos que esta possibilidade jurídica não existe, apesar do disposto nos itens 21 e 21.1, da Lista de Serviços veiculada pela Lei Complementar nº 116/03, que são inconstitucionais. ( p. 16)

Do mesmo modo, o Professor OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO pontifica:

“O serviço público subordina-se ao regime jurídico de direito público, não podendo compor fato gerador de imposto, exatamente por tal exação caracterizar-se por aplicar-se a atividade alheia à atuação do Poder Público. Dito de outra forma, a atividade estatal é insuscetível de sofrer a incidência de imposto, por decorrência de critério fixado pela Constituição para distinguir as várias espécies exacionais, bem como em face de a atividade típica dos entes federados – prestação de serviços públicos – não ser passível de sofrer incidência impositiva, por constituir contradição em termos, isto é, tributar-se a si mesmo, na atividade que lhe é essencial.

A definição de serviço público, sob o ponto de vista material, é feita com maestria por Celso Antônio Bandeira de Mello: “serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestados pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo”. (3)

Em nota de rodapé, o autor ao comentar a definição realizada, esclarece ter utilizado como seu objeto apenas os serviços de “ordem material prestados pelo Estado, excluídos os de ordem jurídica, tais como os serviços cartoriais e de tabelionato ou registros públicos”. E aponta a finalidade dessas intervenções estatais na vida privada dos cidadãos, que é a de fornecer certeza e segurança jurídica aos indivíduos. (4)

É preciso cuidado para não misturar duas atividades exercidas pelo Estado: as que lhe são típicas, e, portanto englobadas no conceito estrito de serviço público – que é o caso dos atos notariais e de registros – diretamente ligados à ordem pública pela oferta de garantias de certeza e segurança jurídica aos cidadãos – com a atividade econômica, efetuada para atender significativo interesse coletivo ou imperativos de segurança nacional. A atuação do Estado no campo econômico de produção ou comercialização de bens ou prestação de serviços far-se-á por meio de empresas públicas ou de sociedades de economia mista, submetidas às mesmas regras estabelecidas para as empresas privadas (art. 173, inciso II, c/c o seu § 2º), em explicitação ao princípio diretor da livre iniciativa e da livre concorrência. Com efeito, tratamentos benéficos a tais empresas estatais, menos onerosos do que os estabelecido para as empresas privadas, comprometeriam a manutenção da livre iniciativa, dependente da lisura e isonomia para o exercício da liberdade de concorrência.

O desempenho de atividades públicas, típicas e inerentes ao Estado, nem sempre é executado diretamente por ele. Pode sê-lo por agentes colaboradores, posto que terceiros, titulados pelo Poder Público, com investidura apta ao exercício das atividades estatais. Essa transferência a particulares para o desempenho de atividade pública, não desnatura a noção de serviço público, quando se trata de atividade jurídica, mediante a delegação de ofício, como a prevista no art. 236 da Constituição.
(...)
Fundamental para determinar a natureza jurídica de serviços prestados a terceiros, remunerados por emolumentos, não é o fato de ter sido realizado por particular, em observância à delegação estatal, mas a índole da atividade exercida. Efetuada atividade típica do Estado, posto que correspondente à função inerente ao seu plexo de competências, a conseqüência é a compulsoriedade da sua remuneração sob a regência do regime jurídico de taxa.


Equivale dizer que a execução de atividade contida no âmago das funções estatais não se desnatura quando realizada mediante a delegação de ofício do Poder Público, fixada pela Constituição (art. 236, caput, da CF).

Em realidade, os serviços de ordem puramente jurídica, oferecidos no âmbito da Justiça, como os cartorários e de registro público, destinados a oferecer certeza e segurança jurídica, estão umbilicalmente ligados à soberania de que é dotado o Estado. Correspondem à inerência e peculiaridade do Estado, na afirmação e consolidação da ordem jurídica, imanente a sua existência.

O regime jurídico correspondente é de direito público, insuscetível, portanto, de livre estabelecimento de suas regras pelos participantes da atividade, posto que rege a matéria o princípio da legalidade. A sua disciplinação é realizada por lei, com superioridade do interesse público, sem igualdade de partes, com regras de observância obrigatória.


