Fundação privada - Filantropia - Não-comprovação - Possibilidade de penhora dos bens da fundação

 

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

EMBARGOS DO DEVEDOR - FUNDAÇÃO PARTICULAR - ENTIDADE BENEFICENTE - NÃO-CARACTERIZAÇÃO - BEM IMÓVEL - PENHORA - POSSIBILIDADE


Ementa: Embargos à execução. Fundação privada. Instituição de ensino. Alegação de filantropia. Não-comprovação. Possibilidade de penhora dos bens da fundação. Citação da parte executada para pagamento ou nomeação de bens à penhora. Não-manifestação. Validade da penhora efetuada pelo oficial de justiça.

- Em que pese a necessidade de constituição da fundação por meio de bens livres, entende-se que, em face da existência de débito da instituição de direito privado, podem, em tese, ser penhorados bens de sua propriedade, uma vez que é princípio de ordem pública que o devedor responde por suas dívidas com todos seus bens presentes e futuros.

- Reconhecer a impenhorabilidade de bens de rentáveis instituições de ensino - talvez o negócio mais rentável na atualidade - é fornecer carta branca à burla, prejudicando diretamente aquele que detém legítimo direito de crédito contra a fundação.

- Havendo citação para pagamento ou nomeação de bens à penhora no prazo de 24 (vinte e quatro) horas e não realizando a embargante (apelante) qualquer das duas condutas aludidas, afigura-se legítima a penhora efetivada pelo oficial de justiça sobre bem que se encontra sem edificações (f. 208 dos autos da execução).

Apelação Cível ndeg. 1.0390.06.012910-8/001 - Comarca de Machado - Apelante: Fundação Machadense de Ensino Superior e Comunicação - Apelada: Ville Engenharia Ltda. - Relator: Des. Elpídio Donizetti

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 21 de novembro de 2006. - Elpídio Donizetti - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

DES. ELPÍDIO DONIZETTI - Trata-se de apelação interposta à sentença que, nos autos dos embargos opostos por Fundação Machadense de Ensino Superior e Comunicação - Fumesc à execução por título judicial que lhe move Ville Engenharia Ltda., julgou improcedentes os pedidos deduzidos na inicial.

Na sentença (f. 7/10), o Juiz de primeiro grau asseverou, em primeiro lugar, que a embargante consiste em fundação particular, sem qualquer participação de órgãos públicos na sua constituição, motivo pelo qual não há que se falar em impenhorabilidade dos bens a ela pertencentes.

Em seguida, afastou a alegação de excesso de penhora, haja vista que o valor do bem objeto da constrição judicial corresponde a R$ 19.500,00, ao passo que a dívida exeqüenda gira em torno de R$ 18.000,00. Quanto a essa questão, ressaltou, ainda, que, "se, futuramente, mais precisamente na época da avaliação para praceamento do bem, verificar que há excesso de penhora, não há nenhum impedimento para sua redução" (f. 9).

Por fim, afirmou que a embargante se limitou a impugnar os cálculos da dívida executada por meio de negativa geral, sendo que, da análise dos referidos cálculos efetuados pela embargada, não se afigura reparo algum a ser realizado.

Inconformada, a embargante interpôs apelação (f. 11/14), aduzindo, em síntese, que:

a) deve ser reconhecida a impenhorabilidade do imóvel objeto da constrição judicial, haja vista que tal bem é necessário para funcionamento e manutenção da instituição-embargante, além do que, conforme disposto no art. 69 do CC/02, "o imóvel, sendo de propriedade de fundação, [...] não pode ser alienado em qualquer modalidade" (f. 12, sic);

b) "sendo inalienável o patrimônio da embargante, necessariamente o mesmo não [pode] ser penhorado, pois a penhora terá as conseqüências de uma hasta pública, com uma venda judicial, devendo, portanto, a penhora ser julgada insubsistente e cancelada" (f. 13, sic);

c) há excesso de penhora, uma vez que, podendo a embargante indicar outros bens à penhora, em conformidade com o valor da execução, não se poderia ter penhorado imóvel que é imprescindível para manutenção das atividades educacionais oferecidas pela embargante;

d) os cálculos apresentados pela embargada não estão em consonância com o título exeqüendo.

Desse modo, requer o provimento da apelação para reformar a sentença, nos termos acima mencionados.

A embargada apresentou contra-razões (f. 18), pugnando pela manutenção da sentença pelos seus próprios fundamentos.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação apenas no efeito devolutivo, nos termos do art. 520, V, do CPC.

1 - Da penhorabilidade dos bens da embargante (apelante).

Na sentença (f. 7/10), o Juiz de primeiro grau asseverou, em primeiro lugar, que a embargante (apelante) consiste em fundação particular, sem qualquer participação de órgãos públicos na sua constituição, motivo pelo qual não há que se falar em impenhorabilidade dos bens a ela pertencentes.

