REGISTRO CIVIL - ASCENDENTES ESTRANGEIROS - PRENOME - PATRONÍMICO DE FAMÍLIA - ALTERAÇÃO DA GRAFIA ORIGINAL - OBTENÇÃO DE CIDADANIA ESTRANGEIRA - COMPROVAÇÃO DA ASCENDÊNCIA - RETIFICAÇÃO ÀS MARGENS DO ASSENTAMENTO - POSSIBILIDADE
- A pretensão de se obter cidadania estrangeira é motivo justificado para o pedido de retificação às margens do assentamento do registro civil de descendente de estrangeiro, mormente se amparado por documentos que comprovam a ascendência e a alteração da grafia original de prenomes e do patronímico familiar do requerente.
Apelação Cível nº 233.195-7/00 - Comarca de Belo Horizonte - Relator: Des. Orlando Carvalho
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento.
Belo Horizonte, 14 de maio de 2002. - Orlando Carvalho - Relator.
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O Sr. Des. Orlando Carvalho - Trata-se de ação de retificação de assentamento de registro civil proposta por Laura Pereira, perante o Juízo da Vara de Registros Públicos da Comarca de Belo Horizonte, dizendo que descendente, em linha reta, por consangüinidade, em terceiro e quarto graus, de Giovanni Battista Olivero e Francisca Capai e de Giuseppe Olivero e Felicita Albano, que são italianos, desejando obter a cidadania italiana; acrescenta que os nomes de seus ascendentes foram adequados nos Cartórios e Serviços de Registros de Brasileiros de acordo com a estrutura da língua portuguesa - João Baptista de Oliveira e Maria Francisca Capae, José de Oliveira e Albana Felicitá -, o que vem impossibilitando a requerente de exercer seu direito, pois o Consulado da Itália exige, para conceder-lhe a cidadania, a retificação dos dados.
Afinal, o pedido foi deferido (fls. 56/57).
Inconformado, o Ministério Público apelou, tempestivamente, buscando a reforma da sentença e o indeferimento do pedido (fls. 58/61).
O apelo foi contrariado, sustentando-se o acerto da decisão hostilizada.
Ouvida, a douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo, em preciso parecer da lavra da Dra. Eliane Falcão (fls. 77/81).
Conheço do recurso, por estarem presentes os pressupostos de sua admissibilidade.
Insurge-se o i. representante do Ministério Público de primeiro grau, alegando, em síntese, que a certidão de nascimento do ascendente italiano, à fl. 08, deveria ter sido vertida para o português; que os documentos acostados às fls. 11 e 24 foram extraídos com base em alegações dos supostos imigrantes, não podendo ser presumidas como verdadeiras; e a incompetência do órgão que expediu a certidão negativa de naturalização dos ancestrais italianos da requerente.
Em que pesem as precauções do i. representante do MP, não lhe assiste razão, pois os documentos que acompanharam a inicial e aqueles posteriormente juntados são formalmente regulares e hábeis para comprovar a ascendência italiana da requerente.
O estrato dell'atto di nascita, fls. 8, correspondente à certidão de nascimento brasileira, em cumprimento a acordo internacional celebrado pela Convenção de Viena, traz a tradução automática de todos os termos de seu conteúdo para diversos idiomas, entre eles o português, sendo despicienda a formalidade exigida pelo Parquet, se já possível averiguar a legitimidade da descendente para requerer a retificação.
Os documentos de fls. 11 e 24, emitidos pelo Serviço de Registro de Estrangeiros, necessários para que os imigrantes obtivessem seu registro junto à repartição competente, cujo teor é confirmado por testemunhas, emanam de autoridade que dispõe de fé pública, gozando o ato de presunção de veracidade. Como se trata de fatos ocorridos há mais de sessenta anos, difícil ou mesmo impossível averiguar a sua verdade ou inverdade, presumindo-se verdadeiro o que a Administração ali consignou.
Quanto à alegação de competência do Ministério da Justiça, e não do Arquivo Nacional, para expedir a certidão negativa de naturalização, como bem salientou a douta Procuradora de Justiça:
"temos, consoante o documento de fls. 69/70-TJ, que o órgão está diretamente subordinado ao Ministro da Justiça (art. 1º do Regimento Interno do Arquivo Nacional), sendo de sua atribuição, dentre outras, autenticar as reproduções e dar certidão dos documentos sob sua guarda, além de executar atividades relativas à autenticação de reproduções e à emissão de certidões sobre os documentos sob sua guarda (arts. 5º, III, e 6º, VIII, do mencionado Regimento), logo, sendo de sua competência, na hipótese, a expedição da aludida certidão negativa, já que atinente a documentos mantidos sob sua guarda, plenamente satisfeita restou, a nosso ver, a exigência feita pelo Órgão Ministerial à apelada no curso do feito, com a juntada dos documentos de fls. 43/44-TJ" (fls. 79/80).
Ademais, juntou a requerente, à fl. 94, a certidão negativa de naturalização do seu ascendente, fornecida pelo Ministério da Justiça.
E cabe ressaltar, complementando a doutrina citada no parecer ministerial de segundo grau, destacando a lição do prof. Humberto Theodoro Júnior:
"Realmente, a forma, nos atos jurídicos mais importantes, é sempre instituída para segurança das partes e não por mero capricho do legislador.
O que se pode, razoavelmente, condenar é o excesso de formas, as solenidades exageradas e imotivadas. A virtude está no meio-termo: a forma é valiosa e mesmo imprescindível na medida em que se faz necessária para garantir aos interessados o proveito que a lei procurou visar com sua instituição.
Por isso, as modernas legislações processuais não sacrificam a validade de atos por questões ligadas ao excessivo e intransigente rigor de forma, quando se relacionam com atos meramente instrumentais, como soem ser os do processo.
Sem se chegar ao extremismo da ausência de forma, que levaria ao caos e à inutilização do processo como meio hábil de composição dos litígios (pois é impossível conceber-se o processo desligado da forma), nosso Código faz, de maneira clara, prevalecer sobre a forma a substância e a finalidade do ato processual" (em Curso de Direito Processual Civil, Ed. Forense, v. I, 24ª ed., p. 219).
Isto posto, comprovada a ancestralidade italiana da apelada e sua legitimidade para requerer que sejam procedidas as retificações às margens dos registros, nego provimento à apelação.
Custas, ex lege.
O Sr. Des. Garcia Leão - De acordo.
O Sr. Des. Francisco Lopes de Albuquerque - De acordo.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO.
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