Ação declaratória - Cessão de crédito - Pagamento ao cliente - Invalidade


AÇÃO DECLARATÓRIA - INEXISTÊNCIA DE DÉBITO - CESSÃO DE CRÉDITO - NOTIFICAÇÃO AO DEVEDOR - PAGAMENTO AO CLIENTE - INVALIDADE - PROTESTO DE TÍTULO - ADMISSIBILIDADE - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO

Ementa: Civil. Ação declaratória. Cessão de crédito. Notificação ao devedor. Pagamento posterior ao cedente. Invalidade.

- Na cessão de crédito, notificação ao devedor, exigida pelo art. 290 do Código Civil de 2002, é medida destinada a preservá-lo do cumprimento indevido da obrigação, evitando-se os prejuízos que poderiam ser causados ao cessionário, uma vez que a dívida poderia ser paga ao cedente.

- Se o devedor efetua o pagamento ao cedente, não obstante ter sido anteriormente notificado da cessão do crédito, o ato revela-se inválido, sendo lícito ao cessionário protestar o título e cobrar do devedor o crédito do qual é titular.

Apelação Cível ndeg. 2.0000.00.487578-3/000 - Comarca de Cláudio - Relator: Des. Maurício Barros

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento.

Belo Horizonte, 5 de abril de 2006. Maurício Barros - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

DES. MAURÍCIO BARROS - Consta dos autos que o Supermercado Ipê Amarelo Ltda. propôs a presente ação declaratória de inexistência de débito e de relação jurídica contra Indústria e Comércio São Marcos Ltda. e Intermedium Crédito Financiamento e Investimento S.A., alegando que é indevido o protesto de duplicatas efetuado pela segunda ré, tendo em vista que tais títulos foram quitados junto à primeira, acrescentando que não foi notificada do aludido protesto, bem como não foi informada sobre a cessão de créditos ocorrida entre as empresas rés.

A segunda ré apresentou contestação (f. 22/31), bem como reconvenção, que acabou sendo indevidamente autuada em apenso, através da qual pretendeu o recebimento da quantia referente às sobreditas duplicatas.

O MM. Juiz da causa proferiu a r. sentença de f. 94/100, julgando improcedente o pedido inicial da ação declaratória e procedente o pedido reconvencional, para condenar a autora/reconvinda ao pagamento à reconvinte Intermedium Crédito, Financiamento e Investimento S.A. da quantia de R$ 11.100,00, corrigida monetariamente a partir do ajuizamento da ação e acrescida de juros de mora de 0,5% ao mês. Outrossim, condenou a reconvinda ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa.

Da r. sentença recorreu a autora/reconvinda, reiterando a afirmação de que os protestos foram indevidos, tendo em vista o pagamento feito à ré Indústria e Comércio São Marcos Ltda., inexistindo qualquer débito que justifique a cobrança e o respectivo protesto das duplicatas.

Acrescenta que as duplicatas em questão foram emitidas em razão de contrato de compra e venda de mercadorias celebrado com a primeira ré, e que não estabeleceu relação jurídica com a ré Intermedium Crédito Financiamento e Investimento S.A., tendo tomado ciência do protesto apenas quando foi bloqueado seu crédito por outros fornecedores.

Assevera que, em decorrência da comprovada quitação dos títulos, conforme documentos juntados aos autos, e evitando-se o pagamento em duplicidade destes, resta à segunda ré/reconvinte o direito de postular o recebimento de tais valores perante a endossatária.

A apelada Intermedium Crédito Financiamento e Investimento S.A. apresentou contra-razões às f. 111/115, em óbvia contrariedade.

Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.

Verifica-se dos autos que a autora comprou mercadorias da primeira ré, originando a emissão de três duplicatas, para pagamento em datas diversas. Posteriormente, a primeira ré cedeu seus créditos à empresa Intermedium Crédito Financiamento e Investimento S.A., a qual, diante da inadimplência da autora, enviou os aludidos títulos a protesto.

A autora afirma que fez o pagamento do sobredito débito à primeira ré, juntando aos autos os documentos de f. 10/12.

