PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - EXECUÇÃO
DE SENTENÇA - CREDOR HIPOTECÁRIO - PENHORA E ARREMATAÇÃO DE BEM HIPOTECADO
POR CREDOR COMUM - AUSÊNCIA DE EXECUÇÃO E PENHORA ANTERIOR PELO CREDOR
HIPOTECÁRIO - IRRELEVÂNCIA - PREFERÊNCIA MANTIDA - SUB-ROGAÇÃO DO ÔNUS SOBRE
O PREÇO - RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO
A preferência do credor hipotecário subsiste independentemente de sua
iniciativa na execução ou penhora. A arrematação extingue o ônus real do bem
arrematado, mas o ônus se transfere para o produto da arrematação, por
sub-rogação.
Recurso conhecido e não provido.
Agravo ndeg. 1.0153.98.003261-6/002 - Comarca de Cataguases - Agravante:
Indústria Matarazzo Papéis S.A. - Agravada: Cia. Força e Luz Cataguases
Leopoldina - Relatora: Des.ª Márcia De Paoli Balbino
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 17 de janeiro de 2008. - Márcia De Paoli Balbino - Relatora.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES.ª MÁRCIA DE PAOLI BALBINO - Trata-se de recurso de agravo de instrumento
interposto em razão da decisão do MM. Juiz, cuja cópia consta às f.
26/30-TJ, que, na execução promovida pela agravada contra a ora agravante,
reconheceu o direito de preferência do credor hipotecário Banco Banespa
S.A., ora interessado, sem que este tivesse promovido prévia execução ou
penhora.
A agravante sustenta que o Banespa S.A. não tinha direito ao produto da
arrematação ou mesmo ao seu saldo, já que não propôs execução em face da
devedora e, muito menos, penhorou o bem hipotecado. Alega, outrossim, que o
Banco Banespa S.A. não apresentou o valor do seu crédito em sua habilitação,
tendo somente afirmado ser credor hipotecário. Requer seja deferido efeito
suspensivo, porquanto há risco de Banespa S.A. levantar a quantia relativa a
seu crédito, e seja dado integral provimento ao recurso, determinando a
imediata cassação da decisão.
À f. 100, conheci do recurso e deferi o pedido de efeito suspensivo.
Determinei que se oficiasse o MM. Juiz a quo, solicitando informações, e que
se intimasse a agravada para apresentar contraminuta.
O MM. Juiz, às f. 107/109-TJ, prestou informações, mantendo a decisão
agravada.
Intimados, a agravada e o interessado não apresentaram contraminuta,
conforme certidões acostadas nos autos, respectivamente, às f. 132 e 134
destes autos.
Às f. 136/159, consta cópia do acórdão prolatado nos autos do recurso
anterior de agravo de instrumento interposto em face da mesma decisão pela
Companhia Força e Luz Cataguases - Leopoldina em face da ora agravante,
Indústrias Matarazzo Papéis S.A., que deu parcial provimento ao recurso,
reconhecendo a preferência apenas de Banespa S.A. no concurso instaurado
pelo MM. Juiz.
Às f. 161/164, consta parecer do Ministério Público do Estado de Minas
Gerais, opinando pelo desprovimento do agravo, com a manutenção da r.
decisão em relação a Banespa S.A.
É o relatório.
Juízo de admissibilidade.
O recurso é próprio, tempestivo, havendo preparo regular.
Preliminares.
Não há preliminares a serem analisadas no presente recurso.
Mérito.
Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto pela Indústria
Matarazzo Papéis S.A., em razão de decisão de Primeira instância, que, na
execução de título judicial que lhe move a agravada, reconheceu direito de
preferência do credor hipotecário Banco Banespa S.A., ora interessado,
instaurando concurso de credores, sem que este tivesse promovido prévia
execução ou penhora.
A agravante pretende a imediata cassação da r. decisão para o fim de
determinar que o Banco Banespa S.A., credor hipotecário, não tenha qualquer
direito de participar do concurso creditório instaurado, nem de levantar o
saldo da arrematação.
A nosso aviso, à agravante não assiste razão.
Para o credor hipotecário não se exige prévia execução ou penhora para o
exercício de seu direito de preferência, bastando para tal a escritura de
garantia real e a sua inscrição no registro imobiliário.
Isso foi o que restou decidido pela Câmara, à unanimidade, no Agravo de
Instrumento nº 1.0153.98.003.261-6/001, cuja cópia consta às f. 136/159-TJ,
cujos fundamentos fáticos e jurídicos ora transcrevo:
"Sustenta ainda a agravante que o credor hipotecário não pode receber seus
créditos hipotecários antes de ela receber os seus. Alega que o Banespa S.A.
foi devidamente intimado da praça do imóvel hipotecado em 14.05.2003, nos
termos do art. 698 do CPC, antes, portanto, da realização da mesma, em
04.06.2003.
Alega que a arrematação ocorreu em 2003, e contra ela tal credor não se opôs
e também não moveu sua execução, embora vencido seu crédito desde
30.11.2000. Alega que a inércia e a ausência de manifestação por parte do
credor hipotecário anterior à arrematação fez com que esta extinguisse a
hipoteca, o que tornou o crédito quirografário.
