Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais
- Justiça de 1ª Instância
AUTOS Nº 24121-1
IMPETRANTE: FÉLIX MANSUR NETO E OUTROS
IMPETRADO: PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE PARÁ DE MINAS, PREFEITO
MUNICIPAL DE PARÁ DE MINAS, E SECRETÁRIO MUNICIPAL DA FAZENDA.
SENTENÇA: MANDADO DE SEGURANÇA
VISTOS ETC...
Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado por Félix Mansur Neto,
Alexandre Mendes Ferreira de Melo, Ivan Campolina Leitão, Hugo Flávio
Lobato Marinho, Andréa Vasconcelos Marinho e Renata Cristina Flores
Marinho, notários e registradores desta cidade e comarca, devidamente
qualificados na inicial, contra suposto ato ilegal do Prefeito Municipal
de Pará de Minas, Presidente da Câmara Municipal de Pará de Minas e
Secretário Municipal da Fazenda, pelos seguintes fundamentos:
Alegam os impetrantes que, o Prefeito Municipal desta cidade sancionou a
lei complementar nº 4.335, de 23 de dezembro de 2003, instituindo a
cobrança do ISS, imposto sobre serviços de qualquer natureza,
concernentes às atividades notariais e de registros públicos.
Aduzem que, o Município não possui competência para tributar um serviço
público, já que as atividades notariais e registrais, muito embora
prestadas por particulares, são públicas. Afirmam mais que, cuidam-se de
serviços delegados pelo Estado, não cabendo ao Município tributá-los,
razões essas, pelas quais a lei complementar é inconstitucional.
Afirmam ainda que, desde a publicação da referida lei, os impetrados vêm
tomando providências no sentido de sua aplicação, requerendo os
impetrantes a suspensão da referida lei, temendo lesão a direito seu,
líquido e certo.
A inicial veio acompanhada dos documentos de fls. 19/47.
Foi deferido o pedido liminar, tendo em vista a presença do “fumus
boni iuris” e o “periculum in mora”.
Notificados, os impetrados prestaram informações.
A Câmara Municipal de Pará de Minas alegou em sede de preliminar
ilegitimidade passiva, haja vista que a autoridade coatora é quem
efetivamente ordena, e nesse caso, além de não ter competência para
cobrar o tributo, a função da Câmara ao elaborar uma lei é somente
estabelecer procedimentos genéricos e impessoais. Quanto ao mérito,
aduziu que , não tendo os Superiores Tribunais decidido sobre a
constitucionalidade ou não da Lei Municipal, trata-se de uma lei
Constitucional, não sendo competente para decidir sobre a matéria o
Juízo de Primeira Instância.
Afirmam os demais impetrados que, o Juízo de Primeira Instância não é
competente para análise da matéria de constitucionalidade, tal como
argüido pela Câmara. Alega ainda, que houve violação a independência dos
três poderes, já que os impetrantes deveriam ter questionado a cobrança
do ISS pela via administrativa.
O Ministério Público manifestou-se favorável ao pedido, opinando pelo
acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva da Câmara Municipal
de Pará de Minas e pelo impedimento da cobrança do imposto sobre os
serviços notariais.
Brevemente relatados. Decido.
Preliminarmente, cumpre analisar a alegação de ilegitimidade passiva
feita pelo Presidente da Câmara Municipal de Pará de Minas.
Impede salientar que, é contra a autoridade responsável pelo ato,
autoridade coatora, que se deve impetrar o mandado de segurança, pois é
quem possui competência para corrigir a ilegalidade impugnada. Portanto,
o legitimado passivo é o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder,
ou seja, quem determina a execução do ato.
Mandado de segurança “ é a ação civil de rito sumaríssimo pela qual
qualquer pessoa pode provocar o controle jurisdicional quando sofrer
lesão ou ameaça de lesão a direito líquido e certo, não amparado por
habeas corpus nem habeas data, em decorrência de ato de autoridade,
praticado com ilegalidade ou abuso de poder”, conceito dado por
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em sua obra Direito Administrativo, 14ª
edição, pág. 636. (Grifos nossos).
Nesse caso, apesar de ser de competência da Câmara Municipal a
elaboração da lei, não cabe a ela atos executórios ou ordenatórios em
relação à cobrança do tributo. Sendo assim, acolho a preliminar de
ilegitimidade passiva da ora impetrada, Câmara Municipal de Pará de
Minas, excluindo-a da relação jurídica.
Do Mérito:
Processo em ordem. Presentes os pressupostos processuais específicos do
mandado de segurança, quais sejam, direito líquido e certo lesado ou
ameaçado de lesão, atos ilegais de autoridade que lesam direitos
subjetivos e comprovação dos fatos alegados.
Certo é que, controle de Constitucionalidade das leis pode ser realizado
pelo Juiz de Primeira Instância, mediante o caso concreto, tratando-se
nesse caso do controle difuso , momento em que declara-se
incidentalmente a falta de conformidade da lei em relação à Constituição
Federal.
Diferentemente do que ocorre quando trata-se de controle concentrado de
constitucionalidade, exercido por meio de ação direta, com eficácia
“erga omnes” e competência expressamente determinada na Constituição
Federal.
Assim, verificada a inconstitucionalidade da lei, o Juiz de Direito pode
perfeitamente declará-la incidentalmente, fazendo-se coisa julgada
“inter partis”, conforme vem decidindo os nossos tribunais.
27116459 – CONSTITUCIONAL – INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE.
CONFRONTO DE LEI ESTADUAL PERANTE A CARTA FEDERAL. POSSIBILIDADE DO
CONTROLE DIFUSO E DE SEU JULGAMENTO PELO TRIBUNAL ESTADUAL – TAXA –
FISCALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DELEGADOS – CONSTITUCIONALIDADE – 1.
