Mandado de segurança - ISSQN - Serviço Notarial e de Registro - Persiste a polêmica sobre a sua incidência


JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

MANDADO DE SEGURANÇA - LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL INSTITUIDORA DE TRIBUTO - EFEITOS CONCRETOS E IMINENTES - QUESTIONAMENTO - AUTORIDADE COATORA - PREFEITO - SERVIÇO NOTARIAL E DE REGISTRO - ATIVIDADE DE CARÁTER PRIVADO - ISSQN - INCIDÊNCIA - IMUNIDADE RECÍPROCA PREVISTA NO ART. 150,VI, A, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - NÃO-OCORRÊNCIA - VOTO VENCIDO

- Autoridade coatora, para fins da ação mandamental, é aquela que detém competência legal para o desfazimento do ato coator, caso concedida a segurança. Se são questionados efeitos concretos e iminentes de lei municipal instituidora de tributo, a autoridade, dita coatora, é o executor, ou seja, o prefeito municipal.

- Cabe ao aplicador do direito descobrir o regime jurídico aplicável ao conflito posto. Dizer que notários e registradores exercem as atividades que lhe são delegadas (serviços notariais e de registro) "em caráter privado" significa dizer que se organizam e se estruturam sob regime de direito privado, segundo as regras desse regime, em que há incidência, ex vi legis, do tributo inerente. Na tradição de nosso Direito Constitucional, é em benefício das pessoas jurídicas de direito público que se instituiu a imunidade recíproca.

- V.v.: - Em face da natureza pública dos serviços notariais, cartorários e registrais, não pode sobre eles incidir o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, sob pena de se afrontar a imunidade estabelecida pelo art. 150, VI, a, da Constituição da República. (Des. Cláudio Costa)

Apelação Cível nº 1.0701.04.064856-3/001 - Comarca de Uberaba - Relator: Des. Nepomuceno Silva

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de f., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, em rejeitar preliminares e extinguir o processo em relação ao Presidente da Câmara Municipal, à unanimidade. Reformar a sentença, no reexame necessário, prejudicado o recurso voluntário, vencido o Revisor.

Belo Horizonte, 09 de junho de 2005. - Nepomuceno Silva - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

Proferiu sustentação oral, pelo Município, o Dr. Paulo Henrique Mattos Stuart.

Des. Nepomuceno Silva - Sr. Presidente. Inicialmente, cumprimento o em. advogado.

Trata-se de reexame necessário, ex officio, e de apelação (f. 251/282), esta interposta pelo Município de Uberaba, ambos em face da sentença (f. 248), proferida pelo MM. Juiz de Direito da 4ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia, a qual, após afastar as preliminares, concedeu o mandado de segurança preventivo, impetrado, ali, pela Associação dos Notários e Registradores do Estado de Minas Gerais - Anoreg, contra suposto ato ilegal, praticado pelo Presidente da Câmara e o Prefeito daquele Município, para suspender a aplicação da Lei Complementar Municipal nº 298, de 24.12.03, que instituiu, naquela comunidade, a cobrança de ISSQN sobre os serviços notariais e de registro.

Em seu apelo, reitera o Município, em longas e fundamentadas razões, os mesmos argumentos agitados por ocasião das informações a respeito da legalidade daquela tributação, na atividade cartorária.

Houve contra-razões, em óbvia infirmação (f. 291/305).

A Procuradoria-Geral de Justiça oficiou no feito.

É o relatório, no essencial.

Conheço da apelação. Antes disso, também conheço da espécie como sujeita ao duplo grau de jurisdição, não obstante o silêncio do douto Juízo de origem. É que a decisão concessiva da ordem de segurança, independentemente do valor atribuído à causa, sujeita-se à revisão obrigatória, ex lege.

Passando adiante, vejo que decidiu com acerto o MM. Juiz monocrático ao afastar as preliminares de ilegitimidade ativa e inadequação da via eleita.

É que, conforme já decidiu o STJ, "não incide a Súmula 266/STF nos casos em que forem patentes as conseqüências concretas que a aplicação de determinada lei possa trazer ao direito do impetrante". Nesse caso, prossegue o Min. Relator, "não há que se falar em mandado de segurança contra lei em tese" (REsp 172226/RN, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 16.11.04).

Rejeitam-se, pois, em bloco, as aludidas preliminares, à semelhança do correto entendimento monocrático.

