Mais um julgamento de mérito do ISS - Ipatinga/MG

COMARCA DE IPATINGA
VARA DA FAZENDA PÚBLICA E AUTARQUIAS
MANDADO DE SEGURANÇA N° 313.03.124.074-7


Vistos, etc...

MARIA MADALENA HERINGER CHAMON BARROS QUINTÃO, titular do Cartório de Protestos, WANDER DE BARROS QUINTÃO, titular do Primeiro Cartório de Notas, MILTON CÉSAR GOMES DE AGUIAR, titular do Segundo Cartório de Notas, ROSE MARY DE PAULA SOARES, titular do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais da sede da Comarca e JOUBER CIPRIANO GONÇALVES, titular do Cartório de Notas do Distrito de Barra Alegre, todos qualificados nos autos como Responsáveis pelos Cartórios Extrajudiciais desta Comarca de Ipatinga, vêm propor, através de seu digno advogado, o presente Mandado de Segurança Preventivo em face do Município de Ipatinga, na pessoa de seu Chefe do Executivo, em face de quem afirmam que estariam na iminência de sofrerem ato configurador de abuso de direito e ato de inconstitucionalidade para com seu direito líquido e certo, qual seja, o de exigir o pagamento de ISSQN por meio de Lei Municipal nº 2.033, de 9 de dezembro de 2003, onde, nos itens 21 e 21.1 da lista de serviços arrolados consta como passíveis de incidência do imposto, os serviços de registros públicos, cartorários e notariais.

Aduzem que a referida tributação é inconstitucional, por se ver que os serviços notariais e de registro, por definição constitucional, são serviços públicos que, embora delegados para particulares, não deixam de ter natureza jurídica de serviço público, não podendo, por isso, estarem englobados na incidência do ISSQN.

Produzem outros vários argumentos entendidos como persuasivos em face de sua tese, e, ao cabo, requerem que seja declarada em caráter definitivo a ilegalidade do dispositivo apontado, concedendo-lhe a segurança desejada.

Requerem liminar e acostam à inicial, peças de fls. 21/49, entre estas a cópia da Lei Municipal 2.033/2003 e também da Lei Complementar 116, de 31 de julho de 2003, que ensejou a exação infralegal que se ataca.

Indeferida a medida liminar pleiteada, em decisão atacada por agravo de instrumento não provido, prestaram-se as informações de fls. 71/76, onde se alegou preliminar de ilegitimidade passiva, porquanto não seria o Município e sim o seu prefeito a autoridade coatora.

Analisando o mérito, tem-se que os senhores tabeliães se insurgem contra a lei, eis que ainda não receberam notificação alguma para recolherem o tributo nela inserido.

Os entendimentos jurisprudenciais a respeito indicam o seguinte: (todos colacionados no Código anotado de Teotônio Negrão, 32ª edição).

1. “Para viabilizar o mandado de segurança preventivo, é necessária a ocorrência de situação concreta e objetiva indicativa de iminente lesão a direito líquido e certo” (TFR, 5ª Turma, MAS 112.033-SP, Rel. Min. Torreão Braz, j.22.06.88, “apud” bol.do TFR 158/23).

2. “Mesmo no mandado de segurança preventivo, não basta o simples risco de lesão a direito líquido e certo, com base apenas no julgamento subjetivo do impetrante. Impõe-se que a ameaça a esse direito se caracteriza por atos concretos ou preparatórios de parte da autoridade impetrada, ou ao menos indícios de que a ação ou omissão virá a atingir o patrimônio jurídico da parte”. (STJ – RDA – 190/171, maioria). No mesmo sentido: RSTJ 109/37).

3. “No mandado de segurança preventivo a grave ameaça tem que vir comprovada quando da impetração” (RSTJ 46/525).

4. “Processual Civil – Mandado de Segurança – Lei em tese – Questão controvertida – Necessidade de prova – Não cabe mandado de segurança contra lei em tese (Súmula 266 do STF) – MS nº 6.571 – DF.Rel.Min. Garcia Vilela. (RSTJ nº169/92).

Relembrando parte do conceito do writ esgrimido da lição de Hely Lopes, tem-se que o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante; se sua existência for duvidosa, se sua extensão ainda não estiver delimitada, se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança , embora possa ser defendido por outros meios judiciais. Quando a lei alude o direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior não é líquido nem certo, para fins de segurança.

Jurisprudências advindas de nossos Tribunais interpretam da seguinte maneira, casos em que são atacadas pelo mandamus preventivo, leis tidas como inconstitucionais:

MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO – Tributo – Impetração em virtude de edição de lei que cria ou aumenta tributo – Ato que pode criar situação de fato provocando receio tendente a sua cobrança – Medida preventiva que se funda em direito líquido e certo ao não permitir que o contribuinte espere que se concretize a cobrança do tributo – Admissibilidade (TFR – 2ª Reg.)

MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO – Impetração em decorrência de edição de lei que cria ou aumenta tributo – Admissibilidade – Hipótese em que não é necessário o contribuinte esperar a concretização de cobrança (TFR – 2ª Reg.)

MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO – Tributo – Hipótese em que a lei em tese pode trazer efeitos concretos – Contribuintes que impetram o writ para afastar o perigo de serem atingidos por uma norma que entendem indevida – Cabimento do mandamus (STJ).

Quanto à alegação de descabimento do Mandado de Segurança contra lei em tese, não merece acolhida, pois a legislação impugnada tem efeitos concretos, uma vez que a atividade da autoridade administrativa é vinculada. “Por leis e decretos de efeitos concretos entendem-se aqueles que trazem em si mesmos o resultado específico pretendido... Em geral, as leis, decretos e demais atos proibitivos são sempre de efeitos concretos, pois atuam direta e imediatamente sobre seus destinatários" (in Mandado de Segurança – Hely Lopes Meirelles, Malheiros, 1992, pág. 29).

Preleciona o Prof. Hugo de Brito Machado que: “Impetração contra lei em tese, porém, não se confunde com impetração preventiva. Se a lei já incidiu, ou se já foram praticados fatos importantes à configuração de sua hipótese de incidência, a impetração já é possível, e tem caráter preventivo, posto que a exigência do tributo ainda não ocorreu. Não há necessidade de comprovar a ameaça de tal exigência porque, sendo a atividade de lançamento vinculada e obrigatória, não é razoável presumir-se que a autoridade vai deixar de praticá-la. Pelo contrário, presume-se que ele vai cumprir a lei e, assim, fazer o lançamento. Daí o justo recelo justificador da impetração preventiva”. (Curso de Direito Tributário, Malheiros, 20ª edição, 2002, pág. 410).

Assim tem sido o entendimento jurisprudencial:

MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO – MATÉRIA TRIBUTÁRIA – CABIMENTO. É Cabível a impetração de Mandado de Segurança em matéria tributária, vez que a atividade administrativa é vinculada, não se tratando de interposição contra lei em tese.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.00000.00.346329-6/000 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – APELANTE(S): CURUPIRA S/A – APELADO(S): DIRETOR DEPTO. RENDAS IMOBILIÁRIAS MUNICÍPIO DE BH – RELATOR : EXMO. SR. DES. EDIVALDO GEORGE DOS SANTOS.


MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO – RECEIO DE EXIGÊNCIA TRIBUTÁRIA DESCABIDA – NATUREZA PREVENTIVA DO “MANDAMUS” – ESPECIFICAÇÃO DA EXIGÊNCIA VERBERADA – CONSEQÜENTE INCORRÊNCIA DE IMPETRAÇÃO CONTRA LEI EM TESE. Se o “mandamus” funda-se no receio de exigência tributária reputada descabida e Inconstitucional, tem a impetração natureza induvidosamente preventiva. Ademais, não há falar-se em impetração contra lei em tese, se especificada está aquela verberada exigência. (Ap. Cível 212.330-5 – Relator: Des. Hyparco Immesi).

Dito isso, tem-se, mais ainda, que é indubitável a natureza jurídica do serviço notarial, sem sombra alguma de dúvida, serviço público por excelência, mesmo que prestado por agente delegado.

E sendo serviço público de cristalina correspondência com o art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal (imunidade recíproca), veda aos entes públicos a instituição de tributos sobre o patrimônio, renda ou serviço uns dos outros.

Isto posto, afasto a preliminar e, no mérito, concedo a segurança buscada pelos senhores tabeliães dos cartórios extrajudiciais de Ipatinga, afastando eventual cobrança tributária de ISSQN prevista na Lei Municipal nº 2.033, de 09 de dezembro de 2003, sancionada pelo Sr. Prefeito Municipal de Ipatinga, por visualizar na mesma a inconstitucionalidade alegada, razão pela que passível de ser apreciada segundo os cânones do controle difuso.

Aduziu ainda a autoridade tida como coatora que não se pode impetrar mandado de segurança contra a lei em tese, mesmo porque toda lei guarda a presunção de constitucionalidade, havendo até uma súmula do STF, de nº 226, que prevê que não se pode admitir ameaça a direito por força da existência de norma legal, pois seria ordem contra o direito em tese. Afirma-se , noutro ponto, que há procedimento legal adequado para o questionamento da constitucionalidade da lei.

Ao final, pede seja extinto o feito de plano, por ilegitimidade passiva, denegando-se, afinal a segurança.

Opina o Ministério Público, em parecer de fls. 86/94, da lavra da sempre estudiosa e percuciente, Drª Lidiane Duarte Horst, primeiramente entendendo que a procede a preliminar apontada, de ilegitimidade passiva e que, com relação ao mérito, deve ser concedida a segurança porquanto devem-se entender inconstitucionais tanto a lei federal quanto a lei municipal que deram pela incidência do tributo em atividades praticadas pelos oficiais de notas e de registros e outras atividades cartorárias, que nada mais são do que serviços públicos e não serviços daqueles entes que têm atividades eminentemente econômicas como sociedade de economia mista e outras.

Relatados, decido:

Tratar-se de Mandado de Segurança que MARIA MADALENA HERINGER CHAMON BARROS QUINTÃO e outros impetraram em face do Município de Ipatinga, representado pelo Sr. Prefeito Municipal.

