- O fato gerador do ITCD incidente sobre o excedente de meação de bem imóvel
somente ocorre mediante o registro da sentença homologatória da partilha no
registro imobiliário, nos termos do que dispõe a lei civil.
Reexame Necessário Cível n° 1.0145.04.159256-2/001 - Comarca de Juiz de Fora
- Remetente: Juiz de Direito da Vara de Fazenda da Comarca de Juiz de Fora -
Autora: Soraia Bueri de Barros - Réu: Oficial do Cartório do 2º Ofício de
Registro de Imóveis de Juiz Fora - Relator: Des. Elias Camilo
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, sob a Presidência da Desembargadora Teresa Cristina
da Cunha Peixoto, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da
ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em
reformar a sentença, no reexame necessário.
Belo Horizonte, 6 de maio de 2010. - Elias Camilo - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
Proferiu sustentação oral, pela autora, a Dr.ª Raquel Carvalho Menezes.
DES. ELIAS CAMILO - Sr. Presidente. Ouvi, com atenção, a sustentação oral
produzida pela ilustre advogada e a parabenizo por sua estreia nesta
tribuna.
Registro que recebi memorial oferecido por parte do Escritório Décio Freire
e Associados a que dei a devida atenção.
Trata-se de reexame necessário da sentença de f. 116-120, que, acolhendo os
embargos de declaração, atribuiu-lhes efeitos infringentes para conceder a
segurança pleiteada por Soraia Bueri de Barros no mandamus impetrado em face
do Oficial do Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis, determinando,
após o trânsito em julgado, a expedição de alvará para levantamento do
depósito por ela efetuado à f. 94.
Parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça às f. 137-140 opinando pela
confirmação da sentença.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, procedo ao reexame necessário
da sentença nos termos do parágrafo único do art. 12 da Lei 1.533/51.
Primeiramente, urge ressaltar que o mandado de segurança é remédio
constitucional de natureza extraordinária, destinado, unicamente, à defesa
de "direito líquido e certo [...] quando o responsável pela ilegalidade ou
abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no
exercício de atribuições do Poder Público" (art. 5º, LXIX, da Constituição
da República).
Sobre o que seria direito líquido e certo, assim discorre o mestre Hely
Lopes Meirelles:
"Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência,
delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração.
Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de
segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os
requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for
duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício
depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à
segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.
Quando a lei alude a direito líquido e certo, está exigindo que esse direito
se apresente com todos os requisitos para seu reconhecimento e exercício no
momento da impetração. Em última análise, direito líquido e certo é direito
comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem
certo, para fins de segurança" (Mandado de segurança. 18. ed. São Paulo:
Malheiros, 1997, p. 34-35).
Conclui-se, da citação acima transcrita, que apenas aqueles direitos
plenamente verificáveis sem a necessidade de qualquer dilação probatória é
que ensejam a impetração do mandado de segurança, não se admitindo, para
tanto, os direitos de existência duvidosa, decorrentes de fatos ainda não
determinados.
Pois bem. No caso sob exame, discute-se a exigência do recolhimento do ITCD
supostamente incidente sobre o excedente de meação para fins da averbação,
requerida em 2004, da partilha de bens homologada por sentença em ação de
separação judicial consensual transitada em julgado em 21.06.1996.
Sustenta a impetrante, em síntese, que a Lei Estadual 9.752/89, vigente à
época do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, não
previa o excedente de meação como fato gerador do ITCD, sendo que as Leis
12.456/96 e 14.931/03, que passaram a fazê-lo, são inaplicáveis ao caso por
força dos princípios da irretroatividade e anterioridade, não podendo
alcançar fatos pretéritos e não podendo incidir apenas pelo fato de ter sido
a averbação solicitada em 2004. Pela eventualidade, acrescenta que teria
havido decadência/prescrição do direito de exigir o ITCD, considerando-se
como fato gerador do tributo a data do trânsito em julgado da decisão que
homologou a separação.
Na sentença de f. 116-120, por considerar que com o trânsito em julgado da
sentença homologatória se tornou imutável o acordo celebrado entre as partes
e que, na época, não havia ainda a obrigação tributária, concluiu o Juízo a
quo que não deveria haver a incidência do tributo, tomando como fato gerador
o ato da homologação da partilha.
Com a devida vênia, entendo, todavia, que razão não assiste à impetrante.
Nos termos do art. 144 do CTN, o lançamento rege-se, quanto aos elementos
estruturais da obrigação tributária, pela lei vigente à data da ocorrência
do fato gerador.
Por sua vez, conforme o disposto no art. 114 do CTN, fato gerador "é a
situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência". Em
outros termos, é a descrição legal de um fato abstrato que, uma vez
acontecido na realidade, constitui a obrigação tributária.
A regra matriz do ITCD está formulada no art. 155, I, da CF, que outorga
competência para os Estados e o Distrito Federal instituírem imposto sobre
transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens e direitos, devendo o
exercício da competência tributária pelo ente competente observar os limites
dessa norma, além das normas gerais estabelecidas no CTN, que estabelece,
dentre outras, uma regra para a interpretação de institutos, conceitos e
formas de direito privado utilizados pela Constituição, prescrevendo a
impossibilidade de alteração de seu conteúdo (art. 110 do CTN).
Dessa forma, ao que interessa ao deslinde da presente questão, para efeito
de aferir o fato gerador do ITCD, deve ser considerado o disposto nos arts.
530 a 534 do Código Civil brasileiro de 1916 - com correspondência
legislativa aos arts. 1.245 a 1.247 do CC/02, que manteve praticamente o
mesmo sistema anterior - estabelecendo que a transmissão de bens imóveis por
ato inter vivos somente ocorre com o registro do instrumento no cartório do
registro de imóveis.
