LOTEAMENTO - IMÓVEL IDENTIFICADO POR
DEMARCAÇÃO - REGISTRO DE TERCEIROS POR ALIENAÇÃO DO CONFRONTANTE -
INEFICÁCIA - DESNECESSIDADE DE ATO MATERIAL DE CANCELAMENTO - MP - APELAÇÃO
- O MP é parte legítima para atuar e recorrer em processo de dúvida do
registro de imóvel.
-Se o confrontante alienou lotes que não faziam parte do seu quinhão,
qualquer matrícula e registro são atos ineficazes e não carecem de
cancelamento material.
- Identificado o imóvel, e estando preenchidos os requisitos do loteamento,
não se lhe pode negar o registro.
Apelação Cível n° 1.0024.08.233442-6/001 - Comarca de Belo Horizonte - 1º
apelante: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - 2os apelantes:
Jorge Ferraz, espólio de; Istria Zauli Ferraz, espólio de - Apelado: Oficial
do Cartório 1º Registro de Imóveis de Belo Horizonte - Relator: Des. Ernane
Fidélis
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em negar provimento a ambos os recursos.
Belo Horizonte, 16 de junho de 2009. - Ernane Fidélis - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
Proferiu sustentação oral, pelo 2º apelante, o Dr. Jacob Lopes de Castro
Máximo.
DES. ERNANE FIDÉLIS - Trata-se de duas apelações. Abordarei, em primeiro
lugar, a que foi apresentada pelo Ministério Público.
Primeira apelação.
Para efeito de se indagar sobre a legitimidade de atuação e recursal do MP,
há de se fazer, no presente caso, a seguinte distinção: a duplicidade de
matrícula e registro pode importar em questionamento sobre a possibilidade
de se fazer o registro do loteamento, bem como também de se questionar sobre
o direito, porventura existente, para os que anteriormente o registraram. Na
primeira hipótese, creio que o MP, como fiscal da lei, tem plena
legitimidade de atuar no feito e de recorrer, já que sua atuação tem por
finalidade a observância da prática de ato de interesse público, que é o ato
registral; na segunda hipótese, não tendo autorização de agir como
substituto processual de possíveis prejudicados, não teria legitimidade de
atuação nem de recurso. Por tais razões, seu recurso deve ser recebido,
quando demonstrado está sua preocupação apenas com a validade formal do ato.
DES. EDILSON FERNANDES - De acordo com o Relator.
DES. MAURÍCIO BARROS - De acordo com o Relator.
DES. ERNANE FIDÉLIS - Admito que S.Exa. tem plena razão quando afirma que
necessário se faz dar fim a esta novela, mas, com a vênia devida, no meu
modesto entender, julgo que a novela, na realidade, existe, porque está
sendo mal interpretado o direito.
Em preliminar, deve-se observar que S.Exa., o Oficial do Registro de
Imóveis, em vez de suscitar dúvida, e até de certa forma deselegante,
solicitou provimentos judiciais, como se estivesse a fazer corrigendas à
atuação judicial, determinando ao Julgador procedimentos que entende
corretos, como se fosse autoridade hierarquicamente superior ao próprio
juiz. No entanto, se há decisões contraditórias que não está a entender,
bastaria o pedido de esclarecimento, e não a requisição de ordem de ação,
especificando o comportamento judicial necessário.
Não há nenhuma autoridade do senhor Oficial do Registro em determinar que o
Juiz expeça mandado e faça rebusco procedimental, próprio da atividade
registral e não judicial.
Lamenta-se que S.Exa. não se atenha à afirmação de que tem dúvida de se
fazer ou não o registro do loteamento, que é sua única função.
Lembra-se, no direito brasileiro, principalmente depois da célebre polêmica
entre Soriano Neto e Filadefo Azevedo, que a transcrição não gera presunção
absoluta de propriedade, mas apenas relativa. Nesse caso, a questão de
cancelamento de registro é decorrência de reconhecimento ou não de direito,
e nunca confirmação ou não de que o direito existe. Nesse caso, conforme bem
expresso no art. 214 da Lei 6.015/73, consideram-se inválidas as
transcrições, independentemente de ação direta, desde que a nulidade seja de
pleno direito.
O art. 214, acima citado, é sintomático, porque, embora se referindo à
nulidade de pleno direito, fala em invalidação independentemente de ação
direta, o que quer significar que, desde que se dispense processo para
desconsiderar o ato, este é inteiramente ineficaz. Se ineficaz, torna-se de
evidência palmar que qualquer ato material de supressão de expressões de
registro é irrelevante. Considerados ineficazes, os registros é como se não
existissem, embora possam até enfeitar a prateleira documental do cartório.