Identificada a prestação desses serviços no âmago do Estado, portanto, correspondendo à concepção de serviço público, a natureza da sua remuneração – os emolumentos – calha corresponder à de taxa, como determinada no art. 145, inciso II, da Constituição Federal.

Com efeito, como demonstrado, são de natureza pública as atividades efetuadas pelas serventias de Notas, Protestos e Títulos, Registro de Distribuição, Registro de Imóveis, Registro Civil das Pessoas Jurídicas, Registro Civil das Pessoas Naturais e Registro de Títulos e Documentos, praticando, conforme o caso, as funções notariais e de registro, visando à certificação de atos e negócios, em suporte administrativo à prestação jurisdicional.

Trata-se, pois, de taxa de serviço efetivo, quando o usuário recorre à prestação notarial ou registrária; específica, eis que passível de redução à unidade de utilidade ou necessidade pública; e finalmente divisível, uma vez que é individualizada em relação a cada fruidor.”

Dúvida não pode restar que os emolumentos são taxas devidas pela prestação efetiva – ou em alguns casos até mesmo potencial, de atividades que possuem natureza pública, razão pela qual não há a possibilidade de se permitir – até mesmo por ser inconstitucional -, que se tenha sobre eles a incidência de ISS – Imposto Sobre Serviços.

V – A INCONSTITUCIONALIDADE DOS ITENS 21 e 21.1 DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR nº 116/03

Conforme já observado, as atividades notariais e de registro são serviços públicos delegados para particulares. Porém a delegação não transmuta a natureza pública da prestação dos serviços, porque estes continuam públicos.

Serviços que ademais de públicos são específicos e divisíveis, cobrados como taxas de serviço, de todos aqueles que dele se utilizam.

Assim ensina o Professor ROQUE CARRAZZA:

“5. A inconstitucionalidade dos Itens 21 e 21.1, da Lista de Serviços
A Lei complementar nº 116/03, de 31 de julho de 2003 (que deu nova redação à “Lista de Serviços”), estipula, em seus itens 21 e 21.1 , serem tributáveis, por meio de ISS, os “serviços de registros públicos, cartorários e notariais.”
Tais itens são inconstitucionais.
Com efeito, os “serviços de registros públicos, notariais e cartoriais” são serviços públicos específicos e divisíveis, tanto que remunerados por meio de taxas de serviço.
É o quanto basta para que se infira que as serventias que os prestam não podem, nem mesmo com base em lei complementar definidora de serviços, ser compelidas a recolher ISS.
Note-se que a circunstância de a Lei Complementar nº 116/03 haver, nos preditos itens 21 e 21.1, da Lista, rotulados de “serviços” tributáveis por meio de ISS as atividades de registros públicos, cartoriais e notariais, não altera a conclusão que chegamos.

Com efeito, a natureza de qualquer figura de Direito é–nos revelada pelo regime jurídico a que está submetida e, não pela designação recebida.
(...)
Transplantando estas idéias, apenas esboçadas, para o campo de trabalho, se um fato tipifica uma prestação de serviço público específico e divisível (porque obedece ao regime jurídico próprio da espécie), pouco importa, máxime para fins tributários, venha rotulado prestação de serviços alcançável pelo ISS.
Disto decorre que os serviços públicos específicos e divisíveis de registros públicos, cartorários e notariais não se transmudaram em prestações de serviços privados, só porque assim vieram atecnicamente denominados pelo legislador complementar. Não é positivamente o nome que atribui entidade às coisas.
(...)

Sustentar que as expressões da Lista 'serviços de registros públicos, cartoriais e notariais', em si mesmas consideradas, eliminariam a possibilidade de estar-se diante serviços públicos específicos e divisíveis (intributáveis por deio de ISS), é fazer tábua rasa das clássicas lições dos antigos romanos, que nos legaram o conhecidíssimo brocardo “verba non mutant substantia rei.”
Do exposto, a despeito do estatuído nos itens 21 e 21.1, da Lista de Serviços, os atos praticados pelos serviços notariais e de registros não tipificam serviços prestados pelo regime de Direito Privado, não, podendo, destarte, ser alvo de tributação por meio de ISS.
Remarcamos que nem mesmo a lei complementar (no caso, a Lei Complementar nº 116/03) pode quebrar a estrutura constitucional do ISS, muito menos para prejudicar direitos subjetivos dos contribuintes.”
(...)

