RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS
E MORAIS - NEGÓCIO JURÍDICO EMBASADO EM PROCURAÇÃO PÚBLICA FALSA, LAVRADA
POR CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL - PEDIDO JULGADO PROCEDENTE - RECURSO NÃO PROVIDO
- O Estado deve ser responsabilizado pelos danos que os serventuários de
cartórios extrajudiciais causarem a terceiros, aplicando-se a regra do art.
37, § 6º, da CF.
Apelação Cível / Reexame Necessário n° 1.0024.06.992565-9/001 - Comarca de
Belo Horizonte - Remetente: Juiz de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública e
Autarquias da Comarca de Belo Horizonte - Apelante: Estado de Minas Gerais -
Apelada: Vanuza Brito Vieira - Relator: Des. Silas Vieira
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em não conhecer do reexame necessário. Rejeitar a preliminar e
negar provimento ao recurso voluntário.
Belo Horizonte, 26 de março de 2009. - Silas Vieira - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. SILAS VIEIRA - Cuida-se de apelação interposta em ataque à r. sentença
de f. 92/97, proferida nos autos da ação de indenização por danos materiais
e morais ajuizada por Vanuza Brito Vieira em face do Estado de Minas Gerais,
por via da qual a MM. Juíza de Direito da 6ª Vara da Fazenda Pública e
Autarquias da Comarca desta Capital julgou parcialmente procedente o pedido
vertido na exordial, a fim de:
"condenar o requerido a indenizar a autora na quantia de R$ 5.000,00 (cinco
mil reais) a título de danos morais e R$ 14.105,78 (catorze mil cento e
cinco reais e setenta e oito centavos) a título de danos materiais, tudo
corrigido monetariamente a partir do ajuizamento da ação e com incidência de
juros de um por cento ao mês a partir da citação".
No mesmo ato, a Magistrada condenou o réu ao pagamento de honorários
advocatícios no montante de 20% (vinte por cento) do valor da condenação.
Ao final, foi determinada a remessa dos autos a este Sodalício para os fins
do art. 475, I, do CPC.
Às f. 98/110, o Estado de Minas Gerais apresentou as suas razões recursais.
Aduz, preliminarmente, prescrição.
Em seara meritória, sustenta que "a autora [...] decaiu do seu suposto
direito de regresso contra o Estado, em vista de não haver procedido à
denunciação da lide do mesmo, em conformidade com a disposição expressa do
art. 70 do CPC, que determina que a denunciação da lide é obrigatória, sob
pena da perda do direito".
Bate-se na inexistência de responsabilidade estatal pelos danos causados à
requerente.
Ad argumentadum, afirma que "o quantum reparatório arbitrado pelo suposto
dano moral suportado pelo demandante encontra-se exageradamente mensurado
nos R$ 5.000,00 (cinco mil reais) [...]."
Verbera que os juros de mora são devidos no percentual de 0,5% (meio por
cento) ao mês.
Pugna, ainda, pela redução do montante da verba honorária.
Contra-razões às f. 112/116.
É o relatório.
De início, faço registrar o não conhecimento da remessa oficial, porquanto o
valor da condenação é inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, atraindo,
portanto, a aplicação do art. 475, § 2º, do CPC.
Lado outro, conheço do apelo, visto que presentes os requisitos para a sua
admissibilidade.
Havendo preliminar, analiso-a.
Preliminar - prescrição.
O recorrente insiste na ocorrência da prescrição sob o fundamento de que a
decisão que anulou a compra e venda transitou em julgado para a autora no
dia 25.02.2001, iniciando-se, naquele momento, o prazo para o ajuizamento da
ação de indenização.
Contudo, como bem observou a Magistrada, "embora a autora não tenha
recorrido da sentença que anulou a escritura pública, houve recurso por
parte da Oficiala do Cartório tendo a sentença transitado em julgado em
10.02.2003" (f. 93/94).
