Tabelionato de notas – Novo titular – Serviços notariais prestados e não
pagos ao antigo tabelião da serventia extrajudicial – Ação de cobrança
movida em face do novo delegado – Valor da dívida não contestado e,
portanto, reconhecido pelo atual notário – Tentativa do novo tabelião de
compensação do seu débito com dívidas decorrentes de obrigações trabalhistas
assumidas em período anterior à sua posse no cargo – Impossibilidade –
Aplicabilidade do disposto no artigo 1010 do Código Civil de 1916, que
dispõe ser a compensação possível entre dívidas líquidas e vencidas, o que
inocorre in casu – Não há que se falar em débitos remanescentes trabalhistas
por parte do antigo responsável pela serventia extrajudicial, sendo pacífica
a orientação de inadmissibilidade da compensação de dívida líquida e
ilíquida – Alegação de inexistência de sucessão trabalhista – Improcedência
– Não ocorrência de interrupção na prestação dos serviços notariais – O
atual tabelião manteve os empregados, por sucessão de empregador, já
treinados e adaptados para o serviço notarial, dando ensejo a continuidade
regular ao serviço cartorário – Inexistência de demissões no dia em que o
novo tabelião assumiu a titularidade da serventia – Continuidade das
relações de trabalho – Notória ocorrência de sucessão trabalhista, vez que
presentes a mudança da titularidade do estabelecimento e continuidade na
prestação do trabalho, requisitos necessários ao reconhecimento da referida
sucessão – Transferência ao novo empregador da responsabilidade pelos
pagamentos de todos os direitos perante os empregados – Bens que compõem o
patrimônio da serventia anterior não transferidos ao seu atual titular –
Irrelevância – A norma que garante aos empregados o direito ao emprego em
caso de sucessão trabalhista é de ordem pública, não podendo ser alterada
por acordo de vontade entre os particulares – Pagamento devido ao antigo
tabelião. (Propriedade intelectual da Empresa Boletins Informativos LTDA,
responsável pela edição das Publicações INR).
EMENTA
TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA CONTRAPOSTA POR
RECONVENÇÃO. TABELIONATO. SUCESSÃO TRABALHISTA. RECONHECIMENTO PELAS
INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. PREQUESTIONAMENTO INSUFICIENTE. ACÓRDÃO FUNDAMENTADO
EM FATOS E NA INTERPRETAÇÃO DE CONTRATO. RECURSO ESPECIAL. ÓBICES DAS
SÚMULAS N. 282 E 356-STF, 5 E 7-STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO
CONFIGURADO . I. A ausência de prequestionamento impede a admissibilidade
recursal em toda a extensão pretendida pela parte. II. Divergência
jurisprudencial não demonstrada segundo os ditames constitucionais e legais.
III. Firmado pelas instâncias ordinárias, com base no exame dos fatos e na
interpretação de cláusula contratual, que houve a sucessão trabalhista em
decorrência da posse do novo tabelião, que manteve os antigos empregados,
cabendo, destarte, ao réu-reconvinte, responder pelas verbas trabalhistas,
que não podem ser compensadas com o saldo devedor impago do ajuste firmado
entre as partes, a reapreciação da controvérsia, na via especial, recai nos
óbices das Súmulas n. 5 e 7 do STJ. IV. Recurso especial não conhecido. (STJ
– REsp nº 654.942 – DF – 4ª Turma – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJ
23.10.2006)
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide
a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, não conhecer
do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos
autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram
do julgamento os Srs. Ministros Jorge Scartezzini, Hélio Quaglia Barbosa,
Massami Uyeda e Cesar Asfor Rocha.
Brasília (DF), 12 de setembro de 2006 (Data do Julgamento)
MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR – Relator.
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: - Inicio por adotar o relatório
de fls. 303/306, verbis:
"O relatório, em parte, é o constante da r. sentença de fls. 238/249, que
ora leio:
Trata-se de ação de cobrança ajuizada por (...) em face de (...).
Narra o autor que foi o responsável pelo Cartório do (...) Ofício de
Registro Civil, Títulos e Documentos de (...) até 16/03/2001, data em que
foi exonerado e assumiu a função de tabelião, em virtude de concurso
público, o requerido (...).
