Falência. Título cambial. Aviso de protesto. Protesto comum. Possibilidade

Relator: GERALDO AUGUSTO
Relator do Acórdão: GERALDO AUGUSTO
Data do acórdão: 29/03/2005
Data da publicação: 13/05/2005

Inteiro Teor:

EMENTA: FALÊNCIA - TÍTULO CAMBIAL - AVISO DE PROTESTO - PROTESTO COMUM - POSSIBILIDADE.

Tratando-se de título cambial não pago na data do vencimento, apenas o protesto comum é suficiente para instruir o pedido de falência, em conformidade com a Lei n. 9.492/97, não sendo necessário o protesto especial inserto no art.10 da Lei de Falência.

Inexiste disposição legal que obrigue constar do instrumento de protesto, de forma expressa, o nome da pessoa que foi intimada, se esta foi feita via postal, revestindo-se, referidos documentos, de fé pública, mediante firma neles lançada pelo tabelião titular do Cartório.

APELAÇÃO CÍVEL N. 1.0024.04.354162-2/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): :BELCOSA DISTRIBUIDORA COSMÉTICOS LTDA. - APELADO(A)(S): :GUEDES DISTRIBUIDORA COSMÉTICOS LTDA. - RELATOR: EXMO. SR. DES. GERALDO AUGUSTO

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM REJEITAR PRELIMINAR À UNANIMIDADE, E DAR PROVIMENTO, VENCIDO O PRIMEIRO VOGAL.

Belo Horizonte, 29 de março de 2005.

DES. GERALDO AUGUSTO - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. GERALDO AUGUSTO:

VOTO - Conhece-se do recurso ante a presença dos requisitos exigidos à sua admissibilidade.

Da decisão (fls. 50-54, TJ) que, nos autos da ação de falência proposta por Belcosa Distribuidora Cosméticos Ltda. contra Guedes Distribuidora Cosméticos Ltda., julgou extinto o processo sem julgamento de mérito por entender ausentes os pressupostos essenciais, apela-se.

De início, a apelante argúi preliminar invocando a possibilidade, nas circunstâncias, do processamento do incidente de uniformização de jurisprudência, alegando ocorrência de decisões contrapostas neste Tribunal. No mais, argumenta, em resumo, a apelante, que não houve irregularidade no protesto, sendo este revestido das formalidades necessárias, sendo certo que a intimação da apelada foi feita, sendo, assim, desnecessária a comprovação de quem recebeu a notificação. Aduz que o título que embasa o pedido de falência está sujeito ao protesto comum, não sendo exigido o protesto especial.

Analisa-se a preliminar argüida pela apelante.

De plano, tem-se que o requerimento não veio acompanhado de certidões do inteiro teor dos acórdãos que alega serem divergentes a respeito da matéria específica, sendo feitas apenas transcrições de quatro ementas de decisões isoladas, sem atualização, porque datados de 1997, 1999, 2000 e outra sem data, não demonstrando a divergência, na eventualidade de sua existência, a sua permanência atual, a convencer.

É o entendimento jurisprudencial assentado que, em se tratando de requerimento de instauração de incidente de uniformização de jurisprudência "não se conhece do pedido da parte, se deficientemente instruído, sem indicação do repertório de jurisprudência ou certidão dos acórdãos divergentes" (RJTJESP 37/114, JTA 39/749).

Assim, não se conhece do pedido e REJEITA-SE A PRELIMINAR, como posta.

No mais, o pedido falimentar teve como fundamento a impontualidade da ora apelada, comprovado com a apresentação dos títulos e os protestos respectivos, não adimplidos no vencimento.

Tratando-se de título cambial não pago na data do vencimento, apenas o protesto comum é suficiente para instruir o pedido de falência, em conformidade com a Lei n. 9.492/97, não sendo necessário o protesto especial inserto no art. 10 da Lei de Falência.

É o entendimento da jurisprudência:

"Também em relação aos demais títulos, o protesto comum é suficiente para instruir o pedido de falência, dispensando-se o protesto especial do art.10 da LF. Neste sentido, em caso de protesto de duplicata". (RJTESP 94/120).

Vale lembrar que, nesta Câmara Julgadora, tem prevalecido o entendimento de que, instruído o requerimento de falência com o título subordinado ao regime do protesto cambial, não é necessário o protesto especial de que trata o art. 10 do Decreto-lei 7.661/45:

"PEDIDO DE FALÊNCIA - PROTESTO COMUM - INTIMAÇÃO PESSOAL - AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - VALOR REDUZIDO DO TÍTULO - IRRELEVÂNCIA. Se a Lei que regula o protesto cambiário não exige a intimação pessoal do devedor através do seu representante legal, nem a identificação do recebedor da intimação, assim como também não exige a Lei de Falência para o protesto especial, não há como negar validade aos protestos efetivados e que instruíram o pedido de falência. Se a própria lei autoriza o pedido de falência feito pela apelante com base na impontualidade, não se pode admitir, no presente caso, a extinção do processo, sem julgamento de mérito, com base na ausência de prévia propositura de ação de execução ou cobrança. Apelação provida e sentença cassada". (Ap. n. 1.0024.04.405869-1/001, Relator eminente Des. Eduardo Andrade, julg. em 23/11/2004).