Inconformada, alega a apelante que deve ser reconhecida a impenhorabilidade do imóvel objeto da constrição judicial, haja vista que tal bem é necessário para funcionamento e manutenção da instituição-apelante, além do que, conforme disposto no art. 69 do CC/02, "o imóvel, sendo de propriedade de fundação, [...] não pode ser alienado em qualquer modalidade" (f. 12, sic).

Acrescenta que, "sendo inalienável o patrimônio da embargante [apelante], necessariamente o mesmo não [pode] ser penhorado, pois a penhora terá as conseqüências de uma hasta pública, com uma venda judicial, devendo, portanto, a penhora ser julgada insubsistente e cancelada" (f. 13, sic).

Inicialmente, cumpre definir que a fundação consiste no patrimônio dotado de personalidade jurídica e constituído para realização de determinado(s) fim(ns) lícito(s). Nesse sentido, é o que se extrai do art. 62 do CC/02:

"Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.

Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência".

Exatamente por se tratar de pessoa jurídica criada por meio de dotação de acervo patrimonial, exige-se que os bens destinados a tal finalidade sejam livres ou desembaraçados de ônus ou encargos, sob pena de credores ou herdeiros lesados, no exercício de seu direito, frustrarem a vontade do instituidor. Conforme leciona Caio Mário da Silva Pereira:

"Como é uma destinação patrimonial, é necessário que o instituidor faça uma dotação de bens livres. A existência de qualquer ônus ou encargo que pese sobre eles poria em risco a própria existência do ente, na eventualidade de virem a desaparecer, ou de se desfalcarem sensivelmente, frustrando desta sorte a realização dos objetivos" (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 21. ed., Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 2005, p. 360).

No caso dos autos, embora a fundação apelante tenha sido constituída por meio de bens livres, foi efetuada penhora sobre 13% do terreno (f. 208 dos autos em apenso), no qual, de acordo com os arts. 6º, "a", e 7º do estatuto da apelante (f. 138/139 dos autos em apenso), são exercidas atividades essenciais para consecução dos objetivos da instituição.

Pois bem. Em que pese a necessidade de constituição da fundação por meio de bens livres, entende-se que, em face da existência de débito da instituição de direito privado - como ocorre no caso sob julgamento -, podem, em tese, ser penhorados bens de sua propriedade, uma vez que é princípio de ordem pública que o devedor responde por suas dívidas com todos seus bens presentes e futuros.

Obviamente, dever-se-á respeitar o direito do devedor de nomear bens à penhora (art. 652, caput, c/c art. 655, ambos do CPC), sendo necessário, ainda, que a constrição incida sobre o bem menos necessário para a fundação, nos termos do art. 620 do CPC.

A ressalva que se faz à penhora de fundações privadas diz respeito às hipóteses em que, além de restar comprovada a necessidade do bem à manutenção das atividades da instituição, ficar evidenciado que tais atividades são filantrópicas.

Cumpre observar, nesse ponto, que disposições estatutárias e declarações de utilidade pública não bastam para caracterizar a instituição de assistência social. Tal como a mulher de César, a aparência não basta.

A prevalecerem algumas decisões judiciais - com as quais não posso concordar -, para escapar da obrigação de pagar dívidas, basta que um banco, uma siderúrgica ou mesmo uma gigantesca instituição de ensino insira em seus atos constitutivos a intenção de praticar assistência social.

Assim, não restando demonstrado, no caso dos autos, que a integralidade dos lucros obtidos com a rentável atividade educacional desenvolvida pela apelante é integralmente revertida para assistência social, não há que se falar em impenhorabilidade de seus bens.

É que, em se reconhecendo a impenhorabilidade dos bens de rentáveis instituições de ensino - talvez o negócio mais rentável na atualidade - pelo simples fato de se tratar de fundações, fornecer-se-ia carta branca à burla, prejudicando diretamente aquele que detém legítimo direito de crédito contra a fundação.

Além disso, constata-se que, no caso concreto, nem sequer foi demonstrada efetiva necessidade do bem penhorado para as atividades desenvolvidas pela apelante, haja vista que o oficial de justiça ressalvou no auto de penhora, depósito e avaliação que "o terreno objeto da presente penhora se encontra sem edificações, aos fundos do prédio da Fumesc" (f. 208 dos autos em apenso).

Nem se diga, como pretende fazer crer a apelante, que, conforme disposto no art. 69 do CC/02, "o imóvel, sendo de propriedade de fundação, [...] não pode ser alienado em qualquer modalidade" (f. 12, sic). É que, além de o mencionado dispositivo legal tratar de hipótese diversa da discutida nos autos, a proibição à alienação dos bens da fundação não implica, necessariamente, impenhorabilidade de tais bens, conforme entendimento exposto nesta decisão.