Alega, em síntese, que, em virtude de serviços cartorários já prestados e
ainda não pagos, requerido e requerente firmaram Termo de Compromisso
perante a Corregedoria do (...), no qual o requerido pagaria ao requerente o
valor de R$ 157.971,94. Continua dizendo que, após pagar a quantia de R$
107.755, 45, o novo tabelião deixou de cumprir o acordo, razão pela qual é
ajuizada a presente ação de cobrança da diferença não paga, que totaliza R$
50.216, 49 (v. emenda de fls. 17/19).
Juntou os documentos de fls. 05/12.
Citado, o requerido apresentou a reconvenção de fls. 23/29, dizendo,
resumidamente, que deixou de pagar a dívida porque consta no acordo firmado
perante a Corregedoria de Justiça (...) que as despesas havidas antes da
data acima mencionada, devidamente comprovadas, deverão ser abatidas dos
valores faturados e ainda não recebidos e, após verificação contábil,
percebeu o autor reconvinte que haviam despesas decorrentes de obrigações
trabalhistas de época anterior a sua investidura como tabelião, as quais
eram referentes a férias proporcionais, férias vencidas, 1/3, INSS e FGTS
sobre férias, bem como 13º salário proporcional e INSS e FGTS sobre o 13º.
Continua dizendo que, apesar de não haver demitido os funcionários
contratados pelo antigo tabelião, tais obrigações trabalhistas, referentes
ao período anterior a sua posse, devem ser pagas pelo antigo tabelião. Pede
não só a compensação dos créditos, como também a condenação do
réu-reconvindo ao pagamento de R$ 87.632,60, em razão dos direitos
trabalhistas que menciona.
Na contestação, acostada às fls. 31/39, pleiteia o requerido seja julgada
improcedente a ação de cobrança, considerando-se compensados os créditos
pleiteados na reconvenção até o limite da dívida. Junta os documentos de
fls. 40/162.
Contestação à reconvenção às fls. 164/173 e réplica às fls. 174/182, nas
quais (...) alega, em síntese, que crédito certo e vencido não pode ser
compensado com outro incerto e futuro, decorrente de obrigações trabalhistas
ainda por vencer.
Acompanham os documentos de fls. 203.
Instadas a manifestarem-se sobre a produção de provas, (...) pediu a
realização de perícia contábil para verificação do valor a ser compensado
(fls. 205/208) e juntou os documentos de fls. 209/219.
(...), por sua vez, requereu a tomada de depoimento pessoal do réu e a
oitiva das testemunhas que arrolou às fls. 221/222.
Às fls. 223/228, o requerido juntou novo documento, do qual foi dada vista
ao autor, que se manifestou às fls. 229/234.
Realizada audiência de conciliação, a proposta de acordo foi recusada (ata
às fls. 236).
Acrescento, ainda, que a d. juíza monocrática julgou procedente o pedido
exordial, condenando o (...) ao pagamento de R$ 50.216,49 (cinqüenta mil,
duzentos e dezesseis reais e quarenta e nove centavos) e por conseqüência
julgou improcedente a reconvenção, fixando os honorários advocatícios em 10%
(dez por cento) sobre o valor da condenação. Após julgar procedente os
embargos de declaração de fls. 251/252 fixou os honorários de sucumbência,
às fls. 253/254, para a ação de reconvenção em R$ 500,00 (quinhentos reais).
Irresignado, o réu/reconvinte interpõem recurso de apelação (fls. 256/199)
sustentado não ter ocorrido, na hipótese vertente, sucessão trabalhista e
nem sucessão tributária. Transcreve decisões da Justiça Trabalhista e Vara
da Justiça Federal referentes ao mesmo Cartório de (...) Ofício nas quais
fundamenta sua tese. Afirma que não é lícito, correto e justo que não tendo
ocorrido a transferência dos bens que compõem o patrimônio da serventia
anterior, o Apelado (tabelião anterior) receba todos os emolumentos
pendentes, sem abater os créditos trabalhistas vencidos dos empregados que
contratou . Prequestiona expressamente a decisão recorrida alegando violação
dos artigos 10 e 448 da CLT. Requer a cassação da sentença vergastada
determinado o retorno dos autos ao juízo de primeira instância, considerando
que não houve sucessão nos termos dos artigos 10 e 448 da CLT, determinando,
assim, que o Magistrado defira a perícia contábil requerida, visando
comprovar os débitos trabalhistas dos empregados contratados pelo Apelado,
calculados até 15/03/2001, para futura compensação e cobrança de crédito por
parte do Apelante .
