Jurisprudência Cível - Ligação do serviço de energia elétrica - Área de preservação permanente

APELAÇÃO CÍVEL - LIGAÇÃO DO SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA - DIREITO DO ADMINISTRADO - PRINCÍPIO DA GENERALIDADE - ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - AUTORIZAÇÃO DE USO DO ÓRGÃO AMBIENTAL - POSSE PRECÁRIA - AUSÊNCIA DE PROVA - SITUAÇÃO CONSOLIDADA - QUESTÃO A SER DIRIMIDA EM AÇÃO PRÓPRIA

- Constitui direito subjetivo do administrado o acesso à energia elétrica, serviço público de natureza essencial, desde que existente viabilidade técnica, sendo obrigatória a prestação pela concessionária do serviço adequado, observado, entre outros, o princípio da generalidade, abrangendo a maior amplitude possível de interessados e observando a isonomia.

- A localização do terreno em área de preservação permanente não impede o seu uso, mas apenas sujeita o exercício da propriedade ou da posse a determinadas restrições ambientais. Hipótese em que há autorização do IEF/MG para que a Cemig realize as ligações de energia elétrica nas unidades relativas a intervenções concluídas antes de 2002, tratando-se de ocupação antrópica consolidada.

- A alegação de irregularidade da posse, destituída de prova, não inviabiliza a ligação, presumindo-se legítima a posse consolidada, sendo que a questão possessória está sendo discutida em ação própria.

Recurso provido.

Apelação Cível n° 1.0701.07.192273-9/003 - Comarca de Uberaba - Apelante: Jairo César Melo - Apelada: Cemig Geração Transmissão S.A. - Relatora: Des.ª Heloísa Combat

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento.

Belo Horizonte, 29 de setembro de 2009. - Heloísa Combat - Relatora.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES.ª HELOÍSA COMBAT - Conheço do recurso, presentes os seus pressupostos subjetivos e objetivos de admissibilidade.

Trata-se de apelação cível interposta por Jairo César Melo contra a r. sentença do MM. Juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Uberaba que julgou improcedentes seus pedidos na ação que move contra a Cemig Geração Transmissão S.A., objetivando a ligação de energia elétrica em rancho de sua posse.

O digno Sentenciante fundamentou que a ocupação do imóvel é irregular e que se encontra situado em área de preservação ambiental, resultando precária e ilícita a posse.

O autor pretende que o imóvel que utiliza para fins de lazer com sua família seja provido de energia elétrica. Com a inicial, foram apresentados documentos que demonstram os pedidos administrativos feitos pelo pleiteante à Cemig nesse sentido, bem como as respostas enviadas.

Em uma das respostas às solicitações do requerente, a concessionária informou que, caso a propriedade se enquadre no programa "Luz para Todos", as instalações seriam feitas sem ônus para o interessado e que, caso houvesse urgência na execução da obra, o cliente poderia contratar a construção de rede na modalidade particular, arcando com o custo total da obra, sendo sua participação restituída pela Cemig oportunamente (f. 38).

Com fulcro na expectativa de ter acesso ao serviço de fornecimento de energia elétrica em seu rancho, o autor firmou com a empresa Arruda Engenharia Ltda., empreiteira cadastrada pela Cemig, contrato de prestação de serviços para a instalação de um transformador monofásico e outros equipamentos necessários para a transmissão da energia (f. 39/40).

O projeto elaborado pela empreiteira foi devidamente aprovado pela Cemig, sendo liberada a sua realização em 03.01.2006 (f. 42).

Quanto ao fato de o imóvel estar localizado em área de preservação permanente, o documento de f. 49 demonstra que o Instituto Estadual de Florestas autorizou a Cemig e suas empreiteiras a efetuar ligação de energia elétrica em unidades consumidoras situadas nessas áreas de proteção ambiental quando tratar-se de intervenção concluída antes de junho de 2002.

Dessarte, muito embora observadas pelo requerente todas as providências exigidas pela Cemig de acordo com as informações que lhe foram prestadas na esfera administrativa, a concessionária deixou de atender às solicitações do demandante, sem apresentar qualquer justificativa para essa conduta.

Apenas nestes autos, na contestação, foi alegado pela Cemig que a ligação não teria ocorrido por ter sido constatado que o requerente ocupa o terreno de forma irregular, por se cuidar de área localizada às margens do Reservatório da Usina de Volta Grande, pertencente à concessionária, obtida através de desapropriação.

Essa assertiva não foi comprovada através de registro do imóvel, de cópia do processo de desapropriação, nem de qualquer outro meio que demonstre sua veracidade.

Em contrapartida, o autor instruiu os autos com termo de transferência de posse, datado de junho de 2000, pelo qual adquiriu o domínio do terreno e barracão localizado nas margens do rio Grande no município de Delta, com firma reconhecida, de forma a atestar a data da contratação.

Denota-se, assim, que se trata de posse antiga. Apenas em julho de 2005 a Cemig notificou extrajudicialmente o possuidor para demolir a edificação e desocupar o terreno (f. 173), sem, contudo, demonstrar sua qualidade de proprietária.

A respeito da localização do imóvel em área de preservação permanente, data venia, essa circunstância não tem o condão de impedir o uso do terreno, mas apenas de adequar a sua exploração ao equilíbrio ecológico e à preservação e restauração do meio ambiente.