As linhas de argumentação acima desenvolvidas, leva-nos a irretorquível conclusão de que são inconstitucionais os itens 21 e 21.1, da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.
Por este motivo, tais itens não têm força jurídica bastante para possibilitar que os Municípios venham a tributar, por meio de ISS, as prestações de ”serviços de registros públicos, cartorários e notariais.” Eventuais leis municipais que neste sentido disponham, padecerão do mesmo vício de inconstitucionalidade.”


E, do mesmo modo, conclui o Professor OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO a um dos quesitos formulados pela Requerente:

“IX.2 – Quais os vícios de inconstitucionalidade e/ou ilegalidade constantes do item 21 e subitem 21.01 da Lista de Serviços, anexa à Lei Complementar nº 116/03, relativamente aos atos notariais e de registro, uma vez que a natureza jurídica dos seus emolumentos remuneratórios é considerada pelo Supremo Tribunal Federal como de taxa?

Resposta: Há várias inconstitucionalidades. Uma delas já foi mencionada na resposta ao item anterior- a Lei Complementar nº 116/03 extravasou o campo da atuação do ISS, como previsto no seu paradigma constitucional, ao estabelecer incidência deste imposto sobre o serviço público. Ao utilizar base de cálculo e fato gerador de taxa, na configuração do ISS aplicável à prestação de serviços de registro público, cartorários e notariais, possibilita invasão de competência, que será praticada pelo Distrito Federal e Municípios, caso reproduzam na legislação referente ao ISS, a base de cálculo e o fato gerador sobre tais serviços deferidos pela Constituição à incidência de taxa de competência da União.

A forma caótica de se definir o fato gerador, adotada pela Lei Complementar nº 116/03, cuja configuração global não se dá apenas nos enunciados da Lista de Serviços, mas na busca integrativa que se realiza nos seus vários dispositivos, vê-se que o item 21 e seu subitem 21.1 estão em contradição com o previsto no art. 1º, § 3º, que estabeleceu que “o imposto de que trata essa Lei Complementar incide sobre os serviços prestados mediante utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço”. A delegação de ofício realizada pela Constituição no art. 236 difere da autorização, permissão ou concessão de serviços públicos. O Supremo Tribunal Federal tem decidido que as custas e emolumentos são taxa. Há décadas, o entendimento dessa Corte, seguindo doutrina elaborada pelos constitucionalistas e tributaristas, excluiu a natureza jurídica de preço público ou tarifa em relação às custas e aos emolumentos. Não há unidade conceitual e descritiva nessa Lei Complementar. Uma cláusula geral exclui, mas a particular inclui. É a contradição utilizada como técnica legislativa.

Portanto, de qualquer ângulo que se possa visualizar a controvérsia, sempre é estabelecida uma inconstitucionalidade.

Além disso, a delegação de que trata o artigo 236 da Constituição Federal não se encontra prevista no rol das atividades descritas no § 3º do artigo 1º da Lei Complementar nº 116/03:

“art. 1º, § 3º - O imposto de que trata essa Lei Complementar incide sobre os serviços prestados mediante utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço”.

Como se pode notar, a autorização, a permissão e a concessão são situações jurídicas totalmente diversas da delegação, instituto que diz respeito, primordialmente, a notários e registradores.

VI - A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Desde há muito tempo, está pacificado pelo Supremo Tribunal Federal o entendimento que os emolumentos devidos pelas atividades notariais e de registro possuem a natureza jurídica de taxa de prestação de serviços públicos.

Confira-se, em primeiro lugar, o decidido pelo Plenário na ADIn 1444-7/PR:

