As margens de rios navegáveis são de domínio público e portanto não são
passíveis de indenização, mesmo que o proprietário da área tenha título
legítimo. Essa foi o entendimento da Segunda Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) em processo referente à desapropriação de terras na divisa
entre São Paulo e Mato Grosso do Sul, para construção de uma hidrelétrica. A
Turma seguiu por unanimidade o entendimento do relator do processo, ministro
João Otávio de Noronha.
O processo trata da indenização pela desapropriação de parte de propriedade
rural para as obras da hidrelétrica de Porto Primavera, pela concessionária
Companhia Energética de São Paulo (CESP). A sentença de primeira instância
entendeu que a área que margeia o rio deveria ser parte da área total a ser
indenizada, por ser considerada “servidão administrativa” com base no Código
de Águas de 1934. A CESP recorreu ao Tribunal de Justiça do Mato Grosso do
Sul (TJMS), alegando que a perícia seria vinculada ao juiz e, portanto, sua
apreciação seria invalida. Também foi alegado incorreção na taxa de juros
compensatórios fixada para a indenização, de 12% ao ano e o mesmo valor para
juros moratórios.
O TJMS rejeitou a primeira alegação, confirmando que a área citada deveria
ser indenizada pelos mesmos valores fixados em outras desapropriações feitas
na região. O tribunal também considerou o valor de 12% para os juros
compensatórios adequado. No caso dos moratórios, o TJ os reduziu para a taxa
legal fixada para desapropriações no artigo 162 do Código Civil (CC), que é
de 6%.
A concessionária de energia recorreu ao STJ, afirmando haver violação aos
artigos 5º, inciso XXIV e 20, incisos I e III da Constituição Federal. O
inciso do artigo 5º define as regras da desapropriação por utilidade pública
e os incisos do artigo 20 para lagos, rios, etc... que banhem mais de um
estado como bens da União. Também haveria desrespeito à súmula 479 do
Supremo Tribunal Federal (STF), que define as margens dos rios navegáveis
como de domínio público e, por isso, excluídas de indenizações.
Também foi alegada infração à Medida Provisória 1577 de 1997, que determina
uma taxa de 6% de juros compensatórios. Por fim, teria ocorrido ainda
julgamento extra petita (além do pedido), já que o valor concedido pelo juiz
seria acima do valor pedido na ação.
Inicialmente em seu voto, o ministro João Otávio Noronha não analisou a
violação aos artigos constitucionais e nem o alegado julgamento extra petita,
este último por não ter sido prequestionado (tratado na sentença anterior).
O ministro considerou não ter havido ofensa à súmula 479 do STJ, porque
existe documento idôneo comprovando a propriedade. No caso dos juros, foi
apontado que após decisão do STF sobre a matéria, os juros voltaram a ser de
12% ao ano.
Em seu voto-vista o ministro Herman Benjamin, acompanhou o entendimento do
ministro Noronha em relação à suposta ofensa aos artigos da Constituição, já
que o STJ seria incompetente para tratar dessa matéria. Também acompanhou no
que se referia ao julgamento extra petita. Entretanto, o magistrado divergiu
na questão da ofensa à súmula 479 e da indenização de terrenos reservados.
Ele considerou que a Constituição de 1988 teria revogado várias leis
federais referentes ao domínio de cursos d’água e terrenos reservados. As
margens de rios que banhem mais de um estado seriam de domínio público, e o
particular não poderia, de forma alguma, adquirir tais terrenos. Portanto, o
título de propriedade referente seria inexistente do ponto de vista legal. O
ministro Herman Benjamin considerou que o interessado poderia entrar com
ação indenizatória no caso de terrenos adquiridos antes da última
Constituição.
Após o voto-vista do ministro Herman Benjamin, o ministro João Otávio
retificou sua decisão no que se referia a indenização aos terrenos na margem
do rio. O ministro manteve o voto no que se referia à taxa de juros.
Processos:
Resp 508377
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