OUTORGA DE ESCRITURA -
COMPRA E VENDA - BEM IMÓVEL - GARANTIA DE DÍVIDA - PACTO DE RETROVENDA -
DAÇÃO EM PAGAMENTO - CONFIGURAÇÃO - ATO JURÍDICO PERFEITO - DANO MORAL -
NÃO-OCORRÊNCIA - REFORMA DA SENTENÇA - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO - MULTA DIÁRIA
- FIXAÇÃO
Ementa: Apelação cível. Outorga de escritura. Obrigação. Dação em pagamento.
Configuração. Negócio jurídico perfeito. Reforma da sentença. Procedência do
pedido.
- A dação em pagamento ocorre quando o credor consente em receber coisa que
não dinheiro, em substituição à coisa devida. É um acordo liberatório, em
que sobre o consentimento predomina a idéia da extinção da obrigação.
Configurada nos autos a dação em pagamento, demonstrada a consciência do
devedor do negócio jurídico realizado, não há que se falar em improcedência
do pedido, devendo-se reformar a sentença recorrida para julgar procedente o
pedido de outorga de escritura.
Apelação Cível n 2.0000.00.480499-9/000 - Comarca de Belo Horizonte -
Apelante: Aroldo José dos Santos - Apelada: Virgínia Maria Vieira de Paula
Valente - Relator: Des. Mauro Soares de Freitas
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em dar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 12 de julho de 2006. - Mauro Soares de Freitas - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. MAURO SOARES DE FREITAS - Trata-se de apelação interposta por Aroldo
José dos Santos em face de Virgínia Maria Vieira de Paula Valente contra r.
decisão que julgou improcedente o pedido na ação de outorga de escritura.
Inconformado, o autor recorre do r. decisum, requerendo sua reforma ao
argumento de que houve parcialidade explícita do Juízo em decorrência de
violação do requisito da inércia da jurisdição, porque não houve pedido pela
recorrida, formulado em sede procedimental adequada, para a anulação do
contrato originador da obrigação de outorga de escritura. Aduz que o art.
168 do CC/2002 impõe ao juiz a declaração ex officio somente das nulidades
dos negócios jurídicos, e, uma vez que a lesão, alegada pelo julgador
primevo, é defeito do negócio jurídico que dá origem à anulabilidade, não
poderia ser declarado ex officio como o fez. Ainda afirma que não há nos
autos prova que confirme as alegações da apelada. Assim, requer sua reforma
para julgar procedente o pedido.
Contra-razões às f. 93/98, em que a apelada pugna pela manutenção do r.
decisum.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.
Inicialmente, é importante ressaltar a respeito dos institutos alegados
pelas partes.
Ficou ressaltado nos autos que o filho da ré era devedor do autor e que o
imóvel, objeto do contrato de compra e venda, de propriedade daquela, foi
dado em garantia da dívida, no valor de R$ 10.876,10 (dez mil oitocentos e
dezesseis reais e dez centavos).
Nasce daí uma obrigação que podemos conceituá-la como um vínculo jurídico do
qual uma pessoa pode exigir de outra prestação economicamente apreciável.
Assim, configura-se o que ocorreu no presente caso, o autor era credor do
filho da ré, portanto este tinha uma obrigação para com o autor, que, ao
tentar resolver a obrigação, deu em garantia da dívida um imóvel, de
propriedade de sua mãe.
A principal forma de extinção da obrigação é o pagamento, que, com isso,
quer dizer que o objeto da obrigação não pode ser substituído por outro,
ainda que mais valioso, sem o consentimento do credor.
In casu, afirma a ré, ora apelada, que o imóvel foi dado em garantia da
dívida de seu filho como já dito acima.
Ocorre que, ao compulsar os autos, verificando o conteúdo do contrato de
compra e venda firmado entre as partes, não traz o mesmo nenhum vício ou
irregularidade, pelo contrário, consitui ato jurídico válido e perfeito, com
o consentimento de ambas as partes, visto que a ré afirma ter assinado o
mesmo sem coação.
