- Restando comprovado que a área que foi loteada não possuiu fins urbanos, e
sim rurais, não é possível imputar aos apelados os crimes da Lei 6.766/79,
por ausência de elementar do tipo, uma vez que a lei especial somente se
aplica para solo com fins urbanos.
- Não há como impor aos réus a condenação pelo crime previsto no art. 38 da
Lei 9.605/98, pois, ainda que tenha havido algum dano à área de preservação
permanente, tal conduta não pode ser imputada aos agentes, pois os acusados
solicitaram autorização ao IEF e averbaram as áreas de preservação
permanente junto ao Registro de Imóveis, sendo que as alterações foram
realizadas após a venda dos terrenos.
Recurso improvido.
Apelação Criminal n° 1.0338.03.013701-6/001 - Comarca de Itaúna - Apelante:
Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Apelados: Ana Paula Gonçalves
de Souza, Marco Túlio Gonçalves de Souza, Construtora Estrutural Ltda.,
Oliveira Gonçalves Engenharia Empreendimentos Ltda. - Relator: Des. Antônio
Armando dos Anjos
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça
do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em não prover o recurso.
Belo Horizonte, 1º de setembro de 2009. - Antônio Armando dos Anjos -
Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. ANTÔNIO ARMANDO DOS ANJOS - Perante o Juízo da Vara Criminal da Comarca
de Itaúna, Ana Paula Gonçalves de Souza, Marco Túlio Gonçalves de Souza,
Construtora Estrutural Ltda. e Oliveira Gonçalves Engenharia e
Empreedimentos Ltda., alhures qualificados, foram denunciados pela prática
dos crimes previstos nos arts. 50, I e III e parágrafo único, I, da Lei nº
6.766/79 e art. 38 da Lei nº 9.605/1998.
Quanto aos fatos, narra a denúncia de f. 02/05 que, no dia 20.11.2002, foi
constatado por policiais militares que os denunciados "efetuaram loteamento
do solo para fins urbanos sem autorização do órgão público, destruindo com
isso floresta considerada de preservação ambiental. Além do ocorrido, os
mesmos fizeram comunicação ao público, ocultando fraudulentamente fato
relativo à legalidade do loteamento e ainda venderam lotes não registrados
no Registro de Imóveis competente".
Regularmente processados, ao final, sobreveio a r. sentença de f. 350-353,
julgando improcedente a pretensão punitiva Estatal, absolvendo os réus das
imputações que lhes foram feitas na denúncia.
Inconformado com a r. sentença condenatória, a tempo e modo, apelou o
Ministério Público (f. 355). Em suas razões recursais, bate-se o Parquet (f.
368/391) pela condenação dos acusados nas iras do art. 50, I e III, da Lei
6.766/79 e art. 38 da Lei 9.605/98.
O recurso foi devidamente contra-arrazoado, pugnando a defesa pela
manutenção da sentença (f. 395/398).
Nesta instância, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra
da Dr.ª Camila Teixeira (f. 403/408), il. Procuradora de Justiça opina pelo
provimento do recurso.
No essencial, é o relatório.
Presentes os pressupostos de admissibilidade e processamento, conheço do
recurso apresentado.
Não foram arguidas preliminares e, não vislumbrando nos autos qualquer
irregularidade que deva ser declarada de ofício, passo ao exame do mérito da
apelação.
Como visto alhures, busca o apelante a condenação dos apelados pelos crimes
que lhes foram imputados na denúncia.
A meu ver, em que pesem os argumentos apresentados pela il. Promotora de
Justiça, não há como acolher o pedido de condenação dos acusados pelos
delitos previstos nos art. 50, I e III, da Lei 6.766/79 e art. 38 da Lei
9.605/98.
Ora, mesmo que dúvidas não existam quanto ao fato de que os réus tenham
feito o loteamento do terreno denominado Fazendinha Vale dos Ypês e vendido
algumas glebas, suas condutas não caracterizam o crime previsto no art. 50,
I e III, da Lei 6.766/79.