As normas ambientais protetivas limitam o exercício da posse e da propriedade, mas não o inviabilizam, sob pena se estar configurando hipótese de desapropriação, acarretando ao prejudicado o direito à respectiva indenização.

Assim, o próprio Código de Florestas admite uma margem razoável de intervenção humana em áreas de preservação permanente, em situações específicas e mediante a autorização do órgão ambiental competente, no caso o IEF/MG.

Nesse sentido, dispõe a Lei 14.309/2002 que, nas áreas consideradas de preservação permanente, será respeitada a ocupação antrópica já consolidada (art. 11). Versa o diploma, ainda, ser possível a utilização da área de preservação permanente mediante autorização ou anuência do órgão competente (art. 12).

Uma vez autorizada pelo IEF/MG a instalação da rede de fornecimento de energia elétrica na localidade, para permitir ao autor o acesso a esse serviço, a localização em área de preservação permanente não serve de escusa para a prestação do serviço.

Quanto à distribuição de energia elétrica, não se trata de mera prerrogativa da concessionária, mas de um encargo assumido perante o Poder Concedente de prestar o serviço público de natureza essencial.

O art. 7º da Lei 8.987/95, que regula as concessões e permissões da prestação de serviços públicos, dispõe ser direito do usuário receber serviço adequado, obter e utilizar o serviço.

De acordo com a norma, considera-se adequado o serviço que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

Especificamente em relação ao princípio da generalidade na prestação dos serviços públicos leciona José dos Santos Carvalho Filho:

"O princípio da generalidade apresenta-se com dupla faceta. Significa, de um lado, que os serviços públicos devem ser prestados com a maior amplitude possível, vale dizer, deve beneficiar o maior número possível de indivíduos.

Mas é preciso dar relevo também ao outro sentido, que é o de serem eles prestados sem discriminação entre os beneficiários, quando tenham as mesmas condições técnicas e jurídicas para a fruição (Manual de direito administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 277).

Pontua, ainda, o renomado autor:

"O direito fundamental do usuário é o direito ao recebimento do serviço, desde que aparelhado devidamente para tanto.

Esse direito substantivo é protegido pela via judicial, e a ação deve ser ajuizada em face da entidade competente para a prestação recusada" (op. cit., p. 283).

O Código de Defesa do Consumidor, que também é aplicável às relações estabelecidas entre a concessionária e os usuários, assegura entre os direitos básicos do consumidor, a adequada e eficaz prestação de serviços públicos em geral (art. 6º, X).

A forma de prestação dos serviços específicos de energia elétrica se encontra regulamentada na Resolução 456/2000 da ANEEL, em que consta ser obrigação da concessionária adotar todas as providências com vistas a viabilizar o fornecimento até o ponto de entrega (art. 10).

O regulamento acrescenta, em seu art. 122, que a concessionária deverá observar o princípio da isonomia em todas as decisões que lhe foram facultadas.

Dessarte, a prestação de serviços de energia elétrica não está sujeita ao juízo discricionário da concessionária, que não pode optar livremente entre o fornecimento ou não do serviço, sendo obrigatória sempre que tecnicamente viável, observados, por óbvio, eventuais restrições legais, inclusive de cunho ambiental, que já foram abordadas.

No caso concreto, o direito subjetivo do autor se sedimentou, ainda, pela proposta feita pela concessionária, de caráter vinculante, em que instrui o pleiteante a antecipar algumas providências necessárias à ligação da energia e que foi aceita mediante a contratação de empresa habilitada para realizar o serviço.

Restou incontroverso, ainda, que, em outras residências vizinhas ao imóvel do autor, o serviço já foi disponibilizado, constatando-se ofensa ao princípio da isonomia, de observância obrigatória pela concessionária de serviço público.

A suposta precariedade da posse, alegada pela Cemig, carece de respaldo probatório, sendo que esse ônus competia à requerida. O autor dispõe de título de transmissão da posse, que se presume legítima.

Além disso, noticia-se nos autos que a questão do exercício da posse está sendo objeto de discussão em demanda própria, de natureza especial.

A resistência da Cemig em realizar o serviço de ligação da energia elétrica constitui exercício arbitrário das próprias razões, pois a negativa está sendo adotada como forma de compelir o pleiteante a desocupar o bem, embora a questão esteja ainda sujeita à apreciação judicial.

Nesse sentido, a prestadora de serviços ultrapassa a sua esfera de atuação. Diante da ocupação do imóvel pelo solicitante em situação que se encontra consolidada já há alguns anos, impõe-se a instalação do serviço, inexistindo prerrogativa legal que autorize a Cemig a negar a prestação de serviços por esse fundamento.

Portanto, não foi oposto pela concessionária qualquer motivo hábil a afastar a sua obrigação de prestar o serviço de fornecimento de energia elétrica, de forma adequada.

Registre-se que nenhuma restrição de ordem técnica foi suscitada pela Cemig.

Diante dos fundamentos expostos, dou provimento ao recurso para julgar procedentes os pedidos do autor, determinando à Cemig que realize a ligação do serviço de energia elétrica no rancho ocupado pelo autor, no prazo de dez dias a contar da publicação desta decisão, sob pena de multa diária, que fixo em R$ 1.000,00, com fulcro no art. 461, § 4º, do CPC.

Custas, pela Cemig, bem como honorários de sucumbência, que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), com fulcro no art. 20, § 4º, do CPC.

Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Edivaldo George dos Santos e Wander Marotta.

Súmula - DERAM PROVIMENTO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico de MG - 14/07/2010.

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