TJMG decide: para cancelamento de hipoteca basta a carta de arrematação

SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA - IMÓVEL HIPOTECADO - ARREMATAÇÃO EM HASTA PÚBLICA JUDICIAL - CANCELAMENTO DO DIREITO REAL - MANDADO JUDICIAL - DESNECESSIDADE - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 1.499, VI, E 1.500 DO CÓDIGO CIVIL

- O registro de hipoteca, constante da matrícula de imóvel arrematado em hasta pública judicialmente determinada, deve ser cancelado independentemente de autorização expressa, na forma do art. 251, I, da Lei 6.015/73, bastando a respectiva prova, consubstanciada pela certidão de arrematação.

- V.v.: - A hipoteca não pode ser cancelada sem a intimação do credor hipotecário para defesa, nos termos do inciso II do art. 615 do CPC. (Des. Ernane Fidélis)

Apelação Cível nº 307.8318/000 Comarca de Uberlândia Relator: Des. Jarbas Ladeira

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, em negar provimento, vencido o Vogal.

Belo Horizonte, 07 de outubro de 2003. - Jarbas Ladeira Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O Sr. Des. Jarbas Ladeira - Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo BDMG - Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais contra a sentença que julgou a dúvida suscitada pelo Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis de Uberlândia, declarando ser suficiente para promover o cancelamento da hipoteca de imóvel a simples apresentação da carta de arrematação.

O suscitante alegou que Itamar Cárito Fernandes arrematou o imóvel matriculado sob o número 1.751 e com a carta de arrematação pretendeu cancelar a hipoteca que recai sobre o bem.

Sustentou que, em face do disposto no art. 251, I, da Lei nº 6.015/73, bem como informação obtida junto ao Instituto de Registro Imobiliário, comunicou ao proprietário arrematante, ora assistente, que, para o cancelamento da hipoteca, seria necessário mandado judicial.

Ressaltou que, não se conformando o proprietário com as exigências feitas, solicitou a declaração de dúvida.

Relatório detalhado já se encontra anexado aos autos.

Conheço do apelo, por adequado, tempestivo e regularmente processado e preparado.

O apelante, em suas razões de apelação, sustenta que não recebeu qualquer intimação da praça do imóvel, realizada na execução trabalhista que se processou na Comarca de Uberlândia, tendo tomado ciência da hasta e da arrematação somente com o procedimento de dúvida suscitado pelo Cartório apelado, motivo pelo qual requereu a reforma da sentença, negando o cancelamento da hipoteca para manter este ônus sobre o bem arrematado.

O vício substancial alegado pelo apelante, de falta de intimação nos autos da execução trabalhista, acarreta a nulidade da arrematação, que, em face do disposto no art. 694, parágrafo único, I, do CPC, pode ser desfeita por simples petição dirigida ao juiz da causa, ou por embargos à arrematação, opostos com base no art. 746 do mesmo diploma.

Certo é que o presente procedimento não é o meio próprio para argüir qualquer vício ou irregularidade que tenha ocorrido no processo de execução supracitado, ou na carta de arrematação.

Deve-se ater o presente procedimento à dúvida suscitada, qual seja, à possibilidade do cancelamento da hipoteca, se há ou não necessidade de mandado judicial, ou se, para efetivar o referido cancelamento, bastaria a carta de arrematação.

A hipoteca é um direito real de garantia que grava um imóvel, é uma garantia normalmente utilizada para operações de longo prazo, tendo como objetivo dar segurança ao credor, no sentido de ter bens imóveis lastreando a operação de crédito.

A hipoteca confere ao credor hipotecário um direito erga omnes. O objetivo do credor é ter seu crédito garantido. Assim, há dois direitos equivalentes: o direito do proprietário do imóvel por parte do comprador, ora 1º apelado, e o direito do credor à satisfação do seu crédito, que está garantido pelo imóvel.

Apenas a título de esclarecimento, insta salientar que o crédito trabalhista prefere aos demais créditos, nestes incluídos os direitos reais de garantia, que, apesar de terem a preferência, que é o privilégio do titular do direito real de obter o pagamento de um débito com o valor do bem aplicado exclusivamente a sua satisfação, não é capaz de sobrepor os privilégios legais, instituídos em atenção ao interesse público voltado a créditos de grande repercussão social, como os trabalhistas.

