EMENTA
Sucessão – Cônjuge sobrevivente [artigos 1603, III, do CC de 1916 e
1829, III, do CC de 2002] -No Caso de existir descendência ou
ascendência para suceder o finado, a herança, em sua totalidade,
destina-se à viúva, independente de o casamento ter sido celebrado sob o
regime de separação obrigatória de bens, por figurar o cônjuge
supérstite, com exclusividade, na terceira linha da ordem sucessória,
desde que não separado [jurídica ou de fato] há dois anos [artigo 1830,
do novo CC]; o propósito dos colaterais, de inversão dessa regra, não
encontra amparo legítimo, na lei ou na regra moral das obrigações - Não
provimento. (TJSP – 3ª Câm. de Direito Privado; Aci nº 139.185-4/7-00 –
SP; Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani; j. 3/6/2003, v.u)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇAO CÍVEL n°
139.185-4/7, da Comarca de SÃO PAULO, em que são apelantes JOAO
RODRIGUES BOTICARIO e OUTROS, sendo apelada ODETTE ROSA RODRIGUES
BOTICARIO:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, por votação unânime, negar provimento aos recursos.
RELATÓRIO
JOÃO RODRIGUES BOTICÁRIO, na condição de irmão do finado Francisco
Rodrigues Boticário, morto em 5-6-1995 (fl. 11), e MARIA ALICE PEREIRA
INOCÊNCIO, como sobrinha e filha da falecida Filomena Rodrigues [irmã do
de cujus], recorrem da r. sentença que rejeitou ação de nulidade da
partilha [na verdade, adjudicação] que se lavrou no inventário de
Francisco, destinando, em um só quinhão, todos os bens dos inventários à
viúva Odette Rosa Rodrigues Boticário, porque consideram que a viúva, no
caso, não poderia herdar os bens devido ao regime de separação de bens
que regulamentava o casamento dos cônjuges.
O MM. Juiz de Direito declarou que o direito garante precedência à viúva
do finado diante dos irmãos (artigo 1603, III, do Código Civil de 1916],
citando, como reforço de sua argumentação, a disciplina favorável às
companheiras [Leis 8971/94 e 9278/96] .
Verifica-se que Francisco e Odette celebraram matrimônio em 21 de maio
de 1977 [fl.14], oportunidade em que adotaram o regime de separação de
bens.
É o relatório.
VOTO
Não será necessário recolher taxa de preparo recursal, por usufruírem os
apelantes dos benefícios da gratuidade judiciária prevista na Lei
1060/50, conforme resulta de fl. 54.
A r. sentença deve subsistir.
O artigo 1603, 111, do Código Civil de 1916, colocava o cônjuge
sobrevivente, na ordem sucessória, à frente dos colaterais.¹ O novo
Código, atualizado com o sentido das Leis 8971/94 e 9278/96, que
estabeleceram direitos correlatos aos conviventes da união estável², não
apenas manteve a mesma posição que o cônjuge ocupava na ordem sucessória
(artigo 1829, III] , como lhe assegurou outra vantagem, qual seja, a
possibilidade de concorrer com os descendentes na situação prevista no
inciso I, do artigo 1829 [Lei 10.406/2002]. E, para arrematar, constou
do artigo 1832, do novo Código: "Em falta de descendentes e ascendentes,
será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente".
Para o Professor MIGUEL REALE, a mudança foi imposta para contornar
exclusão injusta do cônjuge submetido ao regime obrigatório [de comunhão
parcial, na forma da Lei 6515/77], que, sem recursos, corria o risco de
nada herdar no tocante aos bens particulares do falecido, dada a
primazia dos descendentes ou ascendentes [O cônjuge no novo Código
Civil, in O Estado de São Paulo, 12 de abril de 2003, A-2].
O Direito de Família sentiu a força dos princípios do Direito das
Obrigações. A divisão de bens adquiridos pelo esforço comum, tanto na
união estável quanto na matrimonial, sempre foi compreendida como objeto
de prestação econômica do plano societário comum, o que autorizava a
incidência das regras do condomínio [partilha eqüitativa], com
fidelidade ao enunciado da Súmula 380, do STF.
