Mandado de segurança - Compra e Venda - Bem imóvel - CND - Abuso de poder - Município

 

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

MANDADO DE SEGURANÇA - REEXAME NECESSÁRIO - BEM IMÓVEL - COMPRA E VENDA - CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO - INDEFERIMENTO - AUTORIDADE PÚBLICA - ABUSO DE PODER - ILEGALIDADE - MUNICÍPIO - CUSTAS - ISENÇÃO


Ementa: Direito constitucional. Direito tributário. Mandado de segurança. Expedição de guias de ITBI e certidões negativas de débitos sobre imóveis. Indeferimento administrativo. Contribuinte em débito fiscal. Cobrança de tributo. Ato coercitivo. Ilegalidade. Custas processuais. Municipalidade. Isenção.

- Se sobre os imóveis que a impetrante pretende alienar não recai débito tributário, não pode a Municipalidade impedir a transação imobiliária com vistas a receber outros tributos que não se relacionam com a referida alienação.

- Os entes públicos da administração direta e indireta dispõem de privilégio legal, consubstanciado em isenção das custas processuais.

Reexame Necessário ndeg. 1.0707.04.082741-2/002 - Comarca de Varginha - Remetente: Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública e da Infância e Juventude da Comarca de Varginha - Autora: Z & K Empreendimentos Imobiliários Ltda. - Réus: Secretário Municipal da Fazenda de Varginha e outro - Relator: Des. Moreira Diniz

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em reformar parcialmente a sentença.

Belo Horizonte, 26 de abril de 2007. - Moreira Diniz - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

DES. MOREIRA DINIZ - Cuida-se de reexame necessário ante sentença do MM. Juiz da Vara da Fazenda Pública e da Infância e Juventude da Comarca de Varginha, que concedeu a segurança impetrada por Z & K Empreendimentos Imobiliários Ltda. contra atos do Secretário Municipal de Finanças e do Prefeito Municipal de Varginha.

A impetrante alega que tem por objeto social a implantação de loteamentos; que vem negociando lotes de terrenos mediante venda à vista, ou por meio de compromisso particular de compra e venda, em que a escritura é lavrada ao final do pagamento das parcelas do preço, na forma prevista na Lei 6.766/79; que, nos referidos compromissos de compra e venda, ficou estabelecido que os promitentes compradores são os responsáveis pelo pagamento do IPTU dos lotes adquiridos; que alguns dos promitentes compradores deixaram de efetuar o pagamento do IPTU; que a Fazenda Pública Municipal está negando a emissão de guias de ITBI e de certidão de negativa de débito por imóvel, ao fundamento de há outros débitos lançados; que não procede o condicionamento da expedição da guia de ITBI ou mesmo do fornecimento da certidão negativa de débito sobre o imóvel pela Fazenda Pública Municipal à quitação de débitos fiscais de outra natureza, diversos e sem nenhum liame com o imóvel alienado; que o ato está a impossibilitar o exercício de suas atividades; que tem direito líquido e certo a ter expedida a guia para recolhimento de ITBI incidente sobre as vendas dos lotes, independentemente de estar em dia com os débitos de IPTU, principalmente em relação a imóveis distintos do alienado, bem como o de ter a expedição de CND por imóvel; que a Fazenda Pública tem os meios legais para cobrar eventual débito da impetrante.

As autoridades coatoras prestaram informações, nas quais alegam que, nos termos do art. 205 do Código Tributário Nacional, o Município de Varginha editou a Lei 2.872/92, segundo a qual, quando da alienação de imóveis, é exigida do alienante a apresentação de certidão negativa, e não simplesmente certidão do imóvel; que a referida lei visa salvaguardar a arrecadação tributária, impedindo que o alienante se desfaça do seu patrimônio, acarretando prejuízo à Fazenda Pública; que a impetrante é devedora de diversos tributos municipais; que o contribuinte, ao praticar atos de alienação de imóveis, no mais das vezes, não é devedor do Município apenas em relação ao IPTU, mas também em relação ao ISS e taxas municipais, razão por que se exigir apenas certidão do imóvel implicaria deixar sem proteção os créditos relativos aos demais tributos; que as convenções particulares relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos não podem ser opostas à Fazenda Pública.

A sentença concedeu a segurança, e determinou às autoridades coatoras que, "no interesse da impetrante, se abstenham de condicionar a expedição de guias para recolhimento de ITBI, bem como de certidões negativas de débitos a recolhimentos de tributos outros que não digam respeito ao imóvel que se esteja a alienar, caso a caso" (f. 93). Por fim, os impetrados foram condenados ao pagamento das custas processuais.

Passo ao reexame necessário.

De início, ressalto que o mandado de segurança não está discutindo a responsabilidade pelo recolhimento do IPTU referente aos lotes alienados pela impetrante. Assim, é inócua a alegação de que "as convenções particulares relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes" (f. 81/82).