Quanto à alegada ausência de comprovação do recebimento do protesto com a indicação de quem a recebeu, temos que a intimação pessoal do devedor não é obrigatória, por falta de previsão legal que obrigue constar do instrumento de protesto, de forma expressa, o nome da pessoa que foi intimada, se esta foi feita via postal, revestindo-se, referidos documentos, de fé pública, mediante firma neles lançada pelo tabelião titular do Cartório. Consta dos referidos instrumentos de protesto, tal certificação pelo Oficial de Registro, que o devedor foi intimado do protesto e nada respondeu, sendo assim, regular o ato e válido a embasar o pedido de falência.

A jurisprudência deste Tribunal é segura neste mesmo sentido, sendo válida a transcrição dos seguintes julgados:

"Apelação cível. Ação de falência. Duplicatas. Protesto cambial. Regularidade. Suficiência. Recurso provido. 1. Requerida a falência com base em título de crédito, é suficiente o protesto cambial. O protesto especial previsto no art. 10 do Decreto-lei n. 7.661, de 1945, é reservado para documentos que não sejam títulos de crédito. 2. A Lei n. 9.492, de 1997, não exige que o devedor seja intimado pessoalmente e permite que o ato de ciência seja levado a efeito por via postal. 3. Deve ser aceita, até prova em contrário, a certidão do oficial de protestos afirmando que o devedor foi intimado por via postal e o aviso de recepção encontra- se arquivado na serventia extrajudicial. 4. A regularidade do protesto cambial e a inexigência do especial torna insustentável a sentença que extinguiu o processo sem julgamento de mérito. 5. Apelação cível conhecida e provida.(Ap. cível n. 1.0024.04.304240-7/001, Relator eminente Des. Caetano Levi, julg. em 07/12/2004).

"Falência - Extinção do processo sem julgamento do mérito - Art. 267, IV, do CPC. Instrumento de protesto - Intimação do devedor - Omissão do nome da pessoa física - Inteligência do art. 14 da Lei n. 9.492/97 - Irrelevância.- O art. 14 da Lei n. 9.492/97 considera cumprida a intimação do devedor quando comprovada a entrega no endereço fornecido pela apresentante do título ou documento. Assim, não é irregular o protesto que não identifica a pessoa que recebeu a intimação, não constituindo tal omissão causa para extinção de processo falimentar, sob o fundamento de ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo (art. 267, IV, do CPC)." (Ap.Cível n. 115.856-7.00, rel. Des. Aloysio Nogueira, Minas Gerais, DJ, 17/04/99, fls. 1/2).

Assim, à evidencia, a documentação juntada satisfaz e autoriza o pedido exordial, pelo que deve a inicial ser recebida.

Não estando, pois, os autos em condições de julgamento por esta instância, na forma do art. 515, § 3º, CPC, necessário se faz o recebimento da inicial e o regular processamento do feito na Vara e Comarca de origem.

Com tais razões, DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO e cassa-se a sentença para determinar o regular prosseguimento do feito na Vara de origem.

O SR. DES. GOUVÊA RIOS:

VOTO PRELIMINAR - INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - FLS.57/58.

Data vênia, essa preliminar, tal como vinda e instruída, não pode ancorar em porto seguro.

Alega a apelante que a posição deste e. Tribunal não é pacificada quanto ao tema em julgamento.

Essa pretensão recursal, a meu pensar, não atende ao comando do parágrafo único do artigo 476 do C.P.C, nem aquele do § 2º do artigo 446 do vigente Regimento Interno deste e. Tribunal - Resolução n. 420/03, de 01.08.03.

Rejeito a preliminar.

Quanto ao mérito, com a devida vênia, estou emprestando meu aval ao d. Julgador singular, para confirmar a r. sentença de fls. 50/54.

Cada prestação jurisdicional deve restar definida dentro da moldura que a formata.

Não estamos em sede de ação de cobrança, mas de ação falencial, com os seriíssimos desdobramentos dela decorrentes.

A autora/apelante não encartou a estes autos comprovante da entrega das mercadorias e está executando duplicatas não aceitas e endossadas.

Como se isso não bastasse, a autora/apelante inclui no total cobrado verba honorária indefinida e despesas com protesto, como se vê na memória de fls. 04, como se isso representasse título de divida líquida e certa.

Não se discute a possibilidade de requerimento de falência lastreado em duplicata não aceita, desde que devidamente protestada e com prova de entrega de mercadorias.

