ISS - Concedida liminar em João Pessoa/PB

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA PARAÍBA JUÍZO DE DIREITO DA 7ª VARA DA FAZENDA PLANTÃO JUDICIÁRIO / JANEIRO 2004

VISTOS OS AUTOS,

Trata-se de MANDADO DE SEGURANÇA, impetrado por GARIBALDI JOSÉ DE SOUZA, qualificado, em companhia de outros Oficiais Registradores, com vistas a ver sanada alegada cobrança ilegal de imposto sobre serviços tomando por base o item '21", subitem "21.01", da lista anexa à Lei Complementar Federal n. 116, de 31.07.2003, que amplia o rol de incidência daquele tributo, abarcando a prestação de serviços notariais e registrais,

Dirigindo a impetração em face do Exmo. Sr. Dr. CÍCERO DE LUCENA FILHO, Prefeito Constitucional de João Pessoa, alegam os Impetrantes, dentre outras coisas, que a cobrança malfere princípios constitucionais, como a imunidade tributária recíproca, considerando os serviços notariais e registrais como de natureza pública, por delegação do Poder Público Estadual e também da absoluta impossibilidade de ser tomada como fato gerador do ISS a cobrança do emolumento de cartório, já que o mesmo ostenta a condição de tributo [taxa], definido em Lei.

Requerem a concessão de liminar, para sustar a cobrança de ISS pelos páramos estabelecidos pela Lei Complementar Municipal n. 32, de 30.12.2003, que abeberou-se, em sua redação, no texto inconstitucional da LC Federal n. 116, de 31.07.2003, até julgamento da Impetração.

Decido (CF, art. 93, IX].

PANORAMA LEGAL

A Lei Complementar n. 116, de 31.07.2003, sancionada pelo Presidente Luiz Ignácio Lula da Silva, ampliou as hipóteses de incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, engordando a lista de serviços tributáveis de 108 para 203 itens, incluindo, aí, os emolumentos (ad', 236, § 2° da CF] auferidos pelos atos praticados por oficias notariais e registrais e com a seguinte redação:

“21 - Serviços de registros públicos, cartorários¹ e notariais. 21.01 - Serviços de registros públicos, cartorários e notariais".
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¹ Utilizando terminologia inadequada, pois não existem mais serviços “Cartorários", mas sim, "notariais e registrais", de acordo com a redação dada à lex legum de 1988.

A Associação Nacional dos Notários e Registradores ingressou com ação declaratória de inconstitucionalidade do item n. "21, subitem 21.01 ", feito que tomou o registro nº. 3.089, naquele Alto Sinédrio, estando no aguardo de deliberação do Relator, Ministro Carlos Ayres Britto, acerca do pedido de liminar sustatória dos efeitos do aludido Diploma.

De antemão, nota-se uma identidade de fundamentos entre o pedido deduzido junto ao STF e aquele deduzido na presente ação mandamental, conforme pudemos averiguar, na homepage da Corte Federal, no link "notícias", de 06.01.2004,

Em João Pessoa, a Câmara Municipal aprovou e o Exmo. Sr. Prefeito sancionou a LC n° 032, de 30.12.2003, que tão-somente adaptou o Código Tributário Municipal [LC n° 02, de 17.12.1991 ] ao novo regime de imposição do ISS, com a ampliação dos itens tributáveis, conforme remissão expressa contida no artigo 10.

Passo a deliberar sobre o que se pede, em sede liminar, na proemial.

A ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE NA TRIBUTAÇÃO DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS PELO MUNICÍPIO.

Informa a Constituição da República² que a prática dos serviços próprios dos Notários e Registradores é remunerada com o emolumento estabelecido em tabela, o qual já possui a natureza tributária de taxa, conforme já restou decidido pelo Colendo STF, ao exame da ADI 1.378, cuja Relatoria coube ao I. Ministro Celso de Mello:

"A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em conseqüência, quer no que concerne a sua instituição e majoração, quer no que se refere a sua exigibilidade, ao regime jurídico- constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias especiais (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, [c] da isonomia e (d} da anterioridade".

A natureza jurídico-tributária do emolumento só é mais realçada com a leitura do art. 5º, da Lei Federal n. 10.169, de 29.12.2000, que assim dispõe, em seu art. 5°:

“Art. 5º - Quando for o caso, o valor dos emolumentos poderá sofrer reajuste, publicando-se as respectivas tabelas, até o último dia da ano, observado o princípio da anterioridade”.
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² Art. 236 - Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2° - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.


Também o art. 79, do Código Tributário Nacional, em seu inciso II, preceitua serem objeto de tributação, através de taxas, os serviços públicos referenciados no art. 77 ³, da mesma Lei, ou seja, "II - específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas" . Ora, reputamos o serviço notarial e registral como sendo essencial para o grande público, afetando-o em todos os quadrantes da vida civil, daí porque, não é ociosa a redação dada ao aludido inciso, ao referir-se a "utilidade" e "necessidade" públicas.

DA IMPOSSIBILIDADE DE TRIBUTAÇÃO DE TRIBUTO

Sendo o ISS um imposto de competência dos municípios e o emolumento praticado pelos Notários e Tabeliães, também um tributo, mas com natureza distinta - a de taxa 4 - seria, a nosso sentir, descabida que este servisse de fato gerador para aquele, o que afrontaria, em tese, a CF. Admití-lo seria arrostar por terra a regra do art. 77, parágrafo único, do C.T.N., segundo o qual, "a taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto, nem ser calculada em função do capital das empresas".