Contra-razões fls. 293/299, pugnando pela manutenção da sentença guerreada.
Preparo à folha 278."
O Tribunal de Justiça (...) negou provimento à apelação, confirmando a
sentença de procedência do pedido e improcedência da reconvenção, em julgado
cuja ementa é a seguinte (fl. 309):
"CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA DE SERVIÇOS NOTARIAIS PRESTADOS PELO ANTIGO
TABELIÃO DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. NOVO TABELIONATO. COMPENSAÇÃO DE DÉBITO
COM DÍVIDAS TRABALHISTAS VENCIDAS E VINCENDAS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 1010 DO
CÓDIGO CIVIL. HIPÓTESE DE SUCESSÃO TRABALHISTA. CONCEITO UNITÁRIO DO
CARTÓRIO. - Caracteriza-se a sucessão de empregadores, passando a unidade
econômico-jurídica de um titular para outro não ocorrendo, na hipótese,
interrupção na prestação dos serviços notariais. Em virtude da existência de
continuidade nas relações de trabalho dos funcionários, já que nenhum deles
foi demitido no dia em que o novo tabelião assumiu a titularidade do
Cartório – prevalente o conceito unitário - não há que se falar em débitos
remanescentes trabalhistas por parte do antigo responsável pela serventia
extrajudicial, sendo pacífica a orientação de inadmissibilidade da
compensação de dívida líquida e ilíquida (Precedentes jurisprudenciais)."
Opostos embargos declaratórios, o réu-reconvinte aponta a existência de
omissões acerca da inocorrência de ato negocial e de transferência de
patrimônio e a possibilidade de a compensação das dívidas ser tratada em
reconvenção, porém foram rejeitados às fls. 343/356, com o acréscimo de que
o débito reclamado na inicial não é o mesmo perseguido na ação
reconvencional.
Inconformado, (...) interpõe, pelas letras "a" e "c" do autorizador
constitucional, recurso especial alegando, em síntese, que a decisão
contrariou os arts. 1.010 do Código Civil de 1916, 315, 165, 458, II, e 535
do CPC, e 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho, insistindo na tese
de que não tendo ocorrido a transferência de bens não se consubstancia a
sucessão trabalhista, havendo a Corte recorrida qualificado erroneamente os
fatos da causa, contrariamente ao julgado trabalhista colacionado para fins
de divergência jurisprudencial, em que foram réus os ora litigantes, quando
foi afastada tal hipótese.
Reafirma que a posse no cargo foi assegurada por meio de concurso público,
ato de estado, não por simples convenção negocial entre as partes.
Assere que a dicção dos arts. 10 e 448 da CLT impõe que a responsabilidade
entre o novo e o antigo empregador é solidária, porque visam os dispositivos
à proteção do trabalhador, com exclusividade, portanto não têm o objetivo de
isentar quem se utilizou da força de trabalho.
Acrescenta que ainda que assim não fosse, entre o precedente e o atual
empregador persistiria a responsabilidade regressiva ante a vedação do
enriquecimento sem causa.
Ressalta que não se reconheceu a viabilidade da compensação de dívidas
diante da iliquidez dos valores objeto da reconvenção, o que não é empecilho
à declaração do direito, segundo o recorrente, porque o montante devido pode
ser apurado oportunamente nos autos.
Assinala, ademais, a existência de conexão entre os feitos seja pela
identidade do título ("Termo de Compromisso"), seja pelo fundamento da
defesa.
Por fim, arremata apontando a nulidade do julgado porquanto não foram
sanados os vícios alegados nos aclaratórios, cujo decisum padece de
desfundamentação.
Contra-razões às fls. 395/400, no sentido da não-demonstração da divergência
e da aplicação da Súmula n. 7-STJ à pretensão de revisar matéria de fato.