Entretanto, pelas mesmas razões de que não se tem, in casu, mandado de segurança contra lei em tese, impõe-se afastar da lide o Presidente da Câmara Municipal de Uberaba.

Conforme venho entendendo, autoridade coatora é aquela que pratica o ato impugnado e que, como tal, detém poderes para corrigi-lo, se concedida a segurança. Ou, tal como decidiu, recentemente, a 5ª Turma do STJ, verbis: "sua identificação tem de ser explícita, de forma clara, propiciando a correlação entre o ato vergastado e a autoridade que o praticou ou absteve-se de praticá-lo" (AROMS 16553/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 21.06.04).

Ora, como dito a retro, não se questiona, no caso, a Lei Municipal nº 298, de 17.12.03, pretensão vedada em sede de segurança, mas sim os efeitos concretos e iminentes dela decorrentes, e isto só se aplica ao Prefeito Municipal, e não ao Chefe do Legislativo.

Sendo assim, excluo da presente impetração, por ilegitimidade passiva, o Presidente da Câmara Municipal de Uberlândia, extinguindo-se o processo em relação a ele.

Quanto à preliminar de ausência de direito líquido e certo, por se confundir com o mérito, ali será expungida.

Nele (mérito), o cerne da quaestio resume-se em saber da possibilidade, ou não, de incidência do ISS sobre os "serviços de registros públicos, cartorários e notariais".

Examinenos isto.

A Lei Complementar 289, de 17.12.03, do Município de Uberaba, repetindo norma símile, prevista na Lei Complementar 116/03 (lei nacional), instituiu, em seu item 21 e subitem 21.01, que aqueles serviços erigem a incidência do tributo municipal.

Para os que, à semelhança do MM. Juiz monocrático, adotam entendimento pela inconstitucionalidade dessa exação, tal conclusão decorreria do caráter público dos serviços notariais e da vinculação do agente que o exerce, bem como da natureza dos emolumentos cobrados em contraprestação pelos referidos serviços. Ou seja, de um e outra, decorreria a impossibilidade da cobrança de ISSQN, pela prestação dos serviços notariais e registrais.

Todavia, meditando e estudando, profundamente, sobre o tema, sem preconceitos, tenho que a solução para a quaestio não está na adoção de simples silogismos, mas, diversamente, na aplicação de norma expressa da Constituição, cuja dicção e hermenêutica não deixam dúvidas a respeito da constitucionalidade da questionada exação.

É o que está, a toda evidência, no art. 236 da Constituição Federal, segundo o qual, "os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público".

Celso Antônio Bandeira de Mello, discorrendo sobre regime jurídico, diz que ele é tudo o que interessa ao operador do Direito. Verbis:

"Se o que importa ao jurista é determinar em todas as hipóteses concretas o sistema de princípios e regras aplicáveis - seja a lei clara, obscura ou omissa - , todos os conceitos e categorias que formule se justificam tão-só na medida em que através deles aprisione logicamente uma determinada unidade orgânica, sistemática, de normas e princípios. A razão de ser desses conceitos é precisamente captar uma parcela de regras jurídicas e postulados que se articulam de maneira a formar uma individualidade.

O trabalho teórico do jurista, construído, como é, à vista de aplicações práticas, resume-se e explica-se na tentativa de descobrir a rationale que congrega e unifica um complexo de cânones e normas" (Curso de Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 78-9).

A lei não tem palavras inúteis, mormente a Constituição, Lei das leis. Ao dizer que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, ou seja, em regime privado, ela dotou esta expressão de um significado amplo, amplíssimo, que não pode ser desprezado pelo aplicador do direito.

Dizer que notários e registradores exercem as atividades que lhe são delegadas (serviços notariais e de registro) "em caráter privado" significa também dizer que se organizam e se estruturam sob o regime de direito privado, segundo as regras desse regime, ou seja, "passam a prestar o serviço por sua conta e risco econômico, amealhando lucros ou suportando eventuais prejuízos" (cf. Ricardo Almeida Ribeiro da Silva, in "A incidência do ISSQN sobre serviços de registro público, cartório e notariais - itens 21 e 21.1 da lista anexa à Lei Complementar nº 116/03". www1.jus. com.br, acesso em 07.01.05).

Assim é que a Lei 8.935/94, ao regulamentar o art. 236 da Constituição, deu ao agente delegatário natureza privada na sua constituição, organização e funcionamento. Não se negou a natureza estatal dos referidos serviços. Entretanto, diz a lei, por determinação da Constituição, que o delegatário contrata, segundo os cânones da lei civil, bens e pessoas, praticando atos particulares na administração de seus negócios, com vistas a desempenhar, adequadamente, a função que lhe fora cometida.