A Lei 6.766/79 disciplina o parcelamento do solo urbano, visando controlar o
crescimento das cidades, evitando um desenvolvimento urbanístico
descontrolado.
Por sua vez, os tipos penais imputados aos apelados, previstos no art. 50 da
Lei 6.766/79, dispõem que:
"Art. 50. Constitui crime contra a Administração Pública:
I - dar início de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do
solo para fins urbanos sem autorização do órgão público competente, ou em
desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinente do Distrito
Federal, Estados e Municípios;
[...]
III - fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao
público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade do loteamento
ou desmembramento do solo, para fins urbanos ou ocultar fraudulentamente
fato a ele relativo".
Logo, a conduta punível dos crimes em análise se tipifica quando presente o
elemento "solo para fins urbanos", entendendo este como o espaço territorial
para onde se expandem as cidades e recebem o contingente humano.
Distinguindo urbano de rural, preleciona Marco Aurélio S. Viana:
"A rigor, urbano quer aludir ao perímetro, ou às zonas situadas nos limite
de uma cidade, de uma vila, ou, mesmo, de uma povoação, destinada
exclusivamente às construções, ou casas de moradia. E, neste particular, é
que se distingue do rural, indicativo das áreas de terreno próprias a
culturas agrícolas, ou às criações, ou às criações de animais e destinadas,
a esse fim''. (VIANA, Marco Aurélio. Comentários à lei sobre parcelamento do
solo urbano: doutrina, jurisprudência, prática. 2. ed. rev. ampl. São Paulo:
Saraiva, 1984.)
Na espécie, ao contrário do sustentado pelo Órgão de Acusação, de acordo com
os laudos de f. 119/162 e 302/307, as áreas tinham destinação rural. A
propósito, oportuna a transcrição de trechos do contido nos citados laudos:
"Não foram verificados, junto à Prefeitura, quaisquer requerimentos de
empreendedores do loteamento Chácara Fazendinha Vale dos Ipês e/ou Fazenda
das Peixotas e/ou Alphaville dos Ipês. A aprovação de projeto junto à
Prefeitura não foi necessária devido ao fato de que o projeto proposto é
caracterizado como sendo um parcelamento de um determinado terreno em glebas
rurais, sendo estas, em projeto, todas superiores a 2.0 ha, valor mínimo
exigido pelo Incra para caracterização de um módulo rural. (f. 120).
[...]
Apesar da fragmentação das glebas em áreas inferiores a 2.0 ha e do fato de
que o abastecimento de água se dá de forma pública e individual, com
presença de hidrômetro, as áreas em questão não podem ser caracterizadas
como urbanas, em função destas não apresentarem implantadas no mínimo
quatro, dos sete itens a seguir: abastecimento de água, esgotamento
sanitário, iluminação pública, coleta de lixo, pavimentação, local para
disposição de resíduos sólidos e drenagem pluvial. No empreendimento, em
questão, verifica-se apenas o abastecimento de água fornecido pelo SAAE.
Outro fator a ser considerado é a utilização das glebas parcelas para fins
agrícolas, como plantação de cereais, e hortaliças. A área em questão
apresenta toda uma atmosfera característica de uma área rural; a maioria
destas são administradas por pequenos lavradores, que plantam em várias
glebas com a finalidade de se auto-sustentar" (f. 122).
Logo, restando constatado que a área que foi loteada não possuiu fins
urbanos, e sim rurais, não é possível imputar aos apelados os crimes da Lei
6.766/79, por ausência de elementar do tipo, uma vez que a lei especial
somente se aplica para solo com fins urbanos.
Da mesma forma, não há como impor aos réus a condenação pelo crime previsto
no art. 38 da Lei 9.605/98.
Com efeito, ainda que tenha havido algum dano à área de preservação
permanente, tal conduta não pode ser imputada aos apelados, pois, da análise
dos documentos de f. 196/197, conclui-se que os acusados solicitaram
autorização ao IEF e averbaram as áreas de preservação permanente junto ao
Registro de Imóveis.
