JURISPRUDÊNCIA CÍVEL
AÇÃO ANULATÓRIA - CLÁUSULA TESTAMENTÁRIA - SUPOSTA CARACTERIZAÇÃO DE
FRAUDE CONTRA CREDORES - ATO DE ÚLTIMA VONTADE DE PESSOA ALHEIA À DÍVIDA
- AÇÃO PAULIANA - INADEQUABILIDADE - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO
Ementa: Processo civil. Anulação de cláusula testamentária pela suposta
caracterização de fraude contra credores. Inadequabilidade da ação
pauliana. Impossibilidade jurídica do pedido.
- A ação pauliana é cabível para anular os atos do devedor que impliquem
a dissipação de seu patrimônio em detrimento dos credores. Não pode,
porém, visar à invalidade de ato de terceiro, que não integre a relação
creditícia, sendo o pedido juridicamente impossível.
Apelação Cível nº 1.0287.03.014636-2/001 - Comarca de Guaxupé - Relator:
Des. Cláudio Costa
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a Quinta Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de
fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas,
à unanimidade de votos, em extinguir o processo, de ofício.
Belo Horizonte, 05 de setembro de 2005. - Cláudio Costa - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. CLÁUDIO COSTA - Inicialmente, é mister ver que a apelação foi
aviada em nome de José Roberto Sabbag da Silva Barbosa, Luiz Octávio
Sabbag da Silva Barbosa, Solange Silva Barbosa e Linda Sabbag da Silva.
Entretanto, esses três últimos haviam pleiteado sua exclusão da lide, o
que foi deferido em primeiro grau de jurisdição. Ou seja, não têm eles
qualquer legitimidade para figurar como apelantes, razão pela qual não
admito o recurso, em nome de Luiz Octávio Sabbag da Silva Barbosa,
Solange Silva Barbosa e Linda Sabbag da Silva.
Em relação ao apelante José Roberto Sabbag da Silva Barbosa, ele sim
parte legítima para recorrer, conheço do apelo, por verificar a presença
dos pressupostos de admissibilidade.
Conforme exposto no relatório, que passa a integrar o presente voto,
cuida-se de apelação interposta por José Roberto Sabbag da Silva Barbosa
em face de sentença que julgou procedente a ação de anulação de
cláusulas testamentárias movida por Iran Tadeu dos Reis, condenando o
primeiro apelante ao pagamento de custas e honorários advocatícios,
esses no importe de R$ 2.600,00.
Há diversas questões preliminares, suscitadas pelo apelante e pelo
Ministério Público, mas peço vênia para levantar, de ofício, outra
preliminar, qual seja, a de impossibilidade jurídica do pedido.
A ação visa a anular cláusula testamentária, pela qual o testador gravou
de impenhorabilidade, inalienabilidade e incomunicabilidade o quinhão
atinente ao seu herdeiro José Roberto Sabbag da Silva Barbosa, aqui
apelante, que é devedor de várias pessoas, dentre eles o apelado.
Todavia, esse pedido não encontra previsão legal no ordenamento jurídico
pátrio, sendo o autor carente de ação. Explico:
O Código Civil põe à disposição do credor lesado a ação pauliana, ou
revocatória, em que poderá pretender a anulação do ato a ele lesivo.
Ocorre que, para ser cabível, a ação pauliana exige a verificação de
alguns requisitos. Um deles é a qualidade de credor de quem alega o
concílio fraudatório, sendo que, no caso, o apelado demonstrou ter
créditos em relação ao apelante, o que, ao meu ver, afastaria a alegação
de ilegitimidade ativa.
Outro requisito estabelecido na lei civil é a prática de atos
fraudulentos pelo devedor, no intuito de dissipar seu patrimônio e, com
isso, furtar-se a responder, com ele, pelas dívidas que tenha em relação
àquele que alega. Veja-se, então, que a ação de anulação do negócio
jurídico inquinado do vício fraude contra credores deve voltar-se,
necessariamente, contra os negócios jurídicos praticados pelo sujeito
passivo da dívida, o que não ocorre no caso vertente, em que a pretensão
anulatória se dirige a ato de última vontade de terceira pessoa, que não
integra a relação creditícia.
Com efeito, o apelado não visou anular um ou alguns atos praticados pelo
apelante. Buscou, isso sim, tornar sem efeito a cláusula testamentária
estabelecida pelo pai do devedor, ato personalíssimo, que não integra a
órbita das manifestações de vontade do devedor/apelante. Ora, se não
ataca um negócio praticado pelo devedor, mas sim uma disposição de
última vontade de pessoa alheia à dívida, mostra-se absolutamente
impossível, do ponto de vista jurídico, o manejo da ação anulatória em
virtude da fraude contra credores.
Não se faz necessário discutir, aqui, a legitimidade daquela disposição
testamentária, que de resto sempre foi admitida no direito brasileiro, a
despeito das críticas por parte da doutrina. Independentemente disso, o
que se tem é que o autor visou anular, por fraude contra seu crédito,
ato que não foi praticado pelo devedor e que, por isso mesmo, não pode
ser tornado ineficaz, por essa via.
Destaco, finalmente, que o Código Civil hoje vigente permite a anulação
das disposições testamentárias inquinadas de erro, dolo ou coação,
silenciando-se sobre a hipotética anulação decorrente da fraude contra
credores. Conseqüência disso, ao meu ver, é que essa específica
modalidade de vício do negócio jurídico não pode ser alegada em relação
às cláusulas do testamento. Afinal, a regra especial prefere à geral.
Por tais fundamentos, reconhecendo, de ofício, ser o autor carecedor de
ação, pela impossibilidade jurídica do pedido, julgo extinto o processo,
nos termos do art. 267, VI, do CPC.
Custas, ex lege.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores José Francisco Bueno
e Dorival Guimarães Pereira.
Súmula - EXTINGUIRAM O PROCESSO, DE OFÍCIO.
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