O que se discute é o ato de condicionar a expedição de guias de recolhimento de ITBI e certidão negativa de débitos por imóvel à comprovação de quitação, por parte da impetrante, de todos os tributos devidos ao Município de Varginha.

O fato de o contribuinte estar em débito com a Fazenda Pública municipal não é motivo para impedi-lo de alienar imóveis, caso os tributos que recaem sobre os referidos bens tenham sido quitados. Com efeito, não é porque a impetrante deve ao Município de Varginha a Taxa de Fiscalização e Funcionamento (f. 76) que será impedida de realizar sua atividade comercial. A atividade econômica da impetrante não pode ser prejudicada pela recusa da Administração de expedir as guias de ITBI e certidões negativas de débitos de imóveis. Se sobre os imóveis que a impetrante pretende alienar não recai débito tributário, não pode a Municipalidade impedir a transação imobiliária com vistas a receber outros tributos que não se relacionam com a referida alienação.

A Administração Pública possui outros meios coercitivos para obrigar o contribuinte a cumprir suas obrigações tributárias principais ou acessórias. Mesmo porque, sem a alienação dos imóveis, sobre os quais não recai débito, repise-se, não há atividade; sem atividade, não há renda; e, sem renda, mostra-se impossível o pagamento de qualquer dívida, inclusive tributária.

Portanto, a negativa de expedição das certidões individualizadas dos imóveis e das respectivas guias de ITBI constitui abuso de autoridade, caracterizando infração dos direitos e garantias constitucionais.

Aliás, conforme decidiu o Sentenciante, "é evidente que a irregularidade fiscal de outros imóveis, ainda que de propriedade da impetrante, não pode consistir em obstáculo ao fornecimento dos documentos necessários à transferência de imóvel alienado que se encontre com todos os tributos devidamente quitados" (f. 89).

Os contribuintes têm direito de comerciar, podendo realizar defesa, no âmbito administrativo, quanto às pretensões de crédito da Fazenda Pública, sendo-lhes, ainda, assegurado o acesso ao Poder Judiciário para apresentação de defesa judicial, em obediência ao devido processo legal.

Para arrematar, lembro que o Supremo Tribunal Federal já pacificou o tema com a Súmula 70, que dispõe ser inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo; havendo, também, a Súmula 323, que prevê a inadmissibilidade de apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos; e, finalmente, a Súmula 547, que menciona a ilicitude do fato de a autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.

No que diz respeito às custas processuais, é de se reconhecer que os entes públicos da administração direta e indireta dispõem de privilégio legal (art. 10 da Lei Estadual 14.939/03), consubstanciado em isenção dos referidos encargos, devendo, nesse aspecto, ser reformada a decisão monocrática. Por outro lado, o art. 12, SS 3º, da mesma lei, é expresso no sentido de que as despesas judiciais serão reembolsadas, ao final, pelo vencido, ainda que este seja ente público da administração direta ou indireta. Dessa forma, restando vencido o Município de Varginha, deve arcar com as custas processuais previamente recolhidas pela vencedora.

Com tais apontamentos, reformo parcialmente a sentença, apenas para isentar a Municipalidade do pagamento de custas, excetuadas aquelas adiantadas pela parte vencedora.

Custas do reexame necessário, pela Municipalidade; isenta, por força de lei.

DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES - Trata-se de reexame necessário da decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Varginha, que, nos autos do mandado de segurança impetrado por Z&K Empreendimentos Imobiliários Ltda., em face do Secretário Municipal da Fazenda de Varginha, concedeu a segurança pleiteada, para determinar aos impetrados que se abstenham de condicionar a expedição de guias para recolhimento de ITBI, bem como de condicionar a emissão de certidões negativas de débitos a recolhimentos de tributos outros que não digam respeito ao imóvel que se esteja a alienar.

Ao final condenou os impetrados em custas processuais.

Não houve interposição de recurso voluntário.

Parecer do ilustre Procurador de Justiça às f. 100/101, opinando pela confirmação da decisão.

Analisando a questão controvertida nos autos, acompanho o Relator para, em sede de reexame necessário, reformar parcialmente a sentença, para isentar a Municipalidade do pagamento de custas processuais, apresentando, tão-somente, as seguintes razões:

O mandado de segurança é uma ação prevista na Constituição da República visando proteger direito líquido e certo do impetrante, não amparado por habeas corpus ou habeas data, contra ato de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica, no exercício de atribuições públicas, eivado de ilegalidade ou abuso de poder.

Nessa seara, ressalte-se que ato de autoridade, na lição de Hely Lopes Meirelles, in Mandado de segurança, 23. ed., Editora Malheiros, p. 32/33, pode ser assim conceituado:

"Ato de autoridade é toda manifestação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las. Por autoridade entende-se a pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída pela norma legal".