Destarte e considerando o que estabelece o art. 116 do CTN, o fato gerador
do ITCD, que é a transmissão de propriedade, quando se tratar de doação por
ato inter vivos de bem imóvel, somente ocorre mediante o registro do título
no registro imobiliário.
A jurisprudência tem-se manifestado nesse sentido em relação ao ITBI,
julgados que, mutatis mutandis, se aplicam ao caso em exame:
``[...] O fato gerador do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis ocorre com
o registro da transferência da propriedade no cartório imobiliário, em
conformidade com a lei civil. Precedentes [...]'' (REsp 771.781/SP, Rel.ª
Min.ª Eliana Calmon, Segunda Turma, j. em 12.06.2007, DJ de 29.06.2007, p.
540).
"[...] A jurisprudência do STJ assentou o entendimento de que o fato gerador
do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem
imóvel. Somente após o registro, incide a exação. [...]" (AgRg no Ag
448.245/DF, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. em 21.11.2002, DJ de
09.12.2002, p. 309).
"[...] O fato gerador do ITBI só se aperfeiçoa com o registro da transmissão
do bem imóvel. Precedentes: AgRg no Ag nº 448.245/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJ
de 09.12.2002; REsp nº 253.364/DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de
16.04.2001; e RMS nº 10.650/DF, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de
04.09.2000. [...]'' (REsp 863.893/PR, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira
Turma, j. em 17.10.2006, DJ de 07.11.2006, p. 277).
Aplicando o raciocínio supra ao caso em exame, tem-se que, a hipótese,
portanto, não é aplicável à legislação que estava em vigor à data do
trânsito em julgado da sentença que homologou a separação judicial, por não
ser este o fato gerador do tributo, não podendo prevalecer, assim, a
pretensão da impetrante de escusar-se do pagamento do ITCD pelo excedente de
meação, que, vale acrescentar, é mesmo considerado "doação", por atender à
previsão do art. 538 do CC.
Diante de tais considerações, em reexame necessário, reformo a sentença para
denegar a segurança, devendo ser mantido o depósito do imposto, que converto
em arrecadação, para que se proceda à averbação do registro do imóvel.
Custas, pela impetrante.
Sem honorários, por força do comando da Súmula nº 512 do STF.
DES. BITENCOURT MARCONDES - Sr. Presidente. Também registro minha atenção às
palavras da ilustre advogada e, em razão de uma dúvida que me surgiu, peço
vista.
Súmula - PEDIU VISTA O REVISOR, APÓS O RELATOR EM REEXAME NECESSÁRIO
REFORMAR A SENTENÇA.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
Assistiu ao julgamento, pela Autora, a Dr.ª Raquel Carvalho Menezes.
DES.ª PRESIDENTE (TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO) - O julgamento deste
feito foi adiado na sessão do dia 14.01.2010, a pedido do Revisor, após
votar o Relator, em reexame necessário, reformando a sentença.
Com a palavra o Des. Bitencourt Marcondes.
DES. BITENCOURT MARCONDES - Sr.ª Presidente. Analisei os autos e cheguei à
mesma conclusão do eminente Relator.
DES. EDGARD PENNA AMORIM - Sr.ª Presidente. Peço vista dos autos.
Súmula - RECURSO PROVIDO PELO RELATOR E PELO REVISOR. PEDIU VISTA O VOGAL.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
Assistiu ao julgamento, pela autora, o Dr. Thiago Silva Syrio Vital.
DES.ª PRESIDENTE (TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO) - O julgamento deste
feito foi adiado na sessão do dia 14.01.2010, a pedido do Revisor, após
votar o Relator, em reexame necessário, reformando a sentença
Foi novamente adiado na sessão do dia 04.03.10, a pedido do Vogal, após
votar o Revisor provendo o recurso.
Com a palavra o Des. Edgard Penna Amorim.
DES. EDGARD PENNA AMORIM - Sr.ª Presidente, cumprimento o ilustre advogado
pela sustentação oral e, louvando-me também pelos subsídios que o memorial
oferecido pela autora me proporcionou, passo a proferir o meu voto.
Pedi vista dos autos em sessão passada e acompanho o em. Relator, apenas lhe
pedindo licença para tecer algumas considerações.
Entendo, de fato, que o aspecto temporal da hipótese de incidência do ITCD
nas doações de bens imóveis deve ocorrer com a transcrição do imóvel no
registro imobiliário. Confiram-se, a respeito, as palavras de Leandro
Paulsen, acerca do aspecto temporal da hipótese de incidência do ITCD nas
doações:
"Na doação de bens imóveis, o fato gerador somente ocorrerá no momento da
efetiva transcrição realizada no Registro de Imóveis, sendo impertinente o
preceito que determine o recolhimento antes da celebração da respectiva
escritura pública" (In PAULSEN, Leandro; Melo, José Eduardo Soares de.
Impostos federais, estaduais e municipais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007, p. 202/203).
Registre-se que, ainda que a legislação estadual previsse devesse o imposto
ser recolhido quinze dias após o trânsito em julgado da sentença, a
legislação infraconstitucional não pode alterar o conteúdo e alcance dos
institutos de direito privado utilizados pela Constituição da República de
1988 para definir competências (art. 110 do CTN), sendo certo que a doação
de bens imóveis, nos termos do Direito Civil, só ocorre com a respectiva
transcrição no registro imobiliário.
No que se refere à alegação de decadência, esta não ocorreu, mesmo porque se
entende que o fato gerador se dá apenas no momento da transcrição no
registro imobiliário, e não quando da homologação da partilha.
Em face do exposto, em reexame necessário, reformo a sentença para denegar a
segurança.
Custas recursais, ex lege.
Súmula - REFORMARAM A SENTENÇA, NO REEXAME NECESSÁRIO.
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