Em verdade, pelo que se afere dos boletins de ocorrência de f. 09/31, foram
os compradores das glebas que realizaram intervenções nos terrenos, causando
danos nas áreas de preservação permanente.
Os próprios proprietários em seus depoimentos prestados perante a autoridade
policial (f. 43, 47/48, 50/51, 52/53 e 58) confessam que realizaram obras
nos terrenos, alegando, contudo, que não tinham conhecimento de que era
necessário ter uma licença junto ao órgão competente. Informam, ainda, que
foram multados pela prática da conduta ilícita.
Não bastasse isso, registre-se que consta no contrato de compra venda dos
terrenos (f. 62-69) cláusula obrigando o comprador "a preservar, de forma
permanente, o percentual de 20% (vinte por cento) da área em mata nativa
sobre o seu terreno, ficando também responsável em obter junto aos órgãos
competentes licença para efetuar o desmate do restante da área".
Dessa forma, tendo em vista o princípio da livre convicção motivada,
sedimentado em nosso sistema processual, diante das provas colhidas ao longo
da instrução criminal, verifico que as mesmas são por demais frágeis a
autorizar um decreto condenatório, já que escudadas em simples indícios de
autoria. É nesse sentido a orientação pretoriana:
"Em matéria de condenação criminal, não bastam meros indícios. A prova da
autoria deve ser contundente e estreme de dúvida, pois só a certeza autoriza
condenação no juízo criminal. Não havendo provas suficientes, a absolvição
do réu deve prevalecer" (TJMT - AP - Rel. Paulo Inácio Dias Lessa - RT
708/709; apud FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (coords.). Código de
Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial. 7. ed. rev., atual. e
ampl., São Paulo: Editora RT, 2001, v. 2, p. 1.717).
"Não estando suficientemente demonstradas as provas da materialidade,
autoria e o elemento subjetivo, simples indícios do ilícito não são
suficientes para um juízo condenação" (TRF 2ª Reg. - AP - Rel. Alberto
Nogueira - RT 725/675; ob. cit., p. 1.717).
Oportuno lembrar o dizer de Malatesta:
"[...] para legitimar a absolvição, não ocorre a certeza da inocência,
bastando julgá-la possível, dentro da incerteza da culpabilidade" (MALATESTA,
Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria criminal. 2. ed. Trad.
Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 2001, p. 48-49).
Além disso, uma decisão condenatória, pela gravidade de seu conteúdo, deve
estar lastreada, sempre, no terreno firme da certeza, calcada em prova
segura que forneça a consciência da realidade dos fatos, convencendo da
culpabilidade do acusado. Sobre o assunto, confira-se a orientação
jurisprudencial:
"Em matéria de condenação criminal, não bastam meros indícios. A prova da
autoria deve ser contundente e estreme de dúvida, pois só a certeza autoriza
condenação no juízo criminal. Não havendo provas suficientes, a absolvição
do réu deve prevalecer" (TJMT - AP - Rel. Paulo Inácio Dias Lessa - RT
708/709; apud FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (coords.). Código de
Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial. Editora Revista dos
Tribunais, v. 2, p. 1.717).
"Não estando suficientemente demonstradas as provas da materialidade,
autoria e o elemento subjetivo, simples indícios do ilícito não são
suficientes para um juízo condenação" (TRF 2ª Reg. - AP - Rel. Alberto
Nogueira - RT 725/675; apud FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui (coords.).
Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial. Editora
Revista dos Tribunais, v. 2, p. 1.717).
Na esteira dos precedentes citados, nunca é demais repetir que uma
condenação penal exige prova certa, robusta e induvidosa da autoria, da
materialidade e da culpabilidade dos agentes, pois ninguém pode ser
condenado com base em provas contraditórias e inseguras.
Fiel a essas considerações e a tudo mais que dos autos consta, meu voto é no
sentido de se negar provimento ao recurso, mantendo, incólume, a r. sentença
por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Custas, ex lege.
É como voto.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Fortuna Grion e Jane
Silva.
Súmula - RECURSO NÃO PROVIDO. |