O recuso especial foi admitido pela decisão presidencial de fls. 402/404.
É o relatório.
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR (Relator): - Cuida-se de ação de
cobrança de saldo remanescente de pagamento acertado em "Termo de
Compromisso" firmado entre as partes, relativo à remuneração dos serviços
prestados pelo antigo titular de cartório, antes que cedesse lugar para o
atual, em virtude de aprovação em concurso público.
O recurso especial vem calcado nas letras "a" e "c" do permissivo
constitucional e aponta contrariedade aos arts. 1.010 do Código Civil
anterior, 315, 165, 458, II, e 535 do CPC, e 10 e 448 da Consolidação das
Leis do Trabalho, a par de dissídio jurisprudencial.
Quanto à divergência, ela não foi demonstrada pelo modo próprio, eis que a
tanto não se presta sentença, posto que não se cuida de decisão colegiada de
tribunal, como exigido processual e regimentalmente.
Ao mesmo desiderato também não tem serventia acórdão oriundo da Justiça do
Trabalho, porquanto a competência constitucional desta Corte inclui
exclusivamente a pacificação do direito federal no âmbito da Justiça comum.
Portanto, ainda que os julgados e súmulas dos outros ramos do Judiciário
possam servir de fonte argumentativa para as decisões exaradas pelo STJ, não
estão sujeitos a sua autoridade.
Por outro lado, nem nulidade por omissão, nem ausência de fundamentação, são
detectáveis no acórdão que decidiu os embargos de declaração, pelo só fato
de haver adotado tese diversa da pretendida pelo recorrente quando tiver
abordado suficientemente todos os temas levantados pelas partes, como ocorre
na espécie.
Quanto à alegada possibilidade de compensação das dívidas proporcionada pela
reconvencional não pode ser reformado o acórdão distrital, porque a matéria
está acobertada pelos vetos das Súmulas n. 7-STJ e 283-STF.
Isso porque a assertiva de que o crédito que o recorrente afirma possuir em
desfavor do autor é ilíquido, conclusão que não pode ser desconstituída em
sede de recurso especial por demandar revisão dos fatos da causa, bem como
em razão de permanecer inatacado o fundamento de que o saldo devedor do
Termo de Compromisso, no valor de R$ 50.216,49, não guarda nenhum vínculo
com as verbas trabalhistas saldadas pelo recorrente, cujo exato valor não se
conhece, daí a inexistência de conexão, diante da diferença dos objetos e
das causas de pedir, ainda que decorram ambos os pleitos do mesmo contrato,
a inviabilizar a reconvenção.
Do imprescindível prequestionamento carecem as assertivas de existência de
solidariedade e da responsabilidade regressiva em virtude da vedação ao
enriquecimento ilícito, que não foram objeto de pronunciamento no Sodalício
a quo, por isso não podem ser discutidas nesta Instância (Súmulas n. 282 e
356-STF).
Por fim, a questão supérstite, de se verificar a sucessão trabalhista na
espécie, foi assim abordada pelo Desembargador (...), relator do aresto
vergastado no (...) (fls. 314/320):
"Como visto no relatório, sustenta o apelante não ter ocorrido, na hipótese
dos autos, sucessão trabalhista ao argumento de que não ocorreu
transferência dos bens que compõem o patrimônio da serventia anterior, não
havendo sucessão de empregadores e, portanto ressalta não ser justo que o
Apelado (tabelião anterior) receba todos os emolumentos pendentes, sem
abater os créditos trabalhistas vencidos dos empregados que contratou .
Entretanto, a CLT em seus arts. 2º (empregador é a empresa), 10 (alteração
da estrutura da empresa) e 448 (mudança na propriedade) traça uma constante
que caracteriza a continuidade do vínculo empregatício e da responsabilidade
(solidária ou sucessiva) nos débitos. Não se exclui a exploração de qualquer
atividade negocial, nem sequer a concessão de serviço público desde que se
dêem os requisitos. Além do mais, a sucessão é instituto que protege o
credor, o empregado, dando-lhe o direito de voltar-se contra o sucessor, não
obstante ser o antecessor o inadimplente.