Diante desse contexto, proposta a presente ação em 05.09.2006, não há falar
em prescrição.
Rejeito, pois, a prefacial.
Passo ao exame do mérito.
Mérito.
Revelam os autos que Vanuza Brito Vieira ajuizou ação de indenização por
danos materiais e morais em face do Estado de Minas Gerais (petição inicial
- f. 02/05).
"Alega a autora que adquiriu o imóvel descrito na inicial por intermédio de
Nelson Domingos Giroldo, possuidor de procuração pública lavrada pelo
Cartório do 1º Ofício de Notas de Carmo de Minas, com poderes outorgados por
Moacir Antônio Figueiredo e Margarida Lourenço Figueiredo, supostos
proprietários do bem. Que pagou pelo imóvel a importância de R$ 13.829,20
(treze mil oitocentos e vinte e nove reais e vinte centavos), bem como as
despesas cartorárias no valor de R$ 276,58 (duzentos e setenta e seis reais
e cinquenta e oito centavos). Que a Oficiala do Cartório não conhecia os
outorgantes e nem mesmo o outorgado e, sem maiores formalidades, lavrou o
ato. Que o negócio jurídico se consumou com a respectiva lavratura da
escritura pública incorrendo a autora em fraude, pois os verdadeiros
proprietários do imóvel interpuseram ação anulatória de escritura pública,
tendo denunciado à lide a Oficiala do Cartório acima mencionada. Que a ação
anulatória foi julgada procedente e o respectivo reformou parcialmente a
sentença tão somente para isentar a Oficiala de quaisquer responsabilidades.
Que ajuizou ação em desfavor do Cartório, sem lograr êxito, motivo pelo qual
ajuíza a presente ação em face do Estado de Minas Gerais. Pugna pela
indenização, a título de danos morais, no valor de R$ 35.000,00 (trinta e
cinco mil reais), bem como R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) a título
de danos materiais" (excerto da sentença - f. 92/93).
O pedido foi julgado parcialmente procedente na instância de origem.
Pois bem.
A controvérsia reside, portanto, na responsabilidade estatal pelo pagamento
de indenização por danos materiais e morais.
Com efeito, considerando que o serviço cartorário é atividade delegada do
Poder Público (art. 236, CF) e levando em conta que os cartórios não possuem
personalidade jurídica, o Estado poderá ser responsabilizado, objetivamente,
pelos danos que os serventuários de cartórios extrajudiciais causarem a
terceiros, aplicando-se a regra do art. 37, § 6º, da CF.
Nesse norte, o escólio de Rui Stoco (em sua obra Responsabilidade civil e
sua interpretação jurisprudencial. 3. ed. São Paulo: RT, 1997, p. 403/404):
"A atividade de registro tem natureza pública e traduz prerrogativa do
Estado, dispondo o art. 22, XXV, da Carta Magna competir privativamente à
União legislar sobre registros públicos. Por isso é que seu art. 236 deixou
claro que `os serviços notariais e de registro serão exercidos em caráter
privado, por delegação do Poder Público'".
Sobre o tema, o i. Des. Carreira Machado, no julgamento da Apelação nº
1.0000.00.301361-2/000, concluiu que:
"o Estado responde, objetivamente, pelos atos dos notários que causem danos
a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável, nos
casos de dolo ou culpa (CF, art. 37, § 6º)".
O exame do dispositivo supramencionado, conforme Hely Lopes Meirelles,
"Revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e
seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado
a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no
cometimento da lesão. Firmou, assim, o princípio objetivo da
responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus
delegados" (In Direito administrativo brasileiro. 18. ed. São Paulo:
Malheiros, p. 558).
Citemos, ainda sobre o tema, Celso Antônio Bandeira de Mello:
"Responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém
em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na
esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la, basta, pois, a
mera relação causal entre o comportamento e o dano" (In Curso de direito
administrativo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 617).
