- Não se caracteriza como título executivo o instrumento particular
assinado por apenas uma testemunha, tendo em vista o disposto no inc. II
do art. 585 do CPC.
- A nota promissória garantidora de dívida confessada não perde sua
autonomia, estando apta a instruir a execução.
- Diante da teoria da aparência, são válidas as promissórias firmadas
por apenas um dos diretores da sociedade, sendo certo, ainda, que o
devedor não pode se valer da própria torpeza, alegando nulidade a que
deu causa, para furtar-se da obrigação assumida junto a terceiro de
boa-fé.
- O simples fato de não ser acolhida a tese de defesa do agravante não
caracteriza litigância de má-fé.
Agravo de Instrumento nº 515.274-3 - Comarca de Belo Horizonte -
Relator: Des. Roberto Borges de Oliveira
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº
515.274-3, da Comarca de Belo Horizonte, sendo agravante Associação
Evangélica Beneficente de Minas Gerais, agravada AGA S.A. e interessados
Vicente Garcia Bergman Filho e outro, acorda, em Turma, a Décima Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais negar provimento
ao agravo.
Presidiu o julgamento o Desembargador Alberto Vilas Boas, e dele
participaram os Desembargadores Roberto Borges de Oliveira (Relator),
Alberto Aluízio Pacheco de Andrade (1º Vogal) e Pereira da Silva (2º
Vogal).
O voto proferido pelo Desembargador Relator foi acompanhado na íntegra
pelos demais componentes da Turma Julgadora.
Belo Horizonte, 30 de agosto de 2005.
DESEMBARGADOR ROBERTO BORGES DE OLIVEIRA:
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão do MM.
Juiz a quo que rejeitou a exceção de pré-executividade interposta pela
agravante, nos autos da ação de execução movida pela agravada.
Alega a agravante que tal decisão não merece subsistir, pois (I) tanto o
instrumento de confissão de dívida quanto as notas promissórias foram
firmados e assinados por quem não detinha poderes para a realização de
nenhum negócio jurídico; (II) do instrumento de confissão de dívida não
consta a assinatura de duas testemunhas, conforme preconiza o inc. II do
art. 585 do CPC, e (III) as notas promissórias têm origem em confissão
de dívida ilíquida e obscura e, portanto, não constituem títulos de
crédito líquidos, certos e exeqüíveis.
É bem verdade que o inc. II do art. 585 do Estatuto Processual exige,
para que o documento particular seja considerado título executivo, além
da assinatura do devedor, a firma de duas testemunhas. Assim, estando a
confissão de dívida de f. 36/38-TJ assinada somente por uma testemunha,
ela não se presta, por si só, à instrução da ação de execução.
Mas esse fato não tem o condão de invalidar o processo executivo, uma
vez que também está instruído com as notas promissórias de f. 40/53-TJ.
Tais títulos de crédito não se descaracterizam como título executivo
extrajudicial apenas pelo fato de estarem vinculados à confissão de
dívida, tendo em vista o atributo da autonomia que lhes é inerente.
Nesse sentido:
a) "Processo civil. Exceção de pré-executividade. Contrato assinado por
apenas uma testemunha. Título executivo extrajudicial não caracterizado.
Nota promissória. Vinculação. Cabimento.
- Nos termos do art. 585, II, CPC, não é título executivo extrajudicial
o contrato assinado por apenas uma testemunha.
- A nota promissória não se desnatura como título executivo
extrajudicial apenas pelo fato de estar vinculada a contrato subscrito
somente por uma testemunha.
- Apelação principal provida e apelação adesiva julgada prejudicada" (TAMG,
2ª Câm. Civil, Ap. Cível nº 411.415-6, Rel. Juiz Alberto Vilas Boas, j.
em 30.03.04).
b) "Execução de nota promissória garantidora de obrigação de valor
inferior. Possibilidade. Garantia de obrigação confessada. Autonomia e
independência do negócio subjacente.
- Não há nenhum óbice legal a impedir o processo de execução baseado em
título extrajudicial de valor superior, mormente se este vem mencionado
no negócio que o originou como garantia da obrigação assumida e
confessada.
A nota promissória passada como garantia de dívida confessada não perde
o seu requisito de abstração, autonomia e independência para ensejar um
processo de execução. Improvimento do recurso que se impõe" (TAMG, 7ª
Câm. Civil, AI nº 335.121-9, Rel. Juiz Antônio Carlos Cruvinel, j. em
10.05.01).
c) "Processual Civil e Civil. Execução. Embargos do devedor. Instrução
do pleito executório com contrato de empréstimo e notas promissórias
emitidas como garantia. Possibilidade. Títulos executivos caracterizados
e prestantes à sua execução. Juros e multa. Limitação e redução.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Honorários. Critério de
fixação. Litigância de má-fé. Não-comprovação do dolo. Inteligência dos
arts. 740, parágrafo único, 598, 333, I, 515, SS 1º, c/c os arts. 588,
II, e 20, SS 4º, todos do CPC, Súmula 27 do colendo STJ, Decreto-lei
22.626/33 e art. 52, SS 1º, do CDC.
- Presta-se a instruir o pleito executivo o documento particular de
empréstimo e acompanhado de cambial garantidores da dívida, sendo, pois,
dotados de liquidez, certeza e exigibilidade, não havendo impedimento de
sua excussão em conjunto.
É inteiramente possível a redução de juros ao percentual de 1% ao mês e,
bem assim, da multa, tendo em vista se aplicar aos contratos bancários
não só a Lei de Usura, mas também o Código Consumerista.
A aplicação da pena pela litigância de má-fé não prescinde da
demonstração do dolo processual, sem o que se torna impossível a
imposição da penalidade.