A delegação pelo Poder Público guarda eficácia "quod intra", contrapondo-se à "quod extra", esta pertinente à precípua atividade dos notários e registradores, perante terceiros, inclusive perante as leis municipais, óbvio.

Veja-se que a Constituição, quando quis assegurar a estatalidade nesse serviço, o fez expressamente, quando, nos três parágrafos contidos no citado art. 236, remeteu à lei a disciplina e responsabilidade civil e criminal dos notários, oficiais de registro e seus prepostos, determinando,inclusive, a fiscalização pelo Poder Judiciário (SS 1º), além de estabelecer normas gerais para fixação de emolumentos relativos a seus atos (SS 2º) e condicionar o ingresso, na referida atividade, a concurso público de provas e provas e títulos (SS 3º). Fora desses comandos, permanece o "caráter privado" para o exercício dessas atividades.

O que, insisto, interessa à solução da presente lide não é, data venia, a natureza estatal do serviço, (esta, quando interessou, o constituinte ressalvou-a, expressamente), mas o regime em que ele é prestado, isto é, de Direito Privado.

E, se é de Direito Privado o regime, não há motivos jurídicos para não se recolherem impostos, inclusive o municipal, já que incidente sobre serviços de qualquer natureza, com abrangência dessa atividade. Até porque, conforme já decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, "a relação de subordinação dos ofícios extrajudiciais à fiscalização do Poder Judiciário nada tem a ver com a relação de mercado que mantêm enquanto prestadores de serviços" (cf. Apelação Cível nº 20000110427153/DF, j. em 09.05.02, Rel. Des. Wellington Medeiros, apud Ricardo Almeida Ribeiro da Silva, ob. cit.).

Com efeito, no ato de nomeação, fica implicitamente outorgada a notários e registradores não apenas uma função pública, mas também o direito de auferir lucro com as atividades que lhe foram transferidas por delegação. À semelhança do que ocorre, aliás, com a delegação de serviços públicos a particulares, por meio de concessão, e sobre a qual ninguém levanta dúvidas quanto à tributabilidade dos serviços assim prestados.

Lá, como cá, a atividade é pública, mas o regime de sua prestação é privado. Por isso é que o concessionário deve remunerar-se pela exploração do serviço, que exerce, por sua conta e risco.

Ainda nessa linha de raciocínio, carecem de bases mais sólidas, data venia, os argumentos daqueles que consideram servidores públicos os agentes titulares dos serviços notariais e registrais.

Sobre o conceito de servidor público, aliás, não destoa a doutrina, ao considerar servidor público somente "aqueles que mantêm vínculos de trabalho profissional com as entidades governamentais", ou seja, União, Estados, Distrito Federal, Municípios, e das respectivas autarquias e fundações de direito público. Servidor público é aquele que mantém com o Estado e com as pessoas de direito público da administração indireta relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência.

Diversamente ocorre com os notários e registradores, pois são, na lição da melhor doutrina, particulares em colaboração com o Poder Público, conforme se pode ver, v.g., a obra de Celso Antônio Bandeira de Mello, (ob. cit., p. 232), não compondo o conceito de servidor público, ao qual se equiparam, apenas, por determinação legal, para fins criminais. Apenas isso.

São, é verdade, agentes públicos (na amplitude do conceito), mas não servidores públicos, espécie daqueles.

Apercebendo-se da indefinição que permeia o tema, é que o eminente Des. Francisco Bueno, na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.0000.04.411875-0,000, provavelmente discorda de seus Pares que ratificavam a liminar concedida, segundo voto de relatoria do eminente Des. Carreira Machado, que assim aduzia:

"Data venia, nego a ratificação postulada, usando o argumento bem desenvolvido pelo Des. Gudesteu Biber, qual seja o de que os oficiais registradores e notários, para efeito de aposentação, dizem-se trabalhadores privados; para efeito de tributação consideram-se servidores públicos, logo não está definida a situação dessa categoria, pelo que nego a ratificação" (j. em 08.09.04, DJ de 24.09.04).

Na ocasião, foi ele acompanhado pelos eminentes Desembargadores José Domingues Ferreira Esteves e Alvim Soares, que encamparam seus argumentos. Desse texto, estou recepcionando, tão-só, o que aqui é pertinente ao raciocínio posto. Fique claro isto.

