Ministério Público do Estado de São Paulo
Corregedoria Permanente dos Registros Públicos de Porto Feliz
Protocolo nº 442/11
Requerentes: Teresa Angélica Colaneri e Maria Juliana Fernandes de Carvalho
Parecer do Ministério Público
Meritíssima Juíza,
1. Cuida-se de pedido de habilitação para conversão de união estável em
casamento formulado por Teresa Angélica Colaneri e Maria Juliana Fernandes
de Carvalho, submetido a análise pelo Oficial do Registro Civil desta
comarca.
É a síntese necessária.
2. Manifesta-se o Ministério Público pelo acolhimento da pretensão.
O artigo 226, § 3º, da Constituição Federal, previa a união estável como
entidade familiar e determinava que lei posterior facilitasse sua conversão
em casamento. A regulamentação se deu através da Lei nº 9.278/96, a qual a
definiu como convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma
mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.
O Código Civil vigente incorporou a maioria de suas diretrizes. No entanto,
inovou em relação à lei ordinária ao exigir que o pedido de conversão,
formulado pelos companheiros, fosse submetido ao crivo do Judiciário (art.
1726). O art. 8º da lei específica previa procedimento mais simples, com
simples apreciação da pretensão pelo Oficial do registro civil.
De todo modo, são suficientemente claras as imposições para que a conversão
se efetue, as quais entendo presentes no caso concreto.
O ânimo das requerentes na constituição de família sólida e permanente é
incontroverso. Mediante escritura pública (fls. 07), ambas declararam
convivência e coabitação por período de cinco anos, de natureza pública e
não eventual, fundada no preceito de respeito mútuo. Pode-se presumir do
teor do documento a observância dos deveres de lealdade e assistência
recíprocas.
Duas testemunhas firmaram declaração de que as pretendentes não são parentes
entre si em grau proibido por lei, tampouco incidem quaisquer dos demais
impedimentos legais (fls. 09).
Instruem os autos vias atualizadas das certidões de nascimento de ambas
(fls. 04/05), nas quais não se observa qualquer circunstância restritiva
digna de nota. Conforme memorial, declararam-se solteiras (fls. 03).
3. Atendidos os requisitos ordinários aos quais todos estão submetidos,
previstos no art. 1525 e seguintes do Código Civil, impõe-se então analisar
a possibilidade jurídica do pedido sob o critério de gênero.
Como é sabido, a Constituição Federal e a Lei nº 9.278/96 definiram a união
estável como o liame sócio-afetivo entre o homem e a mulher. E o Código
Civil, no art. 1514 e em diversos outros, ao tratar do casamento, fez
referência expressa à ligação entre pessoas de sexos distintos.
A existência de previsão expressa fez prevalecer ao longo dos anos a
interpretação literal dos dispositivos. Por falta de previsão normativa,
vedava-se o reconhecimento jurídico de qualquer forma de união homoafetiva.
Aceitava-se tão somente a produção de efeitos patrimoniais, assentando-se a
existência de mera sociedade de fato, conjugação de esforços para obtenção
de proveito comum.
Tal exegese é nitidamente discriminatória, relegando à margem da sociedade
inúmeros vínculos conjugais absolutamente legítimos, reduzindo sua cognição
a puro aspecto pecuniário. Redução que aniquila, como se não existissem
laços familiares significativos e relações de companheirismo, que em nada
diferem daqueles formados entre pessoas de sexos distintos. Violam-se
princípios de dignidade e isonomia, os quais, a rigor, são alicerces dos
próprios artigos positivados na Constituição.
Com o devido respeito a vozes contrárias, entendo que não há mais espaço na
sociedade atual para que a diferenciação entre casais heterossexuais
subsista. Aliás, se não há muito caíram por terra diferenciações em função
de raça ou de credo, não parece existir fundamento legítimo que preserve uma
forma de apartheid em uniões civis.
Do ponto de vista jurídico, e não sendo este o espaço para divagação
doutrinária, merece destaque a decisão unânime proferida pelo Plenário do
Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 4.277 e da ADPF nº 132;
ajuizadas, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo
governo do Estado do Rio de Janeiro.
Embora pendente de publicação o acórdão, o Exmo. Min. Relator Carlos Britto
votou no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para
excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o
reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
Argumentou que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em
virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído
ou discriminado em função de sua preferência sexual. Extrai-se de seu voto,
disponível no site da Corte, que qualquer depreciação da união estável
homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da Carta Magna.
O voto do eminente relator foi acompanhado por todos os demais Ministros.
Por decisão unânime, publicou-se o seguinte despacho:
Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal conheceu da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental 132 como ação direta de
inconstitucionalidade, por votação unânime. Prejudicado o primeiro pedido
originariamente formulado na ADPF, por votação unânime. Rejeitadas todas as
preliminares, por votação unânime. Em seguida, o Tribunal, ainda por votação
unânime, julgou procedente as ações, com eficácia erga omnes e efeito
vinculante, autorizados os Ministros a decidirem monocraticamente sobre a
mesma questão, independentemente da publicação do acórdão. Votou o
Presidente, Ministro Cezar Peluso. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli.
Plenário, 05.05.2011.
Portanto, está superado obstáculo normativo, notadamente pela imposição de
efeitos ¿erga omnes¿ ao julgado.
Considerações de ordem moral ou religiosa também não devem constituir
obstáculo para que esta realidade seja aceita. A República Federativa do
Brasil é um Estado Laico, no qual é assegurada a liberdade de religião a
todo cidadão e vedada a adoção de posturas públicas com base nesta ou
naquela doutrina teológica. Razões de Estado não podem se confundir com
preferência religiosa, e deve o operador do direito (Juiz, Promotor,
Advogado) atuar de forma técnica, à luz da Constituição Federal.
