O secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da
Justiça, Rogério Favreto, afirmou que o ministério é contra a Proposta de
Emenda à Constituição (PEC)
471/05, que efetiva na função milhares de cartorários sem concurso. Em
audiência pública realizada hoje pela Comissão Especial de Serviços
Notariais, o secretário explicou que "o ministério entende que há um
problema de inconstitucionalidade material [de conteúdo] na proposta".
Apresentada pelo deputado João Campos (PSDB-GO) em 2005, a PEC autoriza os
tribunais a confirmar os cartorários que vêm exercendo a função
interinamente, em vez de realizar concurso público para preencher vagas em
cartórios. A Constituição de 1988 determinou que os cartórios de notas e de
registro só podem ser delegados a particulares por meio de concurso público,
mas os tribunais de Justiça dos estados, a que estão sujeitos os cartórios,
até hoje não cumpriram a determinação. Em São Paulo, um dos estados mais
adiantados no cumprimento da norma, cerca da metade das vagas permanecem
ocupadas por pessoas que não passaram pela seleção pública.
Divergências
Para o presidente do Instituto de Registro Imobiliário (Irib), Helvécio
Castello, revogar a nomeação dos atuais cartorários implica anular todos os
atos praticados por eles, como registro de escrituras, celebração de
casamentos e protesto de títulos. "Essa proposta precisa ser muito bem
analisada, para que não se crie uma absoluta insegurança jurídica",
advertiu.
O representante do Colégio Notarial do Brasil, Alexandre Arcaro, rebateu o
argumento de Castello, considerando-o "muito fraco". Segundo ele, é
unanimidade nos tribunais e entre juristas que os atos praticados por
servidor investido no cargo ou função irregularmente devem ser confirmados.
"Existe consenso nos tribunais de que tais atos têm plena validade",
concordou o deputado Tarcísio Zimmermann (PT-RS).
O deputado alertou que, ao debater a PEC, a Câmara está se expondo sem
necessidade a um desgaste perante a imprensa e a sociedade. Ele lembrou que
as PECs 2/99 e 54/99, que propõem a efetivação de servidores não-concursados,
têm sido criticadas pela população. "A sociedade não aceita o uso de
jeitinhos para a regularização de situações de fato decorrentes da
morosidade do Poder Público ou de ação ou omissão do próprio beneficiado",
destacou.
Já o deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG) afirmou que não faz sentido a
alegação de que os cartorários sem concurso querem manter um privilégio. "Em
meu estado, 90% dos cartórios são deficitários, têm dificuldade até para
pagar a conta de água, de luz e de telefone", disse. O deputado Gonzaga
Patriota (PSB-PE) também defendeu a efetivação dos cartorários
não-concursados, assim como ocorreu com os agentes comunitários de saúde. "A
minha posição, no momento, é de aprovar a proposta. Ninguém aqui tem medo da
mídia", declarou.
Contratos de exceção
Na avaliação de Tarcísio Zimmermann, a exceção aberta aos agentes
comunitários de saúde, que foram dispensados de concurso público pela Emenda
à Constituição 51/06, respondeu a uma situação com grande impacto social - o
controle da dengue -, o que não se verifica em relação aos cartorários. Nos
termos da emenda, os agentes comunitários podem ser contratados diretamente
pelo Poder Público, mas em caráter temporário.
O presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg),
Rogério Portugal Bacellar, disse que a entidade defende os concursos
públicos. Na opinião de Bacellar, o responsável "por esse caos" é o Poder
Público que não cumpriu a Constituição e a Lei 8935/94 (que regulamentou a
realização de concursos para cartórios). Ele afirmou ainda que a situação
dos atuais cartorários sem concurso deve ser analisada com tranqüilidade
"para evitar injustiças".
Relator da proposta, o deputado João Matos (PMDB-SC) disse ainda não ter uma
posição definida sobre o assunto. Para ele, o mais importante é produzir um
relatório consistente que não possa ser contestado depois na justiça. O
presidente da comissão especial, deputado Sandro Mabel (PR-GO), previu, no
entanto, que Matos vai apresentar um parecer "equilibrado".
|