Não é qualquer coisa como uma norma pública abstrata que libera o real
devedor de livrar-se dos aborrecimentos do processo e da obrigação de
responder perante seus empregados (TRT/SP, RO 22.043/85, Valentin Carrion,
Ac. 8ª T.). (Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 1997, 22ª
edição, editora Saraiva, pág. 283).(g-n).
Daí firmou-se o entendimento pretoriano no sentido de que Caracterizada está
a sucessão de empregadores, pois a unidade econômico-jurídica passou de um
para outro titular e não houve solução de continuidade na prestação de
serviços (TRT, 10ª Reg. AP 334/85, Marco Giacomini, Ac. 2ª T. 1.945/86).
(Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 1997, 22ª edição, editora
Saraiva, pág. 283).
Cumpre trazer à colação excerto da r. sentença guerreada, a integrar os
fundamentos deste voto:
Trata-se de ação de cobrança de dívidas provenientes de serviços prestados e
não recebidos pelo antigo tabelião do Cartório do (...) Ofício de Registro
Civil, Títulos e Documentos de (...), na qual o requerido, que é o novo
tabelião, pretende, em reconvenção, reconhecimento de créditos decorrentes
de obrigações trabalhistas assumidas em período anterior à sua posse no
cargo, com a respectiva compensação de dívidas.
Preliminarmente, importante frisar-se que a dívida cobrada, assim como seu
valor, não foi contestada pelo requerido, que não só a reconhece, como
pleiteia sua compensação com outros valores que, acredita, é credor.
Assim, não havendo dúvidas quanto à procedência da dívida cobrada na petição
inicial, no valor de R$ 50.216,49, passa-se à análise da possibilidade de
compensação de créditos, questão trazida na reconvenção, relativa à
responsabilidade por dívidas trabalhistas.
Trata-se na realidade de se verificar se houve, com a mudança dos tabeliães
do Cartório do (...) Ofício de Registro Civil, Títulos e Documentos de
(...), sucessão de empregadores, matéria disciplinada pela Consolidação das
Leis Trabalhistas em dois artigos: no art. 10, que estabelece que qualquer
alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos
adquiridos por seus empregados e no art. 448: a mudança na propriedade ou na
estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos
respectivos empregados.
O renomado jurista Délio Maranhão, em sua obra, Instituições do Direito do
Trabalho, ensina-nos que desde que haja uma atividade econômica (produção de
bens ou serviços ) na qual se utiliza a força do trabalho alheia como fator
de produção, existe a figura do empregador.
Assim, empregador, juridicamente, como um dos sujeitos do contrato de
trabalho, é a pessoa física ou jurídica, que, assumindo os riscos da
atividade econômica, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
Por outro lado, importante também ressaltar que não é requisito para ser
empregador ter personalidade jurídica. Tanto é empregador o condomínio de um
edifício, como a sociedade de fato ou irregular. Na verdade, empregador é
todo aquele que tem empregado, sem uma de suas características assumir os
riscos de suas atividade, ou seja, tanto os resultados positivos como os
negativos.
Dentro deste conceito de empregador incluem-se certamente os tabeliães ou o
Cartório do (...) Ofício de Registro Civil, Títulos e Documentos de (...),
como assinado nas Carteiras de Trabalho e Previdência Social, fichas de
Registro de Empregado e contracheques dos funcionários, cujas cópias foram
juntadas às fls. 52/162 dos autos.
Quanto à sucessão de empregadores, continua o respeitado professor Délio
Maranhão, na já mencionada obra, referindo-se ao contrato de trabalho:
O intuito personae, em tal contrato, existe, de regra, unicamente, quanto à
pessoa do empregado, e nisto estão todos de acordo: civilistas e
trabalhistas. Não há, portanto, em princípio, nenhum obstáculo em direito
para que a sucessão se dê pela substituição de um dos sujeitos do contrato,
ou seja, o empregador. (...)
O novo empregador responde pelos contratos de trabalho concluídos pelo
antigo, a quem sucede, porque lhe adquiriu o estabelecimento, cujo conceito,
como verificamos, é unitário. É uma conseqüência da transferência do
estabelecimento como organização produdiva. Na frase expressiva de Ferrara,
é como se o posto de mando de um veículo fosse ocupado por outro. A
transferência do estabelecimento, como um bem que resulta do conjunto de
vínculos existentes entre diferentes fatores de produção, supõe a de todos
os elementos organizadores. Um desses elementos é o trabalho. (...)