Dessa maneira, o direito do proprietário, que assim se tornou em face da arrematação de um imóvel em uma execução trabalhista, para satisfazer a um crédito trabalhista, prefere ao direito daquele credor hipotecário, e isso em virtude dos privilégios legais.

Contudo, essa discussão não chega a ser o ponto principal da questão, sendo apenas circunstância mais esclarecedora das considerações a seguir.

A hipoteca se extinguirá por via de conseqüência ou por via principal. No primeiro caso, pelo desaparecimento da obrigação principal que a garante, em qualquer uma de suas formas, tais como pagamento, compensação e remissão, eis que a obrigação acessória segue a sorte da principal; no segundo, em todas as hipóteses descritas nos incisos II a VI do art. 849 do Código Civil de 1916, atual art. 1.499 e incisos do Código Civil de 2002.

Dispõe o art. 1.499 do CC/2002:

"Art. 1.499 - A hipoteca extingue-se: (omissis)
VI - pela arrematação ou adjudicação (inciso correspondente ao VII do art. 849 do CC/1916)".

Cabe salientar que a arrematação é causa de extinção da hipoteca, restando liquidada esta modalidade de direito real pela averbação do cancelamento junto ao registro imobiliário, na forma do art. 1.500 do Código Civil, que assim dispõe:

"Extingue-se ainda a hipoteca com a averbação, no Registro de Imóveis, do cancelamento do registro, à vista da respectiva prova" (artigo em correspondência com os artigos 850 e 851 do CC/1916).

A Lei de Registros Públicos - Lei nº 6.015/73, em seu art. 251, dispõe:

"Art. 251 - O cancelamento de hipoteca só pode ser feito:
I à vista de autorização expressa ou quitação outorgada pelo credor ou seu sucessor, em instrumento público ou particular".

De acordo com esses dispositivos legais, temos que, quando em uma matrícula de imóvel existe o registro de hipoteca, o seu cancelamento depende de autorização expressa (art. 251, I, da Lei 6.015/73) ou respectiva prova (art. 1.500 CC/2002).

Observe-se o seguinte aresto emanado pelo eg. STJ:

"Ante a existência de créditos tributário e trabalhista torna-se supérflua a intimação de eventual credor hipotecário, eis que não poderá adjudicar o bem objeto do leilão" (STJ, REsp 10.044/SP, j. em 17.03.98, Rel. Min. Bueno de Souza).

A prova do cancelamento, no presente caso, está na própria arrematação, judicialmente efetuada, que, evidentemente, sobrepuja a "autorização" a que se refere o inc. I do art. 251 da LRP. Esse dispositivo regula, tão-somente, a extinção da hipoteca por transigência das partes envolvidas, não se aplicando ao caso de ter sido a hipoteca atingida pelo procedimento judicial de alienação do imóvel objeto a terceiros.

Com estas considerações, nego provimento ao recurso.

O Sr. Des. José Domingues Ferreira Esteves - De acordo com o Relator.

O Sr. Des. Ernane Fidélis (Convocado) - A hipoteca é direito real de garantia, cuja conseqüência é a seqüela. Neste caso, qualquer alienação que se faça deverá atender ao prosseguimento do ônus, sendo impossível qualquer cancelamento fora das disposições legais, sob pena de ficar sem fundamento o direito real de garantia admitido pelo Código Civil de 1916, que está no Código Civil de 2002.

É o ônus de quem leva imóvel hipotecado à arrematação a intimação do credor hipotecário, o que resulta de uma clareza extraordinária do art. 615 do Código de Processo Civil.

"Cumpre ainda ao credor:
II) Requerer a intimação do credor pignoratício, hipotecário, ou anticrético, ou usufrutuário, quando a penhora recair sobre bens gravados por penhor, hipoteca, anticrese ou usufruto".

O que vem a significar que, se não se cumprir o disposto no art. 615 do CPC, ensejando ao credor hipotecário sua defesa, a hipoteca não pode ser cancelada, única e exclusivamente porque o bem foi arrematado.

Por tais razões, pedindo vênia aos eminentes Pares, dou provimento ao recurso para determinar que prossiga a hipoteca.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO, VENCIDO O VOGAL.


Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 21/05/2004