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CUSTAS E EMOLUMENTOS: SERVENTIAS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 7, DE 30 DE JUNHO DE 1995, DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ: ATO NORMATIVO. 1. Já ao tempo da Emenda Constitucional nº 1/69, julgando a Representação nº 1.094-SP, o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que "as custas e os emolumentos judiciais ou extrajudiciais", por não serem preços públicos, "mas, sim, taxas, não podem ter seus valores fixados por decreto, sujeitos que estão ao princípio constitucional da legalidade (parágrafo 29 do artigo 153 da Emenda Constitucional nº 1/69), garantia essa que não pode ser ladeada mediante delegação legislativa" (RTJ 141/430, julgamento ocorrido a 08/08/1984). 2. Orientação que reiterou, a 20/04/1990, no julgamento do RE nº 116.208-MG. 3. Esse entendimento persiste, sob a vigência da Constituição atual (de 1988), cujo art. 24 estabelece a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, para legislar sobre custas dos serviços forenses (inciso IV) e cujo art. 150, no inciso I, veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios, a exigência ou aumento de tributo, sem lei que o estabeleça. 4. O art. 145 admite a cobrança de "taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição". Tal conceito abrange não só as custas judiciais, mas, também, as extrajudiciais (emolumentos), pois estas resultam, igualmente, de serviço público, ainda que prestado em caráter particular (art. 236). Mas sempre fixadas por lei. No caso presente, a majoração de custas judiciais e extrajudiciais resultou de Resolução - do Tribunal de Justiça - e não de Lei formal, como exigido pela Constituição Federal. 5. Aqui não se trata de "simples correção monetária dos valores anteriormente fixados", mas de aumento do valor de custas judiciais e extrajudiciais, sem lei a respeito. 6. Ação Direta julgada procedente, para declaração de inconstitucionalidade da Resolução nº 07, de 30 de junho de 1995, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Mesmo antes da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, o tema já havia sido objeto de posicionamento do Supremo Tribunal Federal:

CUSTAS DESTINADAS A ENTIDADES DE CLASSE
No julgamento da representação n. 1094, de que fui relator, decidiu o plenário desta Corte que custas têm natureza jurídica de taxa, sendo, portanto, espécie de tributo.
Sendo tributo, não podem as custas – como se decidiu na representação n.º 1139 – ser destinadas a entidades com personalidade jurídica de direito privado. Por outro lado, em face da proibição constante da parte primeira do §2º do artigo 62 da Constituição Federal (“Ressalvados os impostos nos itens VIII e IX do artigo 21 e as disposições desta Constituição e de leis complementares, é vedada a vinculação do produto da arrecadação de qualquer tributo a determinado órgão, fundo ou despesa”), não podem as custas ser vinculadas a determinado órgão, ainda que eles tenham personalidade jurídica de direito público.
Representação que se julga procedente para se declarar a inconstitucionalidade da Tabela S – Das entidades de Classe – anexa à Lei n.º 6.906, de 21 de outubro de 1980, bem como a inconstitucionalidade da Lei 7.384, de 19 de junho de 1980, ambas essas Leis do Estado do Rio Grande do Sul”. (Representação n. 1.295-6 RS. Relator: Ministro Moreira Alves. Publicado no DJU em 17.3.1989.


No mesmo sentido é o voto do Ministro Celso de Melo na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.298. Confira-se o seguinte trecho:

O aspecto relevante, ao menos para efeito de aferição da plausibilidade jurídica da tese proposta pela entidade autora, reside na circunstância de que o Supremo Tribunal Federal, tendo presente o ensinamento doutrinário (CARLOS DA ROCHA GUIMARÃES, in “Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro”, vol. XX/78, verbete Emolumentos – Direito Fiscal; LEOPOLDO BRAGA, in “Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro”, vol. XX/74 e ss., verbete Emolumentos; CASTRO NUNES, “Da Fazenda Pública em Juízo”, p. 485/486, 2ª ed., 1960, Freitas Bastos, v.g.), tem sempre enfatizado que, “não sendo (...) os emolumentos (...) extrajudiciais preços públicos, mas, sim, taxas...” (RTJ 141/430, Rel. p/ o acórdão Min. MOREIRA ALVES), nada pode justificar a afetação do produto de sua arrecadação , seja ao custeio de serviços públicos diversos daqueles a cuja remuneração tais valores se destinem especificamente, pois, nessa hipótese, a função constitucional da taxa – que é tributo vinculado – restaria descaracterizada, seja à satisfação das necessidades financeiras ou dos objetivos sociais de entidades meramente privadas, caso em que se subverteria a própria finalidade institucional do tributo, sem se mencionar o fato de que esse privilegiado tratamento dispensado a simples instituições particulares importaria em evidente transgressão estatal ao postulado constitucional da igualdade.
Essas razões levaram o Supremo Tribunal Federal, já sob a égide do vigente ordenamento constitucional, a suspender cautelarmente a eficácia de norma legal que destinava determinada percentagem de emolumentos oriundos da prática de atos notariais e de registro à Caixa de Assistência dos Advogados (ADIn 1.145, Rel. Min. MARCO AURÉLIO), sendo certo – não custa enfatizar – que esta Corte também repeliu, por inconstitucional, a destinação de custas e de emolumentos, que se revestem de natureza tributária, estabelecida em favor de entidades com personalidade jurídica de direito privado, como o são as Associações de Magistrados (RTJ 128/503, Rel. Min MOREIRA ALVES – RTJ 128/538, Rel. Min. FRANCISCO REZEK).
Não se pode desconsiderar, bem por isso a observação do saudoso Ministro ALFREDO BUZAID que, em voto proferido no julgamento da Rp nº 1.139-BA – após acentuar que os emolumentos devidos pela prestação de serviços notariais e/ou registrais revestem-se de caráter tributário – relembrou, como razão de decidir, a advertência contida no magistério de ALIOMAR BALEEIRO (“Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, p. 258/262, 5º ed., Forense), verbis:
‘Só para o estado se tributa. Não há tributo privado. Não o diz a Constituição, mas está implícito que esse poder extremo e fundamental corresponde aos encargos com o funcionamento dos serviços públicos, ou exercício das atribuições em que são investidas as três órbitas governamentais. Não havia, aliás, necessidade de deixar expressa essa destinação exclusiva, porque, historicamente, nunca foi de outro modo, desde que a Igreja perdeu a competência tributária dos tempos coloniais, quando associada outrora à Coroa Portuguesa. Os tributos são reservados exclusivamente para fins públicos. Não existem discrepâncias entre os financistas.
Com razão, pois, a propósito disso, BILAC PINTO relembra a afirmação de VANONI, de que ‘un tributo, il cui provento non sai usato per scopi pubblici, è inconcepibile, constiuendo una contradizione in termini’. Por inconcebível e absurda que, em si mesma, fosse a hipótese, já se registrou na vida brasileira, provocando a ventilação desse princípio da finalidade pública do imposto.
(...)
A pessoa de direito público interno pode delegar, certamente, a uma entidade pública – agência ou instrumentalidade de sua criação – o desempenho de serviços públicos, atribuindo-lhe a arrecadação de tributos de sua competência. No Brasil, serão taxas ou impostos, sujeitos ao princípio da legalidade e da anualidade como todos os demais. É o fato financeiro designado recentemente como ‘parafiscalidade’.
Mas não é permitido a um governo criar tributo e cedê-lo a instituição privada, que o poderá cobrar diretamente no próprio benefício. Seria o maior dos contra-sensos supor que a Constituição, por um lado, garante a igualdade de todos os indivíduos perante a lei e assegura a propriedade, mas, por outro, autoriza que o dinheiro de uma pessoa possa ser cobrada por outra, no interesse desta, sob a égide do poder de tributar (...).”
Presentes as razões expostas, não posso deixar de reconhecer que se reveste da plausibilidade jurídica a pretensão ora deduzida nesta sede do controle normativo abstrato.” (Despacho referendado pelo Tribunal Pleno em 30.11.1995, DJU de 30.5.1997 – sem ênfase no original)

Em suma, resta amplamente demonstrado que pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, desde há muito tempo, os emolumentos devidos pelos atos praticados nas atividades notariais e de registros são taxas devidas pela prestação de um serviço público.
Razão pela qual os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 são de plano, inconstitucionais, em face do que estabelecem os artigos 145, II, 2ª parte, 150, inciso VI, alínea “a”, 150, § 2º e § 3º, e 236, “caput”, da Constituição Federal e a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

VI- DA ILEGALIDADE DO ATO COATOR

Muito embora esteja demonstrada a inconstitucionalidade dos itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/03, a Câmara Municipal de (comarca) editou a ilegal Lei nº ................. , que institui a cobrança do ISS sobre os serviços notariais e de registro.

Este diploma legal afronta a integralidade das disposições antes referidas, todas constantes de nosso ordenamento jurídico, razão pela qual não pode a mesma continuar a vigorar, sob pena de ferir direito líquido e certo dos associados da impetrante.