Dessa maneira, não se verificando qualquer restrição quanto à penhora do bem objeto da constrição judicial nos autos em apenso, deve-se negar provimento à apelação quanto a essa questão.

2 - Da alegação de excesso de penhora.

O Juiz sentenciante afastou a alegação de excesso de penhora, haja vista que o valor do bem objeto da constrição judicial corresponde a R$ 19.500,00, ao passo que a dívida exeqüenda gira em torno de R$ 18.000,00. Quanto a essa questão, ressaltou, ainda, que, "se, futuramente, mais precisamente na época da avaliação para praceamento do bem, verificar que há excesso de penhora, não há nenhum impedimento para sua redução" (f. 9).

Irresignada, sustenta a apelante que há excesso de penhora, uma vez que, ante a possibilidade de indicação de outros bens à penhora, em conformidade com o valor da execução, não se poderia ter penhorado imóvel que é imprescindível para manutenção das atividades educacionais oferecidas pela apelante (f. 13/14).

A princípio, deve-se ressaltar que, com fundamento no art. 652, caput, do CPC, a apelante foi citada para, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, pagar ou nomear bens à penhora. Como se infere do mandado de citação / penhora e avaliação:

"Cite a parte ora executada para, em 24 (vinte e quatro) horas, pagar a importância de R$ 15.430,36 referente ao valor da execução, acrescidos de juros, honorários, custas e demais consectários da inadimplência ou nomear bens à penhora. Caso o devedor não pague, nem nomeie bens, penhore-lhe o(a) oficial(a) os que bastem ao pagamento" (f. 207 dos autos em apenso).

Ora, havendo citação para pagamento ou nomeação de bens à penhora no prazo de 24 (vinte e quatro) horas e não realizando a apelante qualquer das duas condutas aludidas, afigura-se legítima a penhora efetivada pelo oficial de justiça sobre bem que, com já relatado nesta decisão, encontra-se sem edificações (f. 208 dos autos em apenso).

Ademais, observe-se que a apelante se limita a afirmar, a respeito dessa questão, que a penhora poderia recair sobre outros bens de sua propriedade, porém, em momento algum, procedeu à indicação de outro bem que permitisse averiguar se a execução poderia ser realizada de modo menos gravoso, nos moldes do art. 620 do CPC.

No que diz respeito ao valor do imóvel penhorado, também não se verifica excesso de penhora algum, pois tal bem foi avaliado em R$ 19.500,00 (f. 208 dos autos em apenso), o que corresponde a montante próximo do valor executado, sobretudo se for levada em consideração a incidência de correção monetária e juros moratórios sobre o débito exeqüendo desde a data em que esse foi calculado (f. 206 dos autos em apenso).

Ademais, conforme bem destacado pelo Juiz sentenciante, "se, futuramente, mais precisamente na época da avaliação para praceamento do bem, verificar que há excesso de penhora, não há nenhum impedimento para sua redução" (f. 9).

Dessarte, deve-se negar provimento à apelação nesse ponto.

3 - Dos cálculos referentes à dívida executada.

Entendeu o Juiz sentenciante que a apelante se limitou a impugnar os cálculos da dívida executada por meio de negativa geral, sendo que, da análise dos referidos cálculos efetuados pela embargada (apelada), não se afigura reparo algum a ser realizado (f. 9).

Inconformada, afirma a apelante, vagamente, que os cálculos apresentados pela apelada não estão em consonância com o título exeqüendo (f. 14).

Inicialmente, observa-se que a apelante não chega sequer a indicar em que ponto haveria desconformidade entre os cálculos efetuados pela apelada e o título objeto de execução, o que implica violação do disposto no art. 514, II, do CPC, segundo o qual a parte recorrente deve indicar os fundamentos de fato da pretensão deduzida por meio do recurso.

De qualquer modo, mesmo analisando o demonstrativo de cálculo apresentado pela apelada (f. 206 dos autos em apenso), não se vislumbra irregularidade quanto aos valores incluídos na execução a título de correção monetária, juros de mora, multa, custas processuais e honorários advocatícios.

Desse modo, impende negar provimento à apelação também nesse ponto.

4 - Conclusão.

Ante o exposto, nego provimento à apelação, mantendo, por conseguinte, a bem-lançada sentença da lavra do excelente Juiz de primeiro grau, Dr. Augusto Moraes Braga.

Custas recursais, pela apelante.

DES. JOSÉ OCTÁVIO DE BRITO CAPANEMA - De pleno acordo com o eminente Relator no que toca à penhorabilidade dos bens da apelante, fazendo-o tanto no aspecto jurídico quanto moral, sendo lamentável que o contrário se tenha pretendido.

Também de pleno acordo, pelos mesmos fundamentos, quanto ao pretendido excesso da penhora, nada havendo a ser modificado no cálculo da dívida.

Também eu nego, então, provimento à apelação.

DES. GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES - De acordo.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

 

Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 13/06/2007

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