Também a imunidade recíproca, elevada a princípio constitucional, segundo tradição em nosso Direito, é, por vezes, erigida a fundamento capaz de gerar hipotética inconstitucionalidade de leis como a do Município de Uberaba.

Entretanto, também aqui, é preciso ordenar os pressupostos desse entendimento.

Ao consagrar a regra da imunidade, o constituinte de 1988, seguindo tradição mantida em nosso Direito Constitucional, adotou critério subjetivo para defini-la, quando dispôs que:

"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir imposto sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

(...)".

E, ainda, no SS 2º desse mesmo artigo, foi ela estendida "às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público".

Em momento algum o constituinte estendeu-a aos delegatários de funções estatais ou a particulares em colaboração com o Poder Público.

Nem podia ser diferente.

É que o fundamento dessa imunidade está no princípio federativo (art. 1º, CF), que exige como condição, não apenas a isonomia necessária entre os entes federativos, mas também a solidariedade e o respeito mútuos (cf. Aliomar Baleeiro. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7 ed. atual. por Misabel A. Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 296).

Ou, como ensina Paulo de Barros Carvalho:

"A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição é uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentada pela estrutura federativa do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios. Na verdade, encerraria imensa contradição imaginar o princípio da paridade jurídica daquelas entidades e, simultaneamente, conceder pudessem elas exercitar suas competências impositivas sobre o patrimônio, a renda e os serviços, umas com relação às outras" (apud Baleeiro, ob. cit., p. 297).

Destarte, a Constituição, ao instituir a imunidade recíproca, na tradição de nosso Direito Constitucional, fê-lo em benefício das "pessoas jurídicas de direito público" (cf. Pinto Ferreira, Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 324). Daí o porquê da denominada imunidade intergovernamental.

Quisesse a Constituição concedê-la, também, a outros entes da administração indireta, ou, para o que ora interessa, a particulares colaboradores da Administração Pública, com toda a certeza não a estenderia, tão-só, às autarquias e fundações públicas, como fez o SS 2º de seu art. 150, pois, diversamente, assim preceitua o SS 3deg. do art. 150, verbis:

"SS 3º As vedações do inciso VI, a, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel".

Oportuna é a lição de Hugo de Brito Machado:

"É plenamente justificável a exclusão da imunidade quando o patrimônio, a renda e o serviço estejam ligados a atividade econômica regulada pelas normas aplicáveis às empresas privadas. A imunidade implicaria tratamento privilegiado, contrário ao princípio da liberdade de iniciativa. Ocorre que, também, não há imunidade quando haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. Isso quer dizer que um serviço, mesmo não considerado atividade econômica, não será imune se houver cobrança de contraprestação, ou de preço, ou tarifa. Podem ser tributados pelos Municípios, por exemplo os serviços de fornecimento de água e de esgoto prestados pelos Estados" (Curso de Direito Tributário. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 201).

Também dessas lúcidas posições, não há como sustentar o argumento daqueles que, simploriamente, erigem a inconstitucionalidade da exigência do ISSQN sobre a atividade dos notários e registradores por subentendida à imunidade recíproca. Portanto, definidos na Constituição Federal e na legislação complementar os elementos essenciais para a configuração da hipótese de incidência do ISSQN, tem o Município o dever de instituir (por lei) o tributo, arrecadá-lo, exigi-lo, bem como fiscalizar e notificar os contribuintes prestadores de serviço de que se trata.

Com tais expendimentos, em reexame necessário, extingo o processo em relação ao Presidente da Câmara Municipal de Uberaba e, reformando a sentença, denego a segurança, ficando prejudicada a apelação e invertidos os ônus processuais.

É como voto.

DES. CLÁUDIO COSTA - Aderindo ao voto do eminente Relator, no que se refere às questões preliminares, peço vênia para dele dissentir, no mérito.

A matéria controvertida diz respeito à incidência, sobre os serviços de registros públicos, cartorários e notariais, do ISSQN, sendo que, ao contrário do que entende o Relator, defendo a sua impossibilidade.

Com efeito, a Lei Complementar nº 116/2003 autorizou a cobrança, pelos Municípios, do ISSQN em relação aos serviços notariais, tendo sido seguido pelo Município de Uberaba, com a Lei Complementar Municipal nº 298/2003.