Esse tema é pacífico na doutrina, conforme leciona AMADOR PAES DE ALMEIDA:

"Conquanto a tese não fosse unanimemente aceita e o próprio Supremo Tribunal Federal, posteriormente, alterasse seu ponto de vista - Recurso Extraordinário n. 80.407 -, a discrepância de entendimento de jurista e tribunais refletiu-se sobretudo no comércio e indústria, provocando insegurança e descontentamento, forçando a promulgação da Lei n. 6.458, de 1º de novembro de 1977, assegurando à duplicata não aceita, mas acompanhada da nota de entrega de mercadoria, eficácia executiva, proclamando, outrossim, a sua liquidez para legitimar pedido de falência. (...) Assim, toda a polêmica travada em torno do assunto perde qualquer consistência, não tendo senão curiosidade de natureza doutrinária, cercando-se a duplicata sem aceite, desde que acompanhada da nota de entrega da mercadoria, da necessária liquidez, certeza e exigibilidade, de molde a ensejar o processo de execução (ação executiva), legitimando o pedido de falência" ("Curso de Falência e Concordata", 20ª edição, São Paulo, Saraiva, 2002, págs. 35/37).

Já WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA ensina que:

"A falência caracteriza-se pela simples impontualidade do devedor, exteriorizada pelo protesto. Protestado apenas um dos títulos de emissão daquele, a impontualidade pela falta de pagamento de dívida líquida e certa faz presumir o estado de insolvência. (...) Para justificar a falência, é indispensável que o título resulte clara a responsabilidade do devedor..." ("Falência e Concordatas", 2ª edição, São Paulo, Ltr, 1996, pág 95). Caberia à Apelante provar a efetiva entrega das mercadorias à Apelada, o que, no caso sub examine, não ocorreu, razão pela qual deverá suportar o ônus de sua omissão, nos termos do artigo 333, I, do Código de Processo Civil.

GUISEPPE CHIOVENDA, ao discorrer sobre o ônus da prova e os fatos constitutivos e impeditivos, leciona que "O autor deve provar os fatos constitutivos, isto é os fatos que normalmente produzem determinados efeitos jurídicos; o réu deve provar os fatos impeditivos, isto é a falta daqueles fatos que normalmente concorrem com os fatos constitutivos, falta que impede a estes de produzir o efeito que lhe é natural." ("Instituições de Direito Processual Civil", 1ª edição, 1998, Bookseller, Campinas, vol. 2, p. 451).

Eis a lição de JOSÉ FREDERICO MARQUES:

"Como os fatos aduzidos pelo autor são os elementos constitutivos do pedido que deduziu em juízo, cabe-lhe o ônus de provar esses fatos para que sua pretensão seja acolhida e julgada procedente. Quanto ao réu, os fatos que lhe incumbe provar são os que forem invocados como impeditivos, modificativos ou extintivos do pedido do autor." ("Instituições de direito processual civil", Campinas: Millennium, 2000, vol. III, p. 342).

A orientação do Superior Tribunal de Justiça não discrepa:

"Falência. Requisitos. Falta de defesa. O juiz deve indeferir o pedido de falência que não atende aos requisitos previstos na lei, ainda que a requerida deixe de se manifestar depois de citada. Art. 319 do CPC. Requerimento fundado em duplicata não aceita, desacompanhada de protesto e de comprovante da entrega da mercadoria. Recurso não conhecido." (STJ, resp. 399182, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, DJ 10.06.2002).

Esse e. Tribunal assim vem reiteradamente decidindo:

"FALÊNCIA - PEDIDO IRREGULARMENTE INSTRUÍDO. A falência é medida extrema, logo o pedido de sua decretação há de ser instruído, rigorosamente, com o título de crédito que caracteriza a impontualidade do devedor." (TJMG, Apc. 1.0000.00.355189-2, Rel. Desembargador Garcia Leão, 1ª Câmara Cível, DJ 05.12.2003).

"Falência - Pedido lastreado em duplicata sem aceite. Aplicação do art. 1º do § 3º do Dec. Lei 7.661 c/c art. 15 da Lei de Duplicatas. Comprovante de entrega da mercadoria inexistente. Título executivo não configurado. Temerária é a decretação da falência. Recurso desprovido para manter a respeitável sentença pelos seus próprios e jurídicos fundamentos." (TJMG, Apc. 1.0000.00.280114-0, Rel. Desembargador Sérgio Lellis Santiago, 6ª Câmara Cível, DJ 03.10.2003).

Ante seus seriíssimos efeitos, a pretensão falimentar deve vir necessariamente acomodada em documentação apta a tal mister.

Deve haver inteira sintonia entre as cambiais arroladas no Requerimento falimentar e aquelas encartadas aos autos.

Prova documental adequada a um requerimento falencial é aquela imune a dúvidas e questionamentos formais.

Isso posto, NEGO PROVIMENTO AO APELO.

Custas recursais pela apelante.

A SRª. DESª. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE:

VOTO - De acordo com o Relator.

SÚMULA: REJEITARAM PRELIMINAR À UNANIMIDADE, E DERAM PROVIMENTO, VENCIDO O PRIMEIRO VOGAL.


Fonte: Site do TJMG - 17/05/2005