A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a
maternidade socioafetiva deve ser reconhecida, mesmo no caso em que a mãe
tenha registrado filha de outra pessoa como sua. “Não há como desfazer um
ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade daquela que, um
dia, declarou perante a sociedade ser mãe da criança, valendo-se da verdade
socialmente construída com base no afeto”, afirmou em seu voto a ministra
Nancy Andrighi, relatora do caso.
A história começou em São Paulo, em 1980, quando uma imigrante austríaca de
56 anos, que já tinha um casal de filhos, resolveu pegar uma menina
recém-nascida para criar e registrou-a como sua, sem seguir os procedimentos
legais da adoção – a chamada “adoção à brasileira”. A mulher morreu nove
anos depois e, em testamento, deixou 66% de seus bens para a menina, então
com nove anos.
Inconformada, a irmã mais velha iniciou um processo judicial na tentativa de
anular o registro de nascimento da criança, sustentando ser um caso de
falsidade ideológica cometida pela própria mãe. Para ela, o registro seria
um ato jurídico nulo por ter objeto ilícito e não se revestir da forma
prescrita em lei, correspondendo a uma “declaração falsa de maternidade”. O
Tribunal de Justiça de São Paulo foi contrário à anulação do registro e a
irmã mais velha recorreu ao STJ.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, se a atitude da mãe foi uma manifestação
livre de vontade, sem vício de consentimento e não havendo prova de má-fé, a
filiação socioafetiva, ainda que em descompasso com a verdade biológica,
deve prevalecer, como mais uma forma de proteção integral à criança. Isso
porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea – com base no afeto
– deve ter guarida no Direito de Família, como os demais vínculos de
filiação.
“Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em
relação de afeto teria o condão de extirpar da criança – hoje pessoa adulta,
tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo – preponderante fator de
construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a
identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em
face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente
patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares” disse a
ministra em seu voto, acompanhado pelos demais integrantes da Terceira
Turma. |