Está havendo interessante informação de que, julgada a demarcação entre dois
prédios e devidamente registrada nos termos do art. 167, n. 23, da Lei de
Registros Públicos, apenas aquela estaria na disciplina da transcrição. No
entanto, como bem foi asseverado pelo d. Sentenciante, às f. 395, "A dúvida
pronunciada pelo ilustre e digno Oficial de Registro de Imóveis é com
relação à hipótese de possível duplicidade de registros e matrículas sobre
uma única base territorial. A princípio, parece-me superada essa
dificuldade, uma vez que o imóvel no seu todo já se encontra registrado no
nome do espólio". Outro não podia ser o entendimento, porque, declarada a
constituição dos imóveis confrontantes, com a linha de confrontação
estabelecendo a indiscutibilidade dos limites da propriedade do espólio,
poderiam ter até ocorrido alienações parciais anteriores, mas,
evidentemente, para serem válidas, realizadas pelo real proprietário e não
pelo confrontante, cujo domínio estaria além da faixa demarcatória
reconhecida. No caso, se alguma venda houve, patrocinada pelo referido
confrontante, seria a non domino e, consequentemente, com ineficácia tal que
chegaria às barras da própria inexistência.
Quanto ao aspecto registral, pois, para se reconhecer o domínio exclusivo do
suscitado, nenhum ato material precisa ser praticado, mesmo porque sem
qualquer finalidade prática é cancelar o que não existe; basta que se
considere inexistente o que, aparentemente, teve forma de existência.
Quanto ao aspecto processual, ainda que se pudesse atribuir interesse na
suscitação da dúvida e na apelação, que, evidentemente, seria dos terceiros
prejudicados, certo é que a coisa julgada não beneficia nem prejudica o
terceiro. No entanto, como bem lembra Enrico Túlio Liebman, se, entre o
terceiro e as partes, há relação de direito material que seria prejudicada,
evidente que o terceiro não deixa de se submeter aos efeitos da decisão: "O
prejuízo que dela recebem é prejuízo legitimo, e a coisa julgada entre as
partes se refere a eles como coisa julgada relativamente a eles. Pressupõe
isso, todavia, subordinação do terceiro à parte, subordinação que é
determinada pelo direito substantivo e se explica pela própria estrutura da
relação jurídica e pelas relações dos vários sujeitos acerca da mesma
relação, pelas conexões e interferências entre mais relações jurídicas, em
virtude das quais as vicissitudes de uma influem sobre as da outra, isto é,
quando a referencia em determinada relação, se encontra o terceiro em
relação subordinada relativamente à parte, a esta cabe a legitimação
processual exclusiva para aquela relação, e a decisão, intervindo nesta
ultima, é também para o terceiro plenamente vinculante" (Eficácia e
autoridade da sentença. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 93). É como se o
não proprietário perdesse a reivindicatória, sofrendo seu locatário, em
consequência, o efeito da decisão no seu contrato de locação.
Na hipótese em julgamento, se, em ação demarcatória, processada e julgada
entre as partes legitimadas, ou seja, entre os confrontantes,
estabeleceu-se, pela linha demarcada, a propriedade de cada um, qualquer ato
de disposição que tenha um deles realizado com referência à parte que não é
de seu quinhão se prejudica, porque perde a base fática de direito material,
ou seja, o pretenso domínio de quem alienou.
No caso dos autos, pois, o que importa é que o titular do domínio solicitou
em cartório o registro de loteamento de imóvel, identificado em todo único,
como sendo de sua exclusiva propriedade.
Todos os requisitos para o loteamento estão formalmente preenchidos. Nesse
caso, se o imóvel é devidamente identificado e se encontra dentro da
limitação legalmente traçada, não há que se negar o registro na forma da
lei, e, se algum terceiro se julgar com direito de fazer prevalecer algum
ato registral que lhe diz respeito, que discuta, em procedimento próprio, a
ele referente, sua pretensão, não se estendendo tais prerrogativas nem ao
Oficial do Registro nem ao órgão do MP, pelo que, nesses termos, nego
provimento ao recurso.
Sem custas, por ser recurso do MP.
DES. EDILSON FERNANDES - Sr. Presidente. Registro que ouvi, com bastante
atenção, a brilhante sustentação oral proferida pelo Dr. Jacob Lopes de
Castro Máximo e que recebi do ilustre advogado substancioso memorial, ao
qual dediquei a mesma atenção.
Embora reconhecendo o zelo do ilustre representante do Ministério Público de
1º grau, o voto que V.Exa. acaba de proferir esgota toda a matéria sob o
aspecto jurídico e didático, de forma que qualquer acréscimo que se fizesse,
agora, seria absolutamente ineficaz.
Assim, adotando inteiramente os fundamentos do voto ora proferido, também
nego provimento ao recurso.
DES. MAURÍCIO BARROS - Sr. Presidente. Também nego provimento ao recurso,
pedindo permissão a V.Exa. para adotar os fundamentos de seu judicioso voto
que contém, na verdade, uma aula a respeito da matéria discutida no feito.
DES. ERNANE FIDÉLIS - Segunda apelação.
Pouco se tem a dizer sobre a apelação dos suscitados, porque o procedimento
é de dúvida, sendo impróprio para exame de qualquer pretensão de
cancelamento de ato registral, ainda que inútil e ineficaz, pelo que nego
também provimento ao recurso.
Custas, pelo apelante.
É o meu voto.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Edilson Fernandes e
Maurício Barros.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS.
|