Assim, a responsabilidade objetiva, inserida no art. 37, § 6º, da
Constituição da República, possibilita a reparação, bastando que a vítima
demonstre o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade entre a conduta do
agente e dano sofrido pela parte.
Compulsando os autos, convenci-me da responsabilidade estatal pelos
prejuízos experimentados pela requerente.
É que, em razão de escritura pública falsa lavrada pela Oficiala do 1º
Ofício de Notas de Carmo de Minas, a autora celebrou contrato de compra e
venda a non domino, sendo compelida, tempos depois, a devolver o imóvel
objeto da avença aos verdadeiros proprietários.
Assim, estando demonstrada nos autos a ilicitude do ato estatal, deverá a
apelada ser responsabilizada pelos danos materiais e morais causados.
Os prejuízos de ordem material correspondem aos valores despendidos pela
requerente para a compra do imóvel, como bem decidiu a Sentenciante.
Quanto aos danos morais, insta esclarecer que o quantum indenizatório deve
ser arbitrado com prudência e moderação, impondo ao ofensor uma penalidade
didática, desestimulando a reincidência na prática do ato lesivo. Deve,
ainda, ser passível de compensar o sofrimento experimentado pela vítima,
sem, contudo, propiciar-lhe o enriquecimento ilícito.
Nesse particular, a jurisprudência é uniforme no sentido de não conceder, a
título de danos morais, quantia exorbitante a ponto de favorecer um
enriquecimento sem causa, porquanto a indenização visa prevenir novas
condutas lesivas, assim como reprimir aquelas já causadas, sem a pretensão
de mensurar aquilo que não se pode avaliar, qual seja, a moral daquele que é
lesado.
Destarte, sopesando todo o acervo probatório, hei por bem manter a quantia
fixada a título de danos morais - R$ 5.000,00 (cinco mil reais) -, que se
revela consentânea para atender à gravidade do dano, atingindo, portanto,
sua finalidade pedagógico-punitiva.
No que tange à perda do direito de regresso por ausência de denunciação da
lide (leia-se ação anulatória) ao Estado, sem razão o recorrente, porquanto
doutrina e jurisprudência são uníssonas ao admitir como obrigatória a
denunciação apenas na hipótese descrita no art. 70, I, do CPC, o que não é o
caso dos autos.
O percentual dos juros moratórios aplicável à espécie é mesmo 1,0% (um por
cento) ao mês, nos termos do art. 406 do Código Civil c/c art. 161, § 1º, do
CTN.
De resto, não vejo como reduzir os honorários advocatícios, sob pena de
fixá-los em valor irrisório, aviltante, o que não se admite, haja vista a
essencial e nobre função desempenhada pelos advogados. Nesse diapasão:
"Agravo regimental. Desnecessidade da juntada do acórdão proferido em
embargos infringentes. Ausência de interesse recursal. Reconsideração da
decisão agravada. Honorários advocatícios. Valor irrisório. Reforma do
acórdão recorrido.
1. (omissis)
2. Impõe-se a reforma do acórdão proferido pelo Tribunal de origem quando o
exame deste evidencia manifesta desproporção entre o trabalho e esforço
desempenhado pelos advogados da causa e o valor fixado a título de
honorários advocatícios, capaz inclusive de qualificá-los como aviltantes ao
desempenho de tão nobre atividade profissional.
3. Agravo regimental provido para conhecer do agravo de instrumento e dar
provimento ao recurso especial" (STJ - AgRg no Ag 487111/PR, Rel. Min. João
Otávio de Noronha, DJ de 28.06.2004).
Isso posto, não conheço do reexame necessário. Rejeito a preliminar e nego
provimento ao recurso.
Custas recursais, ex lege.
É como voto.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Manuel Saramago e Dídimo
Inocêncio de Paula.
Súmula - NÃO CONHECERAM DO REEXAME NECESSÁRIO. REJEITARAM A PRELIMINAR E
NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO VOLUNTÁRIO.
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