DA ALEGADA OFENSA À IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA DOS ENTES FEDERADOS, ESTABELECIDA PELO ART. 150, DA LEX LEGUM

De fato, a Lei Municipal que veio regulamentar a LC 116 parece-nos, numa análise superficial, própria do exame de liminares em plantões judiciários, afrontosa ao Princípio da Imunidade Tributária recíproca, estatuído no art. 150, VI, “a", assentado o caráter público dos serviços notariais e registrais.

Giza a CF:

“Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI - instituir impostos sobre:
Patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros.”

DO CARÁTER PÚBLICO DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS

Ora, se o serviço notarial e registral é prestado em caráter privado, mas sob delegação do Estado da Paraíba, somente a este ente estatal incumbiria a tributação, nunca ao Município. A própria ADI suso referenciada reconhece o caráter público dos serviços a carga de delegação estatal, do modo seguinte:
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³ Art. 77 - As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
Parágrafo único - A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto, nem ser calculada em função do capital das empresas
4 Disciplinada em seu valor e cobrança pela Lei Estadual n. 5.672, de 17 de novembro de 1992, que dispõe, em seu artigo 1º: As custas pelos atos judiciais e os emolumentos pelos atos notariais e de registro, serão cobrados de acordo com este Regimento e suas tabelas anexas'.


"...a atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo, a um regime jurídico de direito público".

Compartimos, neste particular, a opinião de W. CENEVIVA, para quem "notários e registradores são profissionais do direito, mas praticantes de serviço do interesse público" e ainda mais que "o serviço notarial e de registros atribui garantia às pessoas naturais ou jurídicas.., a garantia referida é, ainda, própria do serviço público. Gera responsabilidades para o Estado e para os titulares dos respectivos serviços...” (In "Lei dos Notários e dos Registradores Comentada”, ed. Saraiva, 1996, lª ed., pág. 24).

Assim, em sendo atividade de regime jurídico de direito público, sujeitando-se a sua remuneração aos princípios norteadores dos tributos em geral, entendemos, ao menos numa visão apriorística da matéria, assistir razão aos Promoventes, configurando-se atentatória à ordem constitucional a exação de ISS sobre serviço público delegado pelo Estado. Neste diapasão, destoaria das princípios Insculpidos na CF o § 3º, do art. 10, da LC Municipal n. 032/2003, o qual prevê, de um modo genérico, a tributação de serviços objeto de concessão, permissão e autorização de ente público, repetindo os dizeres da LC 166, mas sem especificar quais seriam estes serviços, já que só poderia tributar aqueles pertencentes à sua atuação típica, eventualmente objeto de concessão, permissão ou autorização, nunca, de delegação.

Isto porque, considerando que a lei não pode conter “palavras inúteis", verificamos que o texto da LC 166, em seu art. 1º, § 3º, não inclui no rol de serviços tributáveis aqueles objeto de “delegação", mas sim, de "concessão", "autorização" ou permissão", o que vem a ser bem diferente, já que, na hipótese, o nomem iuris faz toda a diferença, porquanto Delegação [CF, art. 236) não se confunde com autorização, permissão ou concessão de serviço público (arts. 21 e 223], pois estas referem-se ao implemento de algumas atividades típicas ou não da Administração, marcadas pela sua atuação material (construção, conservação, expansão de serviços de índole econômica) e não, eminentemente jurídica, como é o caso dos Tabelionatos.

Assim, numa visão pertunctoria da matéria contenciosa, verifica-se que o legislador municipal acolheu in totum o texto da LC 116, mas não poderia, em tese, aplicá-lo ao Registrador Civil estabelecido neste Município, pois o seu serviço não é prestado em razão de autorização, concessão ou permissão do Poder Público Estadual.

ENFIM, DA RELEVÂNCIA DA ALEGAÇÃO

Ante todo o considerado, tenho como relevantes as alegações trazidas com a inicial.

POSSÍVEL INEFICÁCIA DO PROVIMENTO MANDAMENTAL, EM CASO DE PROTRAIMENTO DO EXAME DA LIMINAR

Inexistirá, em caso de deferimento da medida liminar, prejuízo para os cofres municipais, já que sempre poderá valer-se do procedimento executório competente para cobrar atrasados, em caso de denegação da competência.

Por outro lado, também deve ser lembrado que a cobrança de ISS sobre os emolumentos dos notários e registradores implicaria numa eventual inviabilização de sua atividade, com a possível majoração das tabelas respectivas e repasse para os usuários que procuram certidões, autenticações, lavraturas de protestos, etc., resultando, última ratio, em tornar mais dificultoso o acesso ao aparelho judiciário e ofensa ao art. 5o, XXXV, da Lei Maior.

DIANTE DO EXPOSTO, DEFIRO a liminar, para, em conseqüência, SUSPENDER, até final decisão, a cobrança de ISS sobre os serviços notariais e registrais, rnercê da promulgação da Lei Complementar Municipal n. 32, de 31.12.2003, que prevê tal exação, em seu artigo 10, o qual faz remissão à lista anexa à LC Federal 116, em seu item “21”, subitem “21.01”..

OFICIE-SE ao Excelentíssimo Senhor Prefeito Constitucional, para que dê implemento à medida liminar e preste as informações que reputar necessárias ao julgamento do mandamus, encaminhando-se-lhe cópias da inicial e de todos os documentos que instruem.

CUMPRA-SE, Ciência ao RMP,

João Pessoa, quarta-feira, 14 de janeiro de 2004,

Marcos Aurélio Pereira Jatobá Filho
Juiz de Direito Plantonista


Fonte: Site da ANOREG-BR - 20/01/2004