O caso dos autos versa sobre o condicionamento da expedição das certidões negativas de débito e expedição de guias de recolhimento de ITBI ao adimplemento de todos os tributos junto ao Município de Varginha.

É cediço que a certidão negativa é utilizada como meio para confirmar que sobre o imóvel, objeto da alienação, paira alguma dívida tributária, não podendo a Administração Pública condicionar sua emissão à quitação de outros débitos que não se referem ao objeto da citada alienação.

Nesse sentido, determina o art. 205 do CTN:

"Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido.

Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do requerimento na repartição".

Em consonância com esse artigo, o Decreto nº 93.240/86, que regulamenta a Lei nº 7.433/85, determina em seu art. 1º, SS 2º:

"SS 2º As certidões referidas na letra a do inciso III deste artigo somente serão exigidas para a lavratura das escrituras públicas que impliquem a transferência de domínio, e a sua apresentação poderá ser dispensada pelo adquirente que, neste caso, responderá, nos termos da lei, pelo pagamento dos débitos fiscais existentes".

Assim, a exigência do legislador para concessão das certidões negativas é tão-somente a comprovação de quitação do débito tributário relativo à transação imobiliária, não cabendo ao intérprete restringir e condicionar o direito do requisitante à quitação de outros tributos que existem com a Municipalidade.

Ademais, como ressaltou o ilustre Relator, a Administração Pública possui outros meios para obrigar o contribuinte a quitar os débitos devidos, não sendo o meio hábil a negativa da expedição das guias para recolhimento de ITBI e da certidão negativa de débito referente à alienação do bem.

Nesse sentido, já se posicionou este Tribunal:

"Mandado de segurança. Alienação de imóveis. Exigência constante de lei municipal no sentido de exigir-se, no ato da escritura, certidão de quitação de tributos municipais em nome do alienante, não apenas com relação ao ato de transmissão e ao imóvel transacionado. Exigência coativa de tributos outros estranhos ao bem imóvel. Ilegalidade e abuso da autoridade fiscal. Segurança concedida. Sentença confirmada no reexame, prejudicada a apelação" (Apelação Cível nº 1.0707.02.053522-5/003, José Francisco Bueno).

"Mandado de segurança - Expedição de guia de recolhimento do ITBI - Recusa indevida - Alienação do imóvel obstada - Segurança concedida. - Não procede o condicionamento da expedição da guia de recolhimento do ITBI pela Fazenda Pública municipal à quitação de débitos fiscais de outra natureza, diversos e sem nenhum liame com o imóvel alienado" (Apelação Cível nº 1.0000.00.297488-9/000, Antônio Carlos Cruvinel).

"Mandado de segurança - Recusa injustificada de expedição de guia indispensável para alienação de imóvel - Ofensa a direito líquido e certo - Segurança concedida. - Ofende direito líquido e certo do impetrante o condicionamento de quitação de débitos fiscais não relacionados ao imóvel alienado, para liberação de guias e certidões indispensáveis à conclusão de sua transferência" (Apelação Cível nº 1.0707.03.070554-5/001, Edilson Fernandes).

No que tange à condenação em custas processuais, estabelece o art. 10, inciso I, da Lei Estadual nº 14.939, de 2003:

"São isentos do pagamento de custas:

I - a União, o Estado de Minas Gerais e seus Municípios e as respectivas autarquias e fundações".

Nessa monta, sobre a matéria em análise, dispõe o art. 14, inciso I, do Provimento Conjunto nº 03/2005, da Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais, que "são isentos do pagamento e recolhimento de custas a União, o Estado de Minas Gerais, seus Municípios e as respectivas autarquias e fundações".

Nessa seara, o Aviso nº 058, de 2005, também da Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais, tece a seguinte orientação:

"A União, o Estado de Minas Gerais, os Municípios, as Autarquias e Fundações são isentos perante o Judiciário Estadual do pagamento de custas processuais, assim definidas no art. 4º da Lei Estadual nº 14.939/2003, mas não o são em relação às despesas intermediárias realizadas no processo judicial, tipificadas no art. 5º do mesmo diploma legal, incluindo neste elenco as despesas postais, inclusive em ações de execução fiscal".

Mediante tais considerações, é de se concluir pela isenção da Fazenda Pública no pagamento de custas processuais.

Isso posto, pelas razões ora aduzidas, na esteira do posicionamento do ilustre Relator, em sede de reexame necessário, reformo parcialmente a sentença.

Custas, ex lege.

DES. ALMEIDA MELO - De acordo.

Súmula - REFORMARAM PARCIALMENTE A SENTENÇA.

 

Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 17/10/2007

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