Convicções de ordem puramente moral tampouco são aplicáveis, notadamente
quando os ditames de consciência do intérprete do direito inviabilizarem,
sem justa causa, o exército dos ditames de consciência de seu semelhante.
4. Ante o exposto, o Ministério Público deixa de apresentar qualquer
impugnação à habilitação de casamento ora submetida a análise, e aguarda seu
regular processamento.
Porto Feliz, 12 de agosto de 2011.
André de Almeida Panzeri
Promotor de Justiça
Poder Judiciário
São Paulo
Conclusão
Em, 12/08/2011, faço os autos conclusos a Doutora ANA CRISTINA PAZ NERI
VIGNOLA. Eu, ___________, escrev. Subsc.
Autos nº 195/2011.
Vistos,
Trata-se de pedido de conversão de união estável em casamento formulado por
TERESA ANGÉLICA COLANERI e MARIA JULIANA FERNANDES DE CARVALHO onde
afirmam conviver em união estável há mais de cinco (05) anos.
O pedido foi instruído com escritura pública (fls. 07), declaração de duas
testemunhas (fls. 09) e outros exigidos por lei.
O Ministério Público opinou favoravelmente ao pedido (fls. 13/17).
É o relatório.
Decido.
As pretendentes alegam que mantêm convivência pública, contínua e duradoura
e estabelecida com o objetivo de constituir família, há mais de cinco anos.
O pedido foi devidamente instruído com a documentação exigida. Foram
realizados os proclamas e não houve impugnações.
Independentemente da situação, para a caracterização da união estável é
necessário a presença dos pressupostos: a) Convivência pública; b)
Continuidade; c) Durabilidade e d) Objetivo de constituição de família.
Conforme consta do brilhante parecer lançado pelo ínclito representante do
Ministério Público, cujo fundamento adoto integralmente, respeitado
entendimentos em contrário, entendo que qualquer óbice anteriormente
existente sobre a questão que envolve união homoafetiva caiu por terra com a
decisão proferida pelo E. Supremo Tribunal Federal, em 05.05.2011, no
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277, protocolada
pela Procuradoria Geral da República, e da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 132, apresentada pelo governo do Rio de Janeiro,
ao declarar que à união estável entre as pessoas do mesmo sexo devem ser
aplicadas as mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva,
possuindo tal decisão efeito vinculante, ou seja, alcança toda sociedade.
Na referida decisão, o relator, ministro Ayres Britto argumentou que o
artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal veda qualquer discriminação em
virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído
ou discriminado em função de sua preferência sexual. ¿O sexo das pessoas,
salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica¿,
observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável
homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF.
O fundamento do julgado foi baseado no artigo 1726 do Código Civil, in
verbis:
¿A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos
companheiros ao juiz e assento no Registro Civil¿
Neste sentido, o E. STJ já havia se pronunciado anteriormente, a saber:
¿A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável,
permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica.
O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual
não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana¿ (STJ
¿ 3ª T., Resp 238.715, rel. Min. Gomes de Barros, j. 7.3.06
¿É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre
duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de dezesseis
anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos
séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar a emprestara a tutela
jurisdicional a uniões que, entrelaçadas pelo afeto, assumem feições de
família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar, e não
apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e
do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui
afronta aos direitos humanos por ser forma de privação ao direito à vida,
violando os princípios da dignidade humana e da igualdade¿ (RJTERGS
255/183; acórdão relatado pela Des. Maria Berenice Dias).
Portanto, objetivamente, como fator preponderante da decisão emanada pelo
Colendo Plenário do STF, pesa o interesse dos cidadãos homossexuais no
direito de contrair matrimônio, possibilitando maior aceitação da sociedade
e ainda obediência aos princípios constitucionais da dignidade humana,
igualdade sem discriminação ou preconceito. Daí a imperiosa necessidade de
atribuir à decisão do STF contornos mais amplos e abrangentes, até porque,
atualmente, é inegável que o conceito entidade familiar se confunde com a
instituição do casamento.
A própria Constituição Federal determina que a lei deverá facilitar a
conversão da união estável em casamento (art. 226, § 3º, parte final)
devendo, a decisão do STF ser aplicada em seu caráter mais amplo e
abrangente.
Isto posto, HOMOLOGO o pedido para CONVERTER em CASAMENTO,
pelo regime escolhido da comunhão parcial de bens, a união estável das
requerentes TERESA ANGÉLICA COLANERI e MARIA JULIANA FERNANDES DE
CARVALHO.
Por consequência a pretendente, por força desta decisão, passara a se chamar
MARIA JULIANA FERNANDES DE CARVALHO COLANERI. a pretendente TERESA
ANGÉLICA COLANERI continuará a usar o mesmo nome.
Lavre-se o registro de casamento e providencie-se o necessário às averbações
nos registros dos nascimentos das partes.
No mais, nada sendo requerido em 30 (trinta) dias, arquivem-se os autos.
Ciência ao Ministério Público.
P.R.I.C.
Porto Feliz, 17 de agosto de 2011.
Ana Cristina Paz Neri Vignola
Juíza de Direito
Recebimento
Em, 17/08/2011, recebi os autos em cartório. Eu, ____, escrev. Subscr.
Fonte : Assessoria de Imprensa
Data Publicação : 23/08/2011
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