Ademais, há no mesmo um pacto de retrovenda que dispõe o seguinte:
"A promessa de compra e venda é resolúvel, nos termos do art. 1.140 do
Código Civil/1916, visto que os promitentes vendedores se reservam o direito
de recobrar o imóvel prometido à venda, até a data limite de 17 de agosto de
2001, restituindo o preço e as despesas feitas pelos promissários
compradores e benfeitorias que, com sua aprovação, se tenha introduzido no
imóvel; se os promitentes vendedores, dentro do prazo pactuado, não
notificarem a intenção de desfazerem o negócio, inclusive com a devolução
integral do preço e das despesas dentro deste mesmo prazo, a venda se
reputará irrevogável e irretratável".
Assim, dá o contrato a oportunidade de desfazer o negócio, como bem
salientado nos depoimentos, em que afirmam que se até aquela data deveria o
devedor efetuar o pagamento do valor devido ao credor, ora apelante, não o
fazendo, tornou-se o negócio irrevogável e irretratável.
Dessa forma, entendo que restou configurado no presente caso uma dação em
pagamento e não uma lesão como afirma o Julgador primevo.
Dispõem os arts. 356 e 357 do Código Civil/2002 a respeito da matéria, veja:
"Art. 356. O credor pode consentir em receber prestação diversa da que lhe é
devida.
Art. 357. Determinado o preço da coisa dada em pagamento, as relações entre
as partes regular-se-ão pelas normas do contrato de compra e venda".
Portanto, a dação em pagamento ocorre quando o credor consente em receber
coisa que não dinheiro, em substituição à coisa devida.
Conforme ensinamento de Caio Mário da Silva Pereira (in Instituições de
direito civil, teoria geral das obrigações. 21. ed., Forense, v. 2, p. 264):
"Em conseqüência do caráter translatício, associado à substituição
convencional da res debita, a dação em pagamento pressupõe e exige dupla
capacidade. Da parte do solvens é preciso que tenha ius disponendi da coisa,
pois que, se não puder efetuar a transferência da sua propriedade ao
accipiens, dação não haverá; e da parte do credor, como implica a
sub-rogação da coisa devida na coisa entregue, com efeito liberatório, o
accipiens tem de ser apto a dar o necessário consentimento. (...) Deve-se
conceituar a dação em pagamento como acordo liberatório, em que sobre o
consentimento predomina a idéia da extinção da obrigação".
Dessa forma, resta claro que foi o que aconteceu no presente caso. A
respeito do preço, o filho da ré era consciente de que o imóvel era de maior
valor que sua dívida, pois afirmou isso em depoimento à f. 67, em que diz:
"que o declarante sempre salientou ao autor no sentido de que o lote valia
mais que a própria dívida". Sendo confessado da consciência do que estava
fazendo, não há como configurar lesão ou algum vício capaz de anular o
negócio. Ademais, tal forma de extinção da obrigação é prevista em nosso
ordenamento jurídico; portanto, perfeita e legal.
Apesar de não apreciado na sentença, um dos pedidos do autor foi a
condenação da ré ao pagamento de danos morais pelos prejuízos causados
diante da negativa em assinar a escritura de compra e venda e a
instabilidade gerada acerca do negócio realizado.
Assim, neste momento, me manifesto a respeito deste pedido para indeferi-lo,
pois não houve configuração de danos morais.
Para configurar a obrigação na reparação de danos, deverá preencher três
requisitos: deve haver dano, conduta culposa e nexo de causalidade entre a
culpa e o dano.
In casu, não houve o preenchimento desses requisitos, pelo que não há que se
falar em indenização por danos morais.
Ante o exposto, deve-se reformar a presente sentença, pelo que dou
provimento ao recurso, para julgar parcialmente procedente o pedido de
outorga de escritura, pois o pedido de danos morais deve ser julgado
improcedente, invertendo-se os ônus da sucumbência e fixados honorários
advocatícios em R$ 1.000,00 (mil reais). Deve-se aplicar, ainda, o art. 461
do CPC, pelo que fixo o prazo de 30 (trinta) dias para cumprimento da
obrigação pela apelada, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos
reais).
Custas recursais, pela apelada.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores José Amancio e Otávio
Portes.
Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.
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