Consta do art. 698 do CPC:
"Art. 698 - Não se efetuará a praça de imóvel hipotecado ou emprazado, sem
que seja intimado, com 10 (dez) dias pelo menos de antecedência, o credor
hipotecário ou o senhorio direito, que não seja de qualquer modo parte na
execução".
Compulsando os autos, verifica-se que Banespa S.A., na petição em que
requereu a instauração do concurso de credores, constante às f. 21/27-TJ,
confessa que na data de 14.05.2003, na qualidade de credor hipotecário, foi
intimado das realizações das praças designadas para os dias 04.06.2003 e
18.07.2003, ou seja, com vinte e um dias de antecedência, de modo que o
disposto no artigo acima restou devidamente atendido.
O bem penhorado foi arrematado na primeira praça, pelo valor total da
avaliação.
Consta do art. 1.499, VI, do CPC:
"Art. 1.499 - A hipoteca extingue-se:
(...)
VI - pela arrematação ou adjudicação".
Esclarecem José Costa Loures e Taís Maria Loures Dolabela Guimarães que:
"Se a execução for promovida por credor quirografário, a alienação do imóvel
hipotecado só será válida se o credor hipotecário for intimado da realização
da praça, com pelo menos dez dias de antecedência (art. 698 do CPC). O
direito de preferência é a razão óbvia do provimento da lei processual.
(...)" (Novo Código Civil comentado. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003,
p. 645).
Nesse sentido:
"Civil. Processual civil. Arrematação. Bem hipotecado.
A arrematação extingue a hipoteca, tanto que o credor hipotecário tenha sido
intimado da realização da praça, posto que tem conteúdo de aquisição
originária, livre dos ônus que anteriormente gravavam o bem por esse meio
adquirido" (REsp 40.191/SP, Quarta Turma, Rel. Ministro Dias Trindade, DJ de
14.12.1993).
"Execução. Arrematação. Extinção da hipoteca.
Intimado o credor hipotecário da realização da praça, a arrematação produz o
efeito de extinguir a hipoteca. Precedentes do STF e do STJ.
Recurso especial não conhecido" (REsp 36757/SP, Quarta Turma, Rel. Ministro
Barros Monteiro, DJ de 24.05.1994).
"Execução. Arrematação. Ato perfeito e acabado. Intimação do credor
hipotecário que permanece silente. Extinção da hipoteca.
- Sendo válida e eficaz a arrematação, com a intimação prévia do credor
hipotecário, que, contra esse ato não se insurgiu oportunamente, é de
considerar-se extinta a hipoteca nos termos do disposto no art. 849, VII, do
Código Civil.
Recurso especial não conhecido" (REsp 110093/MG, Rel. Ministro Barros
Monteiro, Quarta Turma, DJ de 04.02.2003).
Portanto, somente não se extinguiria a hipoteca se o credor hipotecário não
tivesse sido notificado acerca da hasta pública, consoante disposição
contida no art. 1.501 do Código Civil:
"Art. 1.501 - Não se extinguirá a hipoteca, devidamente registrada, a
arrematação ou adjudicação, sem que tenham sido notificados judicialmente os
respectivos credores hipotecários, que não forem de qualquer modo partes na
execução".
No caso em comento, conforme o próprio Banespa S.A. confessa em sua petição,
houve a sua intimação, inclusive, com vinte e um dias de antecedência, da
realização da primeira praça, sendo que o mesmo se quedou inerte, com a
conseqüente extinção da hipoteca sobre o bem praceado, em relação ao
arrematante.
Há de se indagar, então, se este efeito também faz extinguir a garantia real
em relação à agravante, para fins de se negar a preferência, como ela
pretende.
A meu aviso, a preferência do Banespa S.A. permanece.
Com efeito, houve a extinção da hipoteca em face do arrematante, que
adquiriu o imóvel agora livre do ônus real. Entretanto, como houve a
intimação do credor hipotecário sobre o praceamento do bem, a arrematação se
perfez, com a transferência ou sub-rogação do ônus que recaía sobre o imóvel
hipotecado para o preço.
Nos dizeres de Humberto Theodoro Júnior:
"Colocada a situação em seus devidos termos, a função da intimação prévia
estaria relacionada com a possibilidade de extinguir, ou não, a hipoteca ou
o direito de preferência do senhorio direto. Feita a prévia intimação, a
arrematação seria eficaz e o imóvel passaria livre da hipoteca (sub-rogação
no preço) e da preferência do senhorio. Omitida a intimação, dar-se-ia a
ineficácia perante os terceiros interessados, passando o imóvel ao
arrematante com o gravame hipotecário e subsistindo o direito de preferência
do senhorio direto" (Curso de Direito Processual Civil, v. II, 36. ed., Rio
de Janeiro: Forense, 2004, p. 231/232).