Como é sabido, uma das fontes das obrigações é a lei. Por que o novo
empregador responde pelos contratos de trabalho concluídos pelo antigo, no
caso de transferência de estabelecimento? Porque a lei assim determina. E o
faz, ainda por meio de um desvio de princípios, atendendo à natureza mesma
do estabelecimento, que ela visa a conservar como um todo unitário, e
atendendo a que, não sendo o contrato de trabalho, normalmente, intuitu
personae, em relação ao empregador, diz respeito, quanto ao empregado, mais
ao próprio serviço do que à pessoa do empregador. Como escreve Oscar
Saraiva, a lei protege o trabalhador em seu emprego, enquanto esse emprego
existir, independente de quem seja o empregador.
Assim, prossegue o respeitado mestre do Direito do Trabalho, concluindo com
a clareza que lhe é peculiar que:
Para que exista a sucessão de empregadores, dois são os requisitos
indispensáveis:
a) que um estabelecimento, como unidade econômico-jurídica passe de um para
outro titular;
b) que a prestação de serviço pelos empregados não sofra solução de
continuidade.
Como já tivemos ocasião de frisar, com apoio na lição de Ferrara, o titular
do estabelecimento – que é a organização dos fatores de produção – não
precisa ser, necessariamente, proprietário dos bens reunidos nessa
organização, bastando que lhe tenha sido outorgado o governo desses bens. É
irrelevante o título em virtude do qual o titular do estabelecimento utiliza
as coisas empregadas no exercício da atividade econômica. O direito do
trabalho, por seu turno, leva em conta o fato objetivo da continuidade da
prestação de serviço. Daí porque a sucessão se verifica, também, no caso de
arrendamento. Pelo mesmo motivo, o concessionário de um serviço público
sucede ao anterior.
Isto posto, dúvidas não restam sobre a atribuição da responsabilidade por
dívidas trabalhistas ao novo tabelião, que sucedeu como empregador o antigo
responsável pelo Cartório do (...) Ofício, eis que todos os requisitos acima
assinalados foram atendidos (mudança da titularidade do estabelecimento e
continuidade na prestação do trabalho).
Ademais, como ensina Orlando Gomes, o dispositivo que assegura ao empregado
o direito ao emprego, em caso de sucessão, é de ordem pública. Assim, o
acordo de vontade dos particulares não poderá modifica-lo (Direito do
Trabalho. Estudos, 1941, pág. 82.).
Portanto, em virtude da existência de continuidade nas relações de trabalho
dos funcionários, já que nenhum deles foi demitido no dia em que o
autor-reconvinte assumiu a titularidade do Cartório do (...) Ofício, não há
que se falar em dívidas trabalhistas do antigo responsável pelo cartório.
Impossível a procedência da pretensão colocada na reconvenção de pagamento
proporcional de obrigações trabalhistas pretéritas, eis que, uma vez
ocorrido o fenômeno da sucessão de empregadores, se um desses empregados
fosse reclamar seus direitos na Justiça Laboral, certamente seria o novo
tabelião que por eles responderia.
Conseqüentemente, não havendo dever do autor relativamente às dividas
trabalhistas pretéritas, em razão da ocorrência do fenômeno da sucessão de
empregadores, que transmite ao novo empregador a responsabilidade pelos
pagamentos de todos os direitos perante os empregados, deixo de apreciar as
demais matérias trazidas à debate, especialmente a relativa à possibilidade
de compensação de dividas vencidas com vincendas.
Sob este prisma, vale ressaltar que não se admite a compensação entre
valores líquidos e ilíquidos (Apc 51021/98, Reg. ac. 136678, 2ª Turma Cível,
DJU de 25/04/2001) , pois nos termos do art. 1010 do Código Civil, não há
compensação entre dívida líquida e dívida ilíquida. (Apc 33934/94, Reg. ac.
74432, 3ª Turma Cível, DJU de 01/02/1995) .
