JURISPRUDÊNCIA CÍVEL
Ementa: Apelação. Doação. Cláusulas de inalienabilidade,
incomunicabilidade e impenhorabilidade. Cancelamento. Possibilidade.
Preceitos constitucionais.
- No direito contemporâneo, a vitaliciedade das cláusulas de
inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, conforme regra
insculpida no art. 1.676 do CC/1916, não deve ser objeto de uma
interpretação a ensejar o absolutismo proibitório, em face dos preceitos
constitucionais que asseguram o direito de propriedade e impõe a sua
finalidade social.
Apelação Cível n 2.0000.00.499522-2/000 - Comarca de Juiz de Fora -
Apelante: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Apeladas: Yvonnette
Alves e Samyra Ribeiro Namen - Relator: Des. Fábio Maia Viani
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em negar provimento.
Belo Horizonte, 21 de setembro de 2006. - Fábio Maia Viani - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. FÁBIO MAIA VIANI - Cuida-se de apelação interposta pelo Ministério
Público do Estado de Minas Gerais da sentença que, nos autos da ação de
jurisdição voluntária promovida por Yvonnette Alves, julgou procedente o
pedido, para determinar o cancelamento das cláusulas de inalienabilidade,
incomunicabilidade e impenhorabilidade que incidem sobre o imóvel descrito
na exordial.
O apelante, nas razões de recurso (f. 70/75), argúi impossibilidade de
cancelamento das cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e
impenhorabilidade, em razão da morte dos doadores, já que a vontade destes
se prorroga no tempo.
Prossegue alegando que, se os doadores instituíram tais cláusulas para
durarem toda a vida da apelada, é porque tinham uma razão, não sendo
permitido ao Poder Judiciário adentrar no mérito da vontade deles.
Obtempera, ainda, que nem sequer restou comprovada uma forte razão para a
desconstituição das referidas cláusulas, mormente porque a circulação
econômica da propriedade se faz presente com a possibilidade de percepção
dos frutos que o imóvel pode gerar, citando, como exemplo, a renda
proveniente do aluguel.
Por derradeiro, em razão de todo o contexto que envolve a atual vida da
apelada, diz concordar com a alienação do imóvel situado em São Paulo, desde
que o valor auferido na transação seja destinado à compra de outro imóvel,
que também deverá receber os mesmos gravames.
A apelada, nas contra-razões (f. 77/104), refuta as alegações do apelante e
pugna pela manutenção da sentença.
Neste grau de jurisdição, o il. representante do Parquet manifestou-se pelo
conhecimento e provimento do apelo (f. 117/121).
Verificando a presença dos pressupostos de admissibilidade, conheço do
recurso.
À míngua de preliminares, adentro-me no mérito, em que, a meu aviso, a
decisão monocrática deve ser mantida.
Busca a apelada o cancelamento das cláusulas de inalienabilidade,
incomunicabilidade e impenhorabilidade incidentes sobre o imóvel descrito na
peça de ingresso.
O art. 1.676 do Código Civil de 1916, diploma legal que se encontrava em
vigor à época do ato que gerou as cláusulas em comento (f. 47), dispõe que:
"A cláusula de inalienabilidade temporária, ou vitalícia, imposta aos bens
pelos testadores ou doadores, não poderá, em caso algum, salvo os de
expropriação por necessidade ou utilidade pública, e de execução por dívidas
provenientes de impostos relativos aos respectivos imóveis, ser invalidada
ou dispensada por atos judiciais de qualquer espécie, sob pena de
nulidade''.
As regras proibitivas encartadas pelo Código Civil de 1916, parametrizadas
com a nova ordem constitucional vigente, merecem devido temperamento.
O principal objetivo das cláusulas restritivas da propriedade, segundo o
escólio de Sílvio Rodrigues, é garantir a proteção do "beneficiado, o qual,
sendo impedido de dispor e alienar o bem ou os bens recebidos em liberdade,
por sua presumível imprevidência, inexperiência, prodigalidade ou
incapacidade de administrar, fica impedido, assim, de vir a ser despojado do
patrimônio que tiver recebido e de se ver reduzido a uma condição de
miséria" (RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. São Paulo: Saraiva, v. 7, p.
141-142).
No caso em exame, ressalto que, ao tempo da doação realizada em 31. 3.1932
(f. 47), os doadores objetivavam contribuir para a mantença da donatária,
ora apelada, que possuía apenas 8 anos de idade. Hoje ela conta com mais de
oitenta anos de idade e ainda mantém o patrimônio recebido por doação.
Lado outro, vejo que a decrépita apelada não tem mais condições físicas e
financeiras, sem falar na justificada falta de interesse, para manter um
imóvel situado no Estado de São Paulo, a quilômetros de distância do seu
atual domicílio - Juiz de Fora.
Assim, a razão da apelada, a meu aviso, é suficiente para autorizar o
pretendido cancelamento, tendo em vista que os gravames, que outrora
serviram para evitar a dissipação do bem e garantir à mesma uma condição de
vida digna, agora estão a lhe causar inconveniências.
Atualmente, essa indisponibilidade do bem não pode ser vista como uma
proibição absoluta, pois nessa seara, antes de tudo, também estão presentes
os preceitos constitucionais que asseguram o direito de propriedade e impõem
a sua finalidade social.
Sobre o assunto, colaciono posição do STJ:
``A regra restritiva à propriedade encartada no art. 1.676 do Código Civil
deve ser interpretada com temperamento, pois a sua finalidade foi a de
preservar o patrimônio a que se dirige, para assegurar a entidade familiar,
sobretudo aos pósteros, uma base econômica e financeira segura e duradoura.
Todavia não pode ser tão austeramente aplicada a ponto de se prestar a ser
fator de lesividade de legítimos interesses, sobretudo quando o abrandamento
decorre de real conveniência ou manifesta vantagem para quem ela visa
proteger, associado ao intuito de resguardar outros princípios que o direito
civil encerra, como se dá no caso em exame, pelas peculiaridades que o
cercam (REsp 0006911-6/1991 e REsp 100/20, Relator Min. César Asfor Rocha,
4ª Turma).
Mercê de tais considerações, hei por bem negar provimento ao recurso, para
confirmar a sentença de primeiro grau, pelos seus próprios e jurídicos
fundamentos.
Custas recursais, pelo apelante.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Eulina do Carmo Almeida e
Francisco Kupidlowski.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO.
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