Todavia, as atividades notariais, embora exercidas por particulares, caracterizam-se como serviço público, remunerado por emolumentos, com natureza tributária de taxa. É o que tem entendido o STF, ao definir que o aumento dos emolumentos e, ainda, sua exoneração somente poderão ser realizados por meio de lei, em sentido material e formal, uma vez que têm natureza tributária, podendo citar-se, por todos, a decisão proferida na ADIN nº 1.624/MG, com relatório do Min. Carlos Velloso.

Vale dizer que os cartórios não são empresas públicas ou sociedades de economia mista, não se enquadrando na hipótese do art. 173, SS 1º, da Constituição da República.

Assim, dada sua específica natureza pública, não podem ser equiparados aos serviços sobre os quais incide o ISSQN, sob pena de se ferir a imunidade estabelecida pelo art. 150, VI, a, da CR/1988. É esse o entendimento majoritário nesta egrégia Corte, como se verifica nos seguintes julgamentos:

"Mandado de segurança - Serviços cartorários, notariais e de registro - ISSQN - Município de Curvelo - Inconstitucionalidade. - Sendo os serviços notariais, cartorários e registrais revestidos de estatalidade, não se constituindo negócio privado derivado de relações acordadas entre prestador de serviços e tomadores, obstada está sua tributação pelo ISSQN, tanto pela imaterialidade para a incidência de tal imposto (visto que, prestados que são 'ut singuli', constituem hipótese, sim, de incidência de taxa estadual, conforme previsões contidas em lei estadual) quanto em razão da imunidade recíproca que, por constituírem serviços estatais, também não podem ser tributados por outra entidade de direito público. Inconstitucionalidade de norma municipal que prevê a tributação do ISSQN sobre os mesmos" (1ª Câm. Cív., Ap. Cív. nº 1.0209.04.033897-9/002, Rel. Des. Eduardo Andrade, pub. 06.05.05).

Direito tributário - Mandado de segurança - Serviços notariais - Tributação municipal do ISS - Não-incidência. - As atividades exercidas pelos oficiais de notas e de registro, devido à sua natureza de serviços públicos, não estão sujeitas à tributação; portanto, não podem ser incluídas na lista definidora de "serviços de qualquer natureza" de competência tributária dos municípios.

Rejeitada a preliminar suscitada pela Procuradoria de Justiça, confirma- se a sentença, em reexame necessário" (3ª Câm. Cív., RN nº 1.0002.04.013805-5/001, Rel. Des. Kildare Carvalho, pub. 03.05.05).

Constitucional e tributário - Mandado de segurança - ISS - Atividades notariais e de registro - Serviços públicos - Delegação - Imunidade recíproca - Emolumentos - Caráter tributário - Concessão da ordem - Inteligência dos arts. 150, VI, e 236, ambos da Constituição da República, Lei Complementar 116/2003 e Lei Municipal 042/2003. - Em respeito à imunidade recíproca, é descabida a exigência de ISS sobre as atividades notariais e de registros, por possuírem natureza jurídica de direito público, já que as custas e os emolumentos são espécies tributárias (5ª Câm. Cív., Ap. Cív. nº 1.0209.04.033892-0/001, Rel. Des. Dorival Guimarães Pereira, pub. 29.04.05).

Por tais fundamentos, em reexame necessário, excluo da lide o Presidente da Câmara Municipal de Uberaba e mantenho no mais a sentença, concedendo a segurança pleiteada.

Custas, ex lege.


DES. JOSÉ FRANCISCO BUENO - Sr. Presidente, quanto às preliminares, de acordo.

Data venia do em. Revisor, acompanho o em. Relator, ao fundamento resumido de que a lista de serviços oriunda da Lei Complementar 298, de dezembro de 2003, consagra, expressamente, a incidência de ISSQN sobre serviços de registros públicos cartoriais e notariais. Lembro, por oportuno, que esta matéria está sub judice no Supremo Tribunal Federal e o Relator Ministro Carlos Britto não concedeu a cautelar suspensiva, vale dizer, esta lista continua a integrar o mundo jurídico do direito positivo.

Com essas pequenas considerações, acompanho o em. Relator.

Súmula - REJEITARAM PRELIMINARES E EXTINGUIRAM O PROCESSO EM RELAÇÃO AO PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL, À UNANIMIDADE. REFORMARAM A SENTENÇA, NO REEXAME NECESSÁRIO, PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO, VENCIDO O REVISOR.

 


Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 27/04/2006