Não se pode descurar, in casu, que o atual tabelião manteve os empregados,
por sucessão de empregador, já treinados e adaptados para o serviço notarial
– ou seja, pois no seu inequívoco interesse – dando ensejo a continuidade
regular ao serviço cartorário, não sendo pois demitidos quando assumiu a
titulariedade do Cartório."
Como se verifica, apreciar se houve ou não violação dos arts. 10 e 448 da
CLT somente seria possível se promovida profunda ingerência no conteúdo
probatório e contratual dos autos, para afirmar, contrariamente às
instâncias ordinárias e em desconsideração à inexistência de controvérsia a
respeito da continuidade dos trabalhos do cartório, sob a direção de outro
tabelião, que não sobreveio sucessão trabalhista na hipótese.
Em casos anteriores julgados pelo STJ, à semelhança do presente, entendeu-se
que a matéria é indissociável da análise fático-contratual, sobre ela também
incidindo os óbices das Súmulas n. 5 e 7. Nesse sentido:
"TRABALHISTA. SUCESSÃO. MATÉRIA FÁTICA. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO. RECURSO
DESPROVIDO . Não demonstrado satisfatoriamente o dissídio e cuidando-se de
espécie a exigir o reexame de fatos, não há como prosperar o agravo para
fins de apreciação do especial." (4ª Turma, AgR-AG n. 54.627/BA, Rel. Min.
Sálvio de Figueiredo Teixeira, unânime, DJU de 19.12.1994)
"DIREITO DO TRABALHO. SUCESSÃO TRABALHISTA. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL PARA FINS DE
REFORMA AGRÁRIA. INCRA. NÃO-CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS. FALTA DE REQUISITO
PARA A SUCESSÃO. ARTS. 10 E 448 DA CLT. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. - A
sucessão trabalhista tem como premissa a continuidade da prestação dos
serviços, não se configurando em caso de aquisição de imóvel, e não de
empresa, para fins de reforma agrária." (4ª Turma, REsp n. 94.009/PE, Rel.
Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, unânime, DJU de 28.09.1998)
"TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RECLAMATÓRIA. COMPRA E VENDA DE
ENGENHO E TERRAS PARA ULTERIOR PARCELAMENTO PELO INCRA. SUCESSÃO RECONHECIDA
PELO TRIBUNAL REGIONAL. RESPONSABILIDADE TRABALHISTA ASSUMIDA PELA AUTARQUIA
FEDERAL. PREQUESTIONAMENTO INSUFICIENTE. ACÓRDÃO FUNDAMENTADO EM FATOS E NA
INTERPRETAÇÃO DE CONTRATO. RECURSO ESPECIAL. ÓBICES DAS SÚMULAS N. 282 E
356-STF, 5 E 7-STJ. I. A ausência de prequestionamento impede a
admissibilidade recursal em toda a extensão pretendida pela parte. II.
Firmado pelo Tribunal Regional Federal, com base no exame dos fatos e na
interpretação de cláusula contratual, que houve a sucessão trabalhista em
decorrência da compra e venda de engenho e terras respectivas pelo INCRA à
empresa recorrida, cabendo, destarte, à autarquia, responder no pólo passivo
de reclamatória movida por ex-empregados rurais, a reapreciação da
controvérsia, na via especial, recai nos óbices das Súmulas n. 5 e 7 do STJ.
III. Recurso especial não conhecido." (4ª Turma, REsp n. 152.829/PE, Rel.
Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 06.03.2006)
"Direito do trabalho. Sucessão trabalhista. Art. 448 da Consolidação das
Leis do Trabalho. Área adquirida pelo INCRA para efeito de assentamento.
Precedente da Corte. 1. Como já decidiu a Corte a sucessão trabalhista tem
como premissa a continuidade na prestação dos serviços, não se configurando
em caso de aquisição de imóvel, e não de empresa, para fins de reforma
agrária (REsp nº 94.009/PE, Relator o Senhor Ministro Sálvio de Figueiredo
Teixeira , DJ de 28/9/98). 2. Recurso especial conhecido e provido." (3ª
Turma, REsp n. 398.078/PE, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito,
unânime, DJU de 18.11.2002)
Ante o exposto, não conheço do recurso especial.
É como voto.
Fonte: Site STJ
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