E o preclaro Advogado paranaense, Dr. EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE,
justifica o atual enquadramento em um parágrafo colocado com precisão
jurídica incontroversa [A nova ordem de vocação hereditária e a sucessão
dos cônjuges, in Informativo Semanal ADV, n. 18/2003, edição COAD, RJ,
p. 238]:
"A vida em comum que caracterizou o projeto comum do casamento passa a
se estender, após a morte do outro cônjuge, no direito sucessório. Na
sistemática de 1916, os descendentes e ascendentes, primeiramente, eram
invocados na "continuidade" dos efeitos do falecido, que, agora,
acertadamente, passa a ser substituído pelo cônjuge sobrevivente com
afastamento dos ascendentes; porque a premissa é a de que o cônjuge
sobrevivente foi quem partilhou a vida em comum do casal e não,
certamente, os ascendentes”.³
Apesar desse elogiável avanço para proteger o direito do cônjuge que
sobrevive, continua agitada a polêmica aberta sobre a possibilidade de
se lhe reconhecer direitos sobre a meação em caso de ter sido celebrado
o casamento no regime de separação de bens. É imperioso registrar, para
bem compreender o caso em julgamento, que devido à idade do varão
[nascido que era em 1912], ter sido o casamento celebrado com o regime
de separação obrigatória pela idade [artigos 258, II, do CC de 1916 e
1641, II, do novo estatuto].
Contudo, a Súmula 377, do STF [no regime de separação legal de bens,
comunicam-se os adquiridos na constância do casamento], permitia colocar
o cônjuge sobrevivente como meeiro, ainda que sob o regime de separação
de bens. No regime do CC de 1916, que é o que se aplica, poder-se-ia
reconhecer a meação da requerida [viúva], ainda que vigorando o regime
de separação, diante da certeza de ter a cônjuge participado da
aquisição ou manutenção do patrimônio comum, formado que foi ele com o
casamento, com parte proveniente do primeiro matrimônio do finado.
Ocorre que não é essa a questão decisiva. O que realmente importa é que,
independente da espécie de regime escolhido para disciplinar o
casamento, o cônjuge herda tudo, quando o morto não deixa descendentes
ou ascendentes. O insuperável W. de BARROS MONTEIRO empregou a
expressão: "seja qual o for o regime de casamento, ainda que de
separação, legal ou convencional, absoluta ou limitada”, para enfatizar
que “o cônjuge não separado precede aos colaterais na ordem de vocação
hereditária" [Curso de Direito Civil - Direito das Sucessões, Saraiva,
1990, vol. 6, p. 86]. 4
Há uma única condição para que o cônjuge recolha a herança, qual seja, a
manutenção do vinculo conjugal, pois, no caso de separação de fato ou
juridicamente [Lei 6515/7.7], por dois anos, prejudica-se o direito
sucessório, conforme disposto no artigo 1830, do CC de 2002. Mesmo
assim, ressalva-se a preservação do direito de sucessão, no caso de
separação de fato, em sendo "comprovada a impossibilidade da convivência
sem que houvesse culpa do sobrevivente" [JOSÉ DA SILVA PACHECO, Da
sucessão do cônjuge sobrevivente perante o novo Código Civil, in
Informativo ADV, da COAD, n. 22/2003, p. 305].
Essa é uma velha exigência; GOUVÊA PINTO afirmava, que o cônjuge, marido
ou mulher, para suceder na meação, ou herança, do falecido, era
necessário provar "que ao tempo da morte estivessem vivendo juntos, sem
que tivesse havido separação, de thalamo ou mêza" [Tratado dos
testamentos e sucessões, Garnier, Rio de Janeiro, 1881, p. 384].O
impedimento não incide para o caso analisado e sequer foi ventilada a
hipótese de ser a apelada separada, de fato ou de direito.
A explicação para esse esquema jurídico que protege o cônjuge supérstite
é bem simples. O cônjuge é o herdeiro de sua classe e, por isso, não
entra em disputa com os colaterais [apelantes]. Costuma-se criar alguma
incerteza quanto ao direito exclusivo do cônjuge, pela confusão de
herança com meação. Meação correspondente à parte que o cônjuge obtém
dos bens comuns, em virtude do regime de casamento; a sucessão, como
esclarece outro ilustre Professor paranaense [INACIO DE CARVALHO NETO, A
sucessão do cônjuge e do companheiro no novo Código Civil, in Revista
Brasileira de Direito de Família, Síntese, n. 15, p. 29], "independe do
regime de bens. É deferida ao cônjuge ou companheiro por força de seu
status de consorte".