VII- DO CABIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR

Os argumentos acima expostos ilustram de forma clara e precisa as violações frontais e diretas perpetradas pela norma atacada, fato que demonstra indubitavelmente a presença do requisito do fumus boni iuris para a concessão da medida liminar, sob pena de restar enfraquecida a força normativa da Constituição Federal de 1988.

Quanto ao periculum in mora, a norma impugnada, já se encontra em vigor, afrontando diversos princípios constitucionais, podendo inconstitucionalmente o ISS – Imposto Sobre Serviços ser cobrado a partir de janeiro de 2004.

É inadiável, por conseguinte, a suspensão da eficácia da referida disposição contida em lei, sob pena de mais tarde não ser possível reparar os danos das suas inconstitucionalidades, entre eles, a própria continuidade de serviço público essencial à sociedade.

Cabe ressaltar que não existe o periculum in mora inverso, pois a concessão da liminar não trará nenhuma lesão grave à ordem pública, muito pelo contrário, impedirá que permaneça no ordenamento jurídico dispositivo legal flagrantemente inconstitucionais e ilegais.

Por outro lado, o periculum in mora a autorizar a concessão liminar, também reside na violação contínua de princípios fundamentais da Carta Magna.

Diante do exposto, tem-se que é conveniente e relevante suspender a aplicação do dispositivo impugnado, uma vez que contraria à ordem constitucional.

VIII - DA CONCLUSÃO E DO PEDIDO

Por todo o exposto é o presente Mandado de Segurança para requerer:

(i) O deferimento de medida liminar para suspender a aplicação da a aplicação da Lei Municipal nº ........................;

(ii) Informações do requerido, no prazo legal;

(iii) A intervenção do Ministério Público;

(iv) Finalmente, que seja declarada em caráter definitivo a ilegalidade do dispositivo já atacado, sendo concedida a segurança, reiterando-se os termos da liminar a ser deferida.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00

Termos em que,
Pede deferimento.

(1) ISS na Constituição e na Lei, Dialética, p. 240.
(2) Orlando Gomes, in Introdução ao Direito Civil, Forense, 1957, p. 282.
(3) Prestação de serviços públicos e administração indireta. 2ª edição, p. 1.
(4) Eis o trecho da nota de rodapé, feita a p.p 1 e 2 do livro mencionado na nota 3, adequada à matéria de que trata este trabalho. "Na definição de serviço público proposta no presente trabalho vale encarecer que, deliberadamente, encaramos o objeto em termos estritos, de acordo com a técnica jurídica que nos parece a melhor ou seja: referimo-nos apenas aos serviços de ordem material prestados pelo Estado; donde ficarem excluídos os de ordem puramente jurídica, tais os serviços cartorários e de tabelionatos ou registros públicos. Estes correspondem a intervenções do Estado em atos da vida particular volvidos basicamente ao oferecimento de certeza jurídica e segurança jurídica aos indivíduos. Por isso, sua prestação indireta, que configura a delegação de função ou ofício público, é instituto nitidamente diferenciado da concessão de serviços públicos. A forma de encarar o serviço público, por nós adotada, coincide, coerentemente, com a distinção que acolhemos entre "atividade material" e "atividade jurídica da Administração", ou seja, entre "funções públicas" administrativas de um lado, e serviços públicos de outro. Além disto, da noção proposta ficou igualmente excluída a atividade administrativa que não proporciona fruição direta, mas apenas indireta, como é o caso de certas atividades gerais. Sirvam de exemplo a polícia interna e a polícia externa (forças armadas), as quais, em nosso entender, respondem a conceito relativo a categoria diversa do serviço público. Integram a noção de "Poder de Polícia Administrativa". Serão serviços, unicamente no sentido laico da palavra, assim como toda e qualquer atividade é afinal, um "serviço". É certo que mesmo estas podem, em sua expressão final, traduzir-se em atos materiais. Isto, contudo, é fenômeno comum a toda e qualquer manifestação do direito que, por reger comportamentos humanos, em última instância, conclui-se em imposição de ordem material, quando houver violação de seus mandamentos. Ainda assim, atividade jurídica e atividade material (regulada embora pelo Direito) se discriminam claramente, pois a atividade jurídica tem por objeto a afirmação, constituição ou alteração de uma situação jurídica, ao passo que a atividade material se preordena diretamente à produção de um resultado material."


Fonte: Ofício nº 299/2003 - ANOREG-BR - 10/12/2003