É válida a emissão de letra de câmbio, desde que autorizada por contrato. O que a lei proíbe é que o procurador do mutuário assuma obrigação cambial no exclusivo interesse do mutuante. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a validade do título cambial emitido em contrato de empréstimo bancário entre uma construtora mineira e o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais S/A (BDMG).
A CMS Construtora S/A firmou um contrato com o BDMG com o objetivo de angariar recursos financeiros a serem usados em seu capital de giro. Verificada a mora (atraso) da construtora, o banco sacou , em 1994, letra de câmbio contra a CMS no valor de CR$ 676.817.694,62, baseada na cláusula primeira do contrato de empréstimo e na cláusula 45 das Normas sobre Apoio Financeiro do banco mineiro. Segundo a cláusula 45, o banco poderá, a seu exclusivo critério, sacar letras de câmbio sobre a beneficiária, pelo valor de qualquer quantia que lhe for devida e exigível, obrigando-se a sacada a pagá-las contra sua apresentação, não configurando o saque das cambiais quaisquer alterações no contrato que permanecerá em vigor.
Isso levou a construtora a acionar o banco na Justiça, buscando a declaração de nulidade do título de câmbio emitido. Segundo a construtora, tal cláusula, prevista no contrato de empréstimo bancário, que autoriza o credor a sacar letra de câmbio contra o devedor, é nula de pleno direito. A primeira instância julgou o pedido improcedente, considerando a cláusula plenamente válida e eficaz. A CMS apelou, mas a decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, sob o fundamento que a cláusula seria inválida apenas se o mutuante (aquele que empresta) pertencesse a grupo econômico. O TJ afastou também a alegação da construtora quanto à capitalização de juros, entendendo que a prova pericial constatou que tal não ocorreu, multando a empresa pela interposição de embargos de declaração, os quais julgou ter o cunho de protelar o cumprimento da decisão. Daí o recurso ao STJ.
O relator, ministro Ari Pargendler, manteve a decisão do TJ, afastando tão-somente a multa, considerando que o tribunal aplicou mal o artigo 538 do Código de Processo Civil. No mais, julgou que o recurso não poderia desenvolver-se. O caso, entende Pargendler, não se enquadra ao que determina a súmula 60 do STJ, segundo a qual "é nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste." "Aqui, todavia, a letra de câmbio não é nula", afirma o relator, acrescentando que nada importa que a perícia tenha acusado uma pequena diferença entre o valor da letra de câmbio e o montante do débito. Isso porque, como disse o tribunal de origem, tal diferença, decorrente dos cálculos de atualização, pode ser acertada amigavelmente ou por ocasião da execução do débito.
Esse foi o entendimento que prevaleceu na Turma. A única divergência foi da ministra Nancy Andrighi, que declarava nulo o título cambial.. Para ela, o caso se amolda à hipótese em que o contrato de empréstimo prevê cláusula que autoriza o credor a emitir, em nome próprio (isto é, sem utilizar-se de qualquer instrumento de mandato), letra de câmbio contra o devedor. "Trata-se de situação diversa da contemplada pela Súmula 60, porque aqui não há mandato entre devedor e pessoa vinculada ao credor: há concessão de mera faculdade ao credor para que em nome próprio emita, no caso de inadimplemento, letra de câmbio contra o devedor", sintetiza Andrighi, defendendo que, em alguns casos análogos no STJ, foi declarada a nulidade da cláusula.
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