Se o cônjuge, casado em regime de comunhão de bens, é chamado a herdar
na falta de ascendentes e descendentes, vai recolher a herança toda, que
correspondente à metade [porque a meação já era sua, pelo regime de
bens]; se casado no regime de separação de bens, arrecada tudo, como
muito bem anotou o saudoso Desembargador WALTER MORAES, do TJ-SP [Teoria
geral e sucessão legitima, RT, 1980, p. 139].
Portanto, com inteiro acerto, decidiu o digno Magistrado ao preservar a
partilha que destinou quinhão único ao cônjuge sobrevivente. O finado
não deixou descendentes ou ascendentes vivos, mas, sim, a viúva e irmãos
[e sobrinha, filha da irmã falecida]; nesse caso, segundo o artigo 1603,
III, do CC de 1916 [mantido pelo artigo 1829, III, do CC de 2002], a
viúva recolhe toda a herança, independente do regime de separação
obrigatória de bens. Os apelantes somente herdariam se a apelada
estivesse separada ou divorciada, ou morta, situações não ocorrentes.
Nega-se provimento aos recursos.
Participaram do julgamento os Desembargadores LUIZ ANTÔNIO DE GODOY
(Presidente e Revisor) e FLÁVIO PINHEIRO.
São Paulo, 03 de junho de 2003.
ÊNIO SANTARELLI ZULIANI, Relator
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1 - O TJ-SP, em antigo julgado que continua com o poder de referência
jurídica intocável, devido a sua atualidade, afirmou: “A falta de
descendentes ou ascendentes, a sucessão sai deferida ao cônjuge
sobrevivente, sendo irrelevante o regime de bens do casamento" [Ap.
41.678-1, j. em 26.9.1984, Des. GERALDO ROBERTO, in RT 591167]. Este o
enunciado do STF: “Se o de cujus não deixa descendentes nem ascendentes,
defere-se a sucessão ao cônjuge supérstite, mesmo que o regime do
casamento tenha sido o da separação de bens" [RE 55.298, de 14.11.1966,
Ministro OSWALDO TRIGUEIRO, in R.T.J. 401698].
2 - O STJ, com invejável senso de justiça, reconheceu o mesmo direito
que o artigo 1603, III, do CC de 1916, assegura ao cônjuge sobrevivente,
à companheira que viveu por dezesseis anos com o homem que faleceu sem
deixar ascendentes ou descendentes, deferindo-lhe a totalidade da
herança (REsp. 74.467 RS, Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, j. 20
de maio de 1997, in Revista de Jurisprudência do TJRGS n. 185/39].
3 - ITABAIANA DE OLIVEIRA justificava o preceito por princípios da
eqüidade natural", por ser justo atribuir a herança ao co-partícipe “das
desgraças, dos sofrimentos, das privações, dos prazeres fugitivos da
vida e das felicidades do lar, que só o amor conjugal traz, pela união
indissolúvel do vinculo matrimonial que forma, na bela fase bíblica -duo
in carne una - união espiritual e carnal" [Tratado de Direito das
Sucessões, Livraria Jacintho, 1936, I/192, § 294].
4 - Acrescentam-se, em abono dessa doutrina, as lições de NEY DE MELLO
ALMADA, que foi Desembargador com marcante atuação nessa ilustrada
Terceira Câmara do TJ-SP [Direito das Sucessões - Sucessão legitima,
Editora Brasiliense, 1991, I/311 ], e da prestigiada Professora MARIA
HELENA DINIZ, que sustenta, já na edição de seu Curso de Direito Civil
Brasileiro, atualizado com o novo Código Civil, que o regime de bens não
interfere na condição de herdeiro isolado, de terceiro nível, do cônjuge
sobrevivente (editora Saraiva, 2003, vol. 6°, p. 111].
TJ/SP
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