Sobre a Ação em si, cumpre trazer algumas considerações que se reputam fundamentais:

HELY LOPES MEIRELLES (Mandado de Segurança. São Paulo: Malheiros Editores, 1994, p.15) anota que “Mandado de Segurança é o meio constitucional posto à disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual ou universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça (CF, art. 5º , LXIX e LXX, Lei 1.533/51, art. 1º).”

De igual forma, a análise do mérito determina o exame do conceito de direito líquido e certo sobre o qual se ampara no mandamus. E é o mesmo HELY LOPES MEIRELLES (op. Citada, p. 25), quem leciona: “Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitada na sus extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante; se sua existência for duvidosa, se sua extensão ainda não estiver delimitada, se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais. Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior não é líquido nem certo, para fins de segurança.”

O caso presente indica que teria o Município, através de seu prefeito, sancionado lei que seria acoimada de inconstitucional, cometendo assim ato abusivo e ilegal.

Argumenta-se que os cartórios de notas e de registros são agentes que praticam atos sob delegação do Poder Público, equivalendo, assim, a seus agentes, o que atrairia o instituto da imunidade recíproca preconizada no artigo 150, VI da Constituição da República.

Semelhante pedido de segurança faz-me consignar aqui o que publicou no volume 102, de março de 2004, o tributarista Aroldo Gomes de Matos, quando chamou a atenção para os últimos textos legislativos de caráter tributário que têm sido votados no Brasil e fazendo com que não mais se tenha qualquer segurança jurídica tributária, haja vista as constantes arbitrariedades legislativas.

Escreveu aquele conhecido tributarista:

“Tema atual e de sublime relevância para o País, com importantes reflexos nas nossas relações internacionais, quer sob o ponto de vista político, econômico ou financeiro, merece a segurança jurídica tributária que o Estado brasileiro oferta atualmente a seus contribuintes profundas e acuradas reflexões. Isto porque, no nosso sistema legal imperam diversas máculas desconformadoras dessa segurança, que estão a exigir, portanto, as impostergáveis corretivas que se fazem necessárias. (...) São crônicos os motivos pelos quais padecem nossos contribuintes das” incertezas e contradições que conduzem todos ao manicômico jurídico tributário”, na clássica crítica de Alfredo Augusto Becker, feita há quase trinta anos, modernamente denominado por Sacha Calmon Navarro Coelho como “bordel jurídico tributário”. Por oportuno, impende ressaltar que essas incertezas e contradições vêm ocasionando, ao longo do tempo, notáveis e enormes transtornos ao normal desempenho das atividades empresarias, provocando, conseqüentemente, expressivos danos à economia e ao progresso da nação, inclusive com o afastamento dos investidores institucionais brasileiros e estrangeiros. É uma tendência mórbida e um preço caro e injusto que todos pagam por esses transtornos, próprios do nosso subdesenvolvimento. Decorrem eles, sabidamente, da incontida fúria arrecadatória, que se prevalecem dos seguintes fatores negativos: - das leis que instituem cobranças com ilegalidade e inconstitucionalidades; das leis que tentam contornar decisões do STF; das decisões judiciais que são proferidas com excessiva demora; das decisões judiciais que são periclitantes e prestigiam princípios constitucionais menores em detrimento dos maiores ; das decisões judiciais que modificam iterativa jurisprudência e da corrupção fiscal ativa e passiva que grassa Brasil afora”.

Devemos dizer que não comungamos com todos os adjetivos lançados pelo tributarista comentado, mas, uma realidade da qual não se consegue afastar é aquela que faz perceber que o legislador parece procurar suprir a falta de meios desenvolvimentistas – gerador de recursos – por leis que buscam tão somente arrecadar, como se os recursos pudessem, - como num passe de mágica – sair dos bolsos do contribuinte porque somente ele é quem seria o beneficiado por todos os benefícios que o Estado proporciona, esquecendo-se que é do próprio Estado a função de encontrar meios para fazer desenvolver a economia e assim trazer recursos para suprir as suas próprias necessidades.

Mas, no caso presente, nesta ação mandamental, tem-se que, primeiramente, analisar a preliminar argüida pela parte tida como coatora, que se diz ilegítima para figurar no pólo passivo.

Realmente, todos os entendimentos que são projetados a respeito da parte equivocadamente apontada pelo impetrante, são de que o juiz deve extinguir de plano o processo, ao invés de admitir que a pessoa jurídica possa substituir a pessoa que em nome dela agiu e assim figurar na relação processual.

Entendendo que cada caso é um caso e de que pouco importa que se aponte como autoridade coatora o Município ou o Prefeito, afasto a alegada ilegitimidade passiva invocada, mesmo porque o writ é um processo e, portanto, também um meio e não um fim em si mesmo.

Custas pelos impetrados, descabendo condenação em honorários, nos termos das súmulas 512 do STF e 127 do STJ.

Decisão sujeita ao duplo grau de jurisdição, nos termos do parágrafo único, do art. 12, da Lei 1.533/51.

Publique-se, registre-se, intimem-se.

Ipatinga, 03 de maio de 2004.

José Geraldo Hemétrio
Juiz de Direito