No controle difuso, qualquer juiz poderá pronunciar a
inconstitucionalidade de Lei estadual perante a Constituição da
República, e, tratando-se de órgão fracionário do Tribunal, caberá
tal pronúncia ao Órgão Especial, nos termos do ART. 97 da CF/88,
consoante o incidente regulado nos artigos 480 e 481 do CPC. Não
importa, para tal arte, que, na via direta e concentrada, o Tribunal
local seja competente somente para pronunciar a inconstitucionalidade
perante a Constituição do Estado (ART. 125 PAR. 2, da CF/88), pois o
ART. 97 da CF/88 não é regra de competência, mas forma de julgamento da
questão constitucional, em virtude do quórum exigido em casos que tais.
Incidente conhecido. 2. Não infringe ao ART. 145 PAR. 2 da CF/88, a
fixação do valor da taxa de fiscalização dos serviços delegados pelo
Estado do Rio Grande do Sul (ART. 1, incisos II e VI, da Lei nº
11.073/97 e respectivo regulamento, Decreto nº 39.228/98), utilizando,
como base econômica da imposição, o faturamento das empresas
fiscalizadas, que não constitui sua base de cálculo, porque se tem
tributo fixo. Precedente do STF. Critério que se relaciona,
aproximadamente, com o custo da fiscalização. Votos vencidos. (29 fls)
5012897 – JCF.97 CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE DE NORMA
JURÍDICA – ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – A declaração de
inconstitucionalidade de norma jurídica incidenter tantum, e, portanto,
por meio do controle difuso de constitucionalidade, é o pressuposto para
o Juiz, ou o Tribunal, no caso concreto, afastar a aplicação da norma
tida como inconstitucional. Por isso, não se pode pretender, como o
faz o acórdão recorrido, que não há declaração de inconstitucionalidade
de uma norma jurídica incidenter tantum quando o acórdão não a declara
inconstitucional, mas afasta a sua aplicação, porque tida como
inconstitucional. Ora, em se tratando de inconstitucionalidade de norma
jurídica a ser declarada em controle difuso por Tribunal, só pode
declará-la , em face do disposto no artigo 97 da Constituição, o
Plenário dele ou seu Órgão Especial, onde este houver, pelo voto da
maioria absoluta dos membros de um ou de outro. No caso, não se observou
esse dispositivo constitucional. Recurso extraordinário conhecido e
provido. (STF –RE 179.170 – CE – 1ª T. – Rel. Min. Moreira Alves – DJU
30.10.1998 – p.15)
813584 - CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE – COMPETÊNCIA – “O
controle difuso de constitucionalidade de leis e atos normativos do
poder público, sejam eles municipais, estaduais ou federais, pode ser
exercido por todos os juízes incidenter tantum, com efeitos entre as
partes. Não pode ser confundido com o controle concentrado, exercido
por meio de ação direta, com eficácia erga omnes e cuja competência vem
expressamente delimitada nos arts. 102, I, “a”, e 125, § 2º , da
Constituição Federal” (AC nº 96.0010781-9, Mafra, Dês. Eder Graf).
Uma vez certificada a possibilidade do controle difuso pelo Juiz de
Primeiro Grau, resta analisar se houve realmente inconstitucionalidade
na Lei Municipal que disciplina a tributação do ISS, em relação a
serviços notariais e registrais.
Dada à natureza das atividade registrais e notariais, eminentemente
pública , já que são delegadas pelo Poder Público, qual seja, pelo
Estado, não pode o Município taxá-las.
11004051 – DIREITO FISCAL – ISS – ANULATÓRIA C/C DECLARATÓRIA –
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇOS PÚBLICOS – ISENÇÃO –
ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA SENTENÇA – PRECLUSÃO – Ação ordinária anulatória
c/c declaratória. Comprovada a prestação de serviço à empresa
concessionária de serviços públicos, isenta fica a empresa prestadora do
ISS – Despiciendo o argumento de nulidade da sentença por infundado,
acrescido, ainda, da preclusão da 11.082/93 – (Reg. 253) – Cód.
93.001.11082 – 5ª C. – Rel. Juiz Roberto de Souza Cortes – J.
15.12.1993) (Ementa 37309)
Por outro lado, os ditames da lei ferem o Princípio da Imunidade
tributária recíproca, previsto no art. 150, inciso VI, alínea “a” da
Constituição Federal, o qual prevê que não pode um ente público
instituir um imposto sobre serviços de outro.
“Art. 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados , ao Distrito Federal e aos
Municípios:
VI – instituir impostos sobre:
a) patrimônios, renda ou serviços, uns dos outros.”
Conclui-se portanto, que a Lei Municipal em questão, no que tange aos
itens 21 e 21.1, do anexo à referida lei, é realmente inconstitucional.
Isto posto, concedo a segurança, para impedir qualquer ato de
cobrança do imposto sobre serviços de qualquer natureza relativo às
atividades notariais e de registro dos impetrados, impedindo-se também
qualquer ato de lançamento do tributo.
Declaro, incidentalmente, inconstitucional os itens 21 e 21.1, do anexo
à Lei Municipal 4.335 de 23 de dezembro de 2003.
Remeta-se imediatamente cópia da sentença a digna autoridade impetrada.
Condeno os impetrados ao pagamento de custas.
Sem condenação de honorários advocatícios conforme Súmula 105 do STJ,
que confirma a Súmula 512 do STF.
Nos termos do art. 12, parágrafo único da Lei 1.533 de 1951, remeter de
ofício ao Egrégio Tribunal de Justiça.
Publicar. Registrar. Intimar.
Pará de Minas, 03 de março de 2004.
Cláudia Helena Batista
Juíza de Direito |