Cumpre ressaltar, inicialmente, que a cessão de crédito é meio pelo qual o credor transfere a terceiro um direito de crédito que possui contra o devedor. É um negócio jurídico que não cria uma nova relação jurídica, ou seja, os direitos persistem, sendo apenas transmitidos ao terceiro - o cessionário -, que os receberá conforme estiverem, ou seja, com suas vantagens e desvantagens.

É necessário atentar para o fato de que existem certos pressupostos e requisitos que devem ser cumpridos, para que se dê o aperfeiçoamento da cessão de crédito, sendo, portanto, intransponíveis. A propósito é a lição de Orlando Gomes, em sua obra Obrigações, 8. ed., Rio de Janeiro: Forense, p. 248:

"Conquanto não seja contrato formal, a cessão de crédito não vale em relação a terceiros, se não se celebrar mediante instrumento público ou particular revestido das exigências legais. Esses terceiros, a que se refere a lei, são as pessoas estranhas à cessão, não incluindo, porém, o devedor, que também não é parte. Se, com efeito, o devedor estivesse compreendido nessa referência, toda cessão deveria ter, necessariamente, forma escrita".

Assim, sua forma é livre, ou seja, pode até mesmo ser verbal. Porém, sendo escrita, para valer contra terceiros, deve ser por instrumento público ou particular que obedeça às prescrições legais.

No entanto, é importante registrar a importância da proteção do devedor, que não participa da cessão propriamente dita, já que seu consentimento é dispensável. Tal se deve ao fato de que, com a substituição de um credor por outro, ocorre uma alteração do destinatário da prestação, o que origina determinadas regras a serem cumpridas, quais sejam a possibilidade de oposição ao cedente ou ao cessionário pelo devedor das exceções que possuir quando do conhecimento da cessão e a necessidade absoluta de sua notificação.

Em referência à última, transcrevo outra lição do Professor Orlando Gomes:

"A notificação ao devedor, exigida em lei, é medida destinada a preservá-lo do cumprimento indevido da obrigação, evitando-se os prejuízos que causaria, pois ele poderia pagar ao credor-cedente. O pagamento não seria válido. Quando, pois, lhe não se tenha notificado a cessão, efeito não produz em relação a ele. A cessão de crédito não vale em relação ao devedor, senão quando a este notificada. A expressão é infeliz, por dar idéia de que a notificação é elemento essencial à validade da cessão de crédito, quando apenas se quer dizer que não é eficaz em relação ao devedor, isto é, que este só está sujeito às suas conseqüências a partir do momento em que tiver conhecimento de sua realização" (obra citada, p. 251).

Entretanto, releva anotar, novamente, que referida notificação tem o objetivo de ressalvar os direitos do devedor num eventual indevido pagamento ao cedente.

No caso em julgamento, é incontroverso que a a autora/devedora foi notificada da cessão do crédito, conforme cópias dos documentos juntados aos autos pela ré Intermedium Crédito Financiamento e Investimento S.A., às f. 51/53.

Apesar disso, a autora efetuou, equivocadamente, o pagamento das cambiais à cedente Indústria e Comércio São Marcos Ltda., conforme as declarações juntadas às f. 10/12, embora existisse ciente da cessão do crédito e de quem era o novo credor.

Assim, nenhuma razão assiste à recorrente, devendo a r. sentença ser integralmente mantida.

Por fim, cabe salientar que a autora possui direito de regresso contra a empresa cedente do crédito, tendo em vista que esta, diante do pagamento efetuado por aquela, sabendo não mais ser credora em virtude da cessão celebrada com a empresa Intermedium Crédito Financiamento e Investimento S.A., ainda assim o recebeu, dando-lhe, inclusive, quitação.

Com essas considerações, nego provimento ao recurso.

Custas, pela apelante.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Selma Marques e Fernando Caldeira Brant.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO.


Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 12/09/2006

Nota de responsabilidade

As informações aqui veiculadas têm intuito meramente informativo e reportam-se às fontes indicadas. A SERJUS não assume qualquer responsabilidade pelo teor do que aqui é veiculado. Qualquer dúvida, o consulente deverá consultar as fontes indicadas.