Como lecionam José Costa Loures e Taís Maria Loures Dolabela Guimarães:
"Como ensinam os doutos, quer a arrematação, quer a adjudicação têm o efeito
de sub-rogação. No expressivo dizer de Pontes de Miranda, 'o gravame cola-se
ao preço, porque se dá a sub-rogação real. A arrematação extingue o ônus
real do bem arrematado, transferindo-se para o seu preço" (apud NEVES,
Celso. Comentários ao art. 698 do CPC)". (Novo Código Civil. 2. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2003, p. 645).
"A função primordial da sub-rogação é de índole substitutiva (...).
Secundariamente, há uma função de garantia, eis que o credor terá a
segurança de recebimento do pagamento" (FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD,
Nelson. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 283).
Alexandre Freitas Câmara assim dispõe:
"(...). Se, ao contrário, tivesse havido a intimação, o arrematante
receberia o bem livre de ônus, e a hipoteca passaria a incidir sobre o
dinheiro arrecadado com a expropriação da coisa. Poderá, todavia, o
arrematante, no caso de se verificar essa ineficácia, requerer o
desfazimento da arrematação (art. 694, SS 1º, VI, do CPC)" (op. cit, p.
343).
Ademais, não há cogitar que houve renúncia ao ônus real pelo credor
hipotecário, por não ter se manifestado no período havido entre sua
intimação e o praceamento do bem, pois esta manifestação não era exigida,
podendo ser exercida, como no caso destes autos, após a efetiva arrematação,
porque só a partir daí nasce o interesse do credor hipotecário.
De fato, a renúncia, nos termos do art. 1.499, IV, do Código Civil, é uma
hipótese de extinção da hipoteca.
Ocorre que esta há de ser ordinariamente expressa, nos dizeres de Costa
Loures, considerada a necessidade de sua averbação no Registro Imobiliário.
"Com propriedade, pondera Clóvis Beviláqua ser a renúncia tácita
incompatível com o direito hipotecário, mas nada se opõe a que o credor,
juntamente com o devedor, requeira o cancelamento da hipoteca, ainda que não
esteja pago (...)" (op. cit., p. 645).
Para o credor hipotecário também não se exige prévia execução ou prévia
penhora para o exercício da preferência.
Assim, não houve a extinção da garantia real para fins de preferência, como
pretende a agravante.
Nesse sentido a jurisprudência:
"Credor hipotecário. Preferência. Penhora do bem hipotecado, por credor
diferente. Arrematação. Preferência reconhecida ao credor hipotecário,
independentemente de promover-ser a execução de seu crédito. Orientação de
acordo com a posição da 3ª Turma, no REsp 1.499. Recurso conhecido pelo
dissídio e improvido" (REsp 7.632/PR, Rel. Ministro Nilson Naves, Terceira
Turma, DJ de 09.04.1991).
"Direito civil. Credor hipotecário. Preferência. Penhora do bem hipotecado
por credor diferente. Arrematação. Preferência reconhecida ao credor
hipotecário. Recurso provido.
I - Na linha da jurisprudência desta Corte, a preferência do credor
hipotecário independe de sua iniciativa na execução ou na penhora.
II - A arrematação de imóvel gravado de hipoteca garante ao credor
hipotecário a preferência no recebimento de seu crédito em relação ao
exeqüente" (REsp 162.464/SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira,
Quarta Turma, DJ de 03.05.2001).
"Civil. Processual. Arrematação. Credor hipotecário. Preferência.
O credor hipotecário, independentemente de haver penhorado o bem gravado,
pode arrematar o bem penhorado em execução de outrem, garantida a
preferência de seu crédito" (REsp 9.767/SP, Rel. Ministro Dias Trindade,
Terceira Turma, DJ de 14.05.1991).
"Recurso especial. Credor hipotecário. Preferência. Precedentes da Corte.
1. Na linha de precedentes desta Corte, a "preferência do credor hipotecário
não depende de sua iniciativa na execução, ou na penhora. A escritura de
garantia real e a sua inscrição no registro imobiliário são suficientes para
preservar a prelação dele".
2. Recurso conhecido e provido" (REsp 75.091/SP, Rel. Ministro Carlos
Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, DJ de 06.06.1997).
Contudo, sustenta a agravante, a partir da escritura de consolidação de
dívidas, com garantias reais, fidejussória e outros pactos, às f. 57/73-TJ,
precisamente à f. 71, na cláusula vigésima segunda, que o crédito do
agravado está vencido desde 30.11.2000, sem que manejasse a execução
cabível, razão pela qual não poderia ser exigível.
Entretanto, tal fato não é relevante, já que a pretensão do exeqüente em
receber seu crédito somente começou a fluir a partir do vencimento,
30/11/2000, sem que houvesse, contudo, operado a prescrição.
Pelo exposto, dou parcial provimento ao recurso, para afastar a preferência
dos créditos trabalhista e fiscal, mantendo, contudo, a preferência do
crédito hipotecário de Banespa S.A. em relação à agravante.
Assim, pelo exposto, nego provimento ao recurso, mantendo a preferência do
crédito hipotecário de Banespa S.A.
Custas recursais, pela agravante.
Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Eduardo Mariné da Cunha
e Guilherme Luciano Baeta Nunes.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. |