Em tema de ação incidental de embargos, que não tem natureza
condenatória, e sim desconstitutiva, a verba honorária há de ser fixada
em conformidade com as disposições constantes do Digesto Processual" (TAMG,
3ª Câm. Civil, Ap. Cível nº 322.980-3, Rel. Juiz Dorival Guimarães
Pereira, j. em 07.02.01).
E, ainda:
"Execução. Nota promissória vinculada a contrato de confissão de dívida.
Executoriedade.
- O fato de achar-se a nota promissória vinculada a contrato não a
desnatura como título executivo extrajudicial.
- Recurso especial não conhecido" (STJ, 4ª T., REsp. nº 208.254/CE, Rel.
Min. Barros Monteiro, DJ de 09.04.01).
Em relação à tese da agravante, que tenta macular de nulidade o
instrumento de confissão de dívida e as notas promissórias, ao argumento
de que foram assinados por quem não detinha poderes para tanto,
rejeito-a por completo.
Embora o estatuto da Associação Evangélica Beneficente de Minas Gerais
(documento de f. 199/212-TJ) preveja que quaisquer títulos de obrigações
serão assinados conjuntamente pelo seu presidente e pelo primeiro
tesoureiro, ao contrário do que alega a agravante, não acarreta a
nulidade das notas promissórias o fato de terem sido firmadas apenas por
um dos diretores.
As pessoas que negociaram a confissão de dívida e as notas promissórias,
objeto da execução, fizeram-no na qualidade de presidente e tesoureiro,
com a inteira ciência e aprovação do verdadeiro presidente da
associação, à época, o Sr. Euler Borja, que figurou, inclusive, como
avalista das obrigações assumidas.
Assim, sabendo-se que o devedor não pode se valer da própria torpeza,
alegando nulidade a que deu causa, para furtar-se de obrigação assumida
junto a terceiro de boa-fé, devem as notas promissórias ser consideradas
plenamente válidas.
Além do mais, milita em favor da agravada a teoria da aparência, que foi
construída exatamente para garantir, em casos como o dos autos, maior
estabilidade às relações comerciais, que, diante das circunstâncias
concretas que envolvem a negociação, devem ser tidas como verdadeiras e
eficazes.
Não seria exigível que a agravada, no momento da renegociação da dívida
e assinatura das promissórias garantidoras da obrigação, exigisse a
exibição do estatuto social da agravante ou que tivesse conhecimento de
seu conteúdo, no que diz respeito à forma de administração da
associação, para confirmar que as pessoas que estavam ali firmando o
acordo tinham realmente poderes para tanto.
Nessa seara, já julgou o extinto Tribunal de Alçada mineiro:
a) "Apelação cível. Ação anulatória de título. Nota promissória.
Assinatura de pessoa estranha à sociedade. Esposa de um dos sócios.
Aparência de direito. Aplicação da teoria da aparência e da causa
determinante.
- O fato de a nota promissória ter sido emitida por pessoa que não é
sócia da empresa, mas que já havia por ela contratado, não tem o condão
de invalidar o título.
- O conjunto de elementos fáticos que geraram o negócio jurídico criaram
uma situação de aparência de regularidade, encontrando-se presentes os
requisitos objetivos e subjetivos da teoria da aparência adotada pelo
nosso direito, a conferir segurança às operações jurídicas" (6ª Câm.
Civil, Ap. Cível nº 357.385-7, Rel. Juiz Belizário de Lacerda, j. em
27.06.02).
b) "Comercial. Embargos do devedor. Cheque. Sociedade comercial.
Assinatura de apenas um dos sócios. Teoria da aparência. Validade.
Ainda que o contrato social preveja a administração da sociedade em
conjunto pelos dois sócios, é de se considerar válido o cheque assinado
apenas por um deles, seja porque a nulidade não pode ser alegada por
quem a aproveita, seja porque é aplicável a teoria da aparência em favor
da outra parte contratante, visto que tal instituto visa à proteção da
pessoa física ou jurídica de boa-fé, que acredita no comportamento que o
representante aparenta, bem como tem por escopo assegurar a estabilidade
das relações jurídico-comerciais" (3ª Câm. Civil, Ap. Cível nº
440.072-6, Rel. Juiz Maurício Barros, j. em 1º.12.04).
O pedido da agravada de condenação da agravante em litigância de má-fé
não procede, tendo em vista que não restou configurada nenhuma das
hipóteses previstas no art. 17 do CPC.
Com efeito, para a imposição da pena, exige-se prova satisfatória da
má-fé e a caracterização do dano processual causado à parte contrária, o
que não ocorreu no caso dos autos.
A propósito, veja-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
"A litigância de má-fé reclama convincente demonstração" (1ª T., REsp.
nº 28.175-0/SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, v. u., j. em 31.08.94,
DJU de 19.09.94, p. 24.652, apud Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade
Nery, Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil
Extravagante em Vigor, 6. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 305).
E, ainda:
"Processual Civil. Litigância de má-fé. CPC, arts. 18 e 22.
Interpretação.
- Se o fato, que seria ensejador da má-fé processual, não causou, no
caso, qualquer prejuízo, quer às partes, quer ao processo, não há
identificar ofensa aos arts. 18 e 22 do CPC" (STJ, 3ª T., REsp. nº
277.929/SC, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. em 19.03.01).
O simples fato de não ser acolhida a tese de defesa da agravante não
caracteriza a sua litigância de má-fé, razão pela qual não vejo motivos
para condená-la na pena prevista no art. 18 do Estatuto Processual.
Nego provimento ao agravo.
Custas recursais, pela agravante. |