O
ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão
proferida em 01/07/2011, cassou decisão do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais (TJ-MG) que não reconheceu a existência de união estável homoafetiva
para fins de pagamento de benefício previdenciário de pensão por morte.
Ao analisar o caso, o ministro lembrou o recente entendimento do Supremo que
reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade
familiar. A decisão unânime foi tomada no dia 5 de maio deste ano, no
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição
de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132.
“Ao assim decidir sobre a questão, o Pleno desta Suprema Corte proclamou que
ninguém, absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos nem sofrer
quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual”,
lembrou o decano do STF.
Segundo ele, “com esse julgamento, deu-se um passo significativo contra a
discriminação e contra o tratamento excludente que têm marginalizado,
injustamente, grupos minoritários em nosso país, permitindo-se, com tal
orientação jurisprudencial, a remoção de graves obstáculos que, até agora,
inviabilizavam a instauração e a consolidação de uma ordem jurídica
genuinamente justa, plenamente legítima e democraticamente inclusiva”.
O ministro Celso de Mello lembrou que ele próprio já havia reconhecido a
relevância e a possibilidade constitucional do reconhecimento da união
homoafetiva como entidade familiar, em decisão individual na Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 3300, de que foi relator, de autoria de
associações paulistas que defendem os direitos de gays, lésbicas e
bissexuais.
A decisão do decano foi tomada em fevereiro de 2006 e determinou a extinção
do processo por razões técnicas. No entanto, ele ressaltou a importância de
o STF discutir e julgar a legitimidade constitucional do tema em um outro
tipo de processo, como, segundo sugeriu, a arguição de descumprimento de
preceito fundamental (ADPF).
Na decisão atual, tomada no início de julho no Recurso Extraordinário (RE)
477554/MG, de que também é relator, o ministro Celso de Mello apontou, como
fundamento de sua manifestação, o reconhecimento do afeto como “valor
jurídico impregnado de natureza constitucional, que consolida, no contexto
de nosso sistema normativo, um novo paradigma no plano das relações
familiares, justificado pelo advento da Constituição Federal de 1988”.
“Tenho por fundamental, ainda, na resolução do presente litígio, o
reconhecimento de que assiste, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à
busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se
qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da
essencial dignidade da pessoa humana”, acrescentou em sua decisão.
Ele ressaltou ainda que “o direito à busca da felicidade” se mostra
gravemente comprometido “quando o Congresso Nacional, influenciado por
correntes majoritárias, omite-se na formulação de medidas destinadas a
assegurar, a grupos minoritários, a fruição de direitos fundamentais”,
dentre os quais, na linha dos Princípios de Yogyakarta (proclamados em
2006), o direito de qualquer pessoa de constituir família, independentemente
de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
O ministro Celso de Mello enfatizou, de outro lado, na decisão de
01/07/2011, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a controvérsia em
questão, exerceu, uma vez mais, típica função contramajoritária, que se
mostra própria e inerente ao órgão incumbido da prática da jurisdição
constitucional.
Para o ministro Celso de Mello, embora o princípio majoritário desempenhe
importante papel nos processos decisórios, não pode ele, contudo,
“legitimar, na perspectiva de uma concepção material de democracia
constitucional, a supressão, a frustração e aniquilação de direitos
fundamentais, como o livre exercício da igualdade e da liberdade, sob pena
de descaracterização da própria essência que qualifica o Estado democrático
de direito”.
Ele destacou que é essencial assegurar que as minorias possam exercer em
plenitude os direitos fundamentais a todos garantidos, sob pena de se
reduzir o regime democrático a uma categoria político-jurídica meramente
conceitual ou formal. “Ninguém se sobrepõe, nem mesmo os grupos
majoritários, aos princípios superiores consagrados pela Constituição da
República”, concluiu o decano do Supremo.
A decisão do ministro Celso de Mello, ao dar provimento ao recurso
extraordinário, restabeleceu a sentença do juiz de primeira instância da
comarca de Juiz de Fora, em Minas Gerais.
Íntegra da decisão.
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