JURISPRUDÊNCIA
MANDADO DE SEGURANÇA - PROPRIEDADE RURAL - FUNÇÃO SOCIAL - MEIO AMBIENTE
- RESERVA LEGAL - REGISTRO DE IMÓVEIS - AVERBAÇÃO - OBRIGATORIEDADE -
FLORESTA - EXISTÊNCIA - INEXIGIBILIDADE - DIREITO LÍQUIDO E CERTO - AUSÊNCIA
- DENEGAÇÃO DA ORDEM
Ementa: Remessa oficial e apelação cível voluntária. Ação de mandado de
segurança. Propriedade rural sem floresta ou mata nativa. Função social e
ambiental. Averbação de reserva legal necessária. Sentença reformada.
- O direito à propriedade também deve atender a função social e ambiental, o
que torna legítima a imposição ao proprietário rural de comportamento
positivo que visa a reabilitação dos processos ecológicos e a conservação da
biodiversidade.
- A averbação da reserva legal na matrícula do imóvel rural, como um desses
comportamentos positivos impostos, deve mesmo ser exigida ainda que em
terrenos já desmatados, como forma de assegurar a recuperação da mata nativa
e um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
- O serviço de Registro de Imóveis é, por imperativo legal, obrigado a
efetuar a averbação da área destinada à reserva legal em hipóteses de
negócios jurídicos translativos da propriedade rural.
- Remessa oficial e apelação cível conhecida.
- Sentença reformada em reexame necessário para denegar a segurança,
prejudicado o recurso voluntário.
Apelação Cível/Reexame Necessário ndeg. 1.0287.07.029442-9/001 - Comarca de
Guaxupé - Remetente: Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Guaxupé -
Apelante Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Apelado: José
Roberto Panhota - Autoridade Coatora: Oficial do Cartório de Registro de
Imóveis de Guaxupé - Relator: Des. Caetano Levi Lopes
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em reexame necessário, reformar a sentença, prejudicado o recurso
voluntário.
Belo Horizonte, 25 de setembro de 2007. - Caetano Levi Lopes - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. CAETANO LEVI LOPES - Conheço da remessa oficial e do recurso voluntário
porque presentes os requisitos de admissibilidade.
O apelado aforou a presente ação de mandado de segurança contra ato do
Oficial do Registro de Imóvel da Comarca de Guaxupé. Aduziu que adquiriu
duas propriedades rurais formadas por lavoura de cana-de-açúcar e pastagens,
mas o impetrado negou-se a efetuar o registro de imóvel rural com fundamento
no SS 8º do art. 16 da Lei nº 4.771, de 1965, que exige a averbação da
reserva legal. Asseverou que a exigência da reserva legal é da competência
do órgão ambiental e aplica-se exclusivamente aos casos de supressão de
florestas e outras formas de vegetação nativa. O apelante voluntário
asseverou que a obrigatoriedade da averbação de reserva legal não está
condicionada à existência de floresta ou qualquer outra vegetação. Pela r.
sentença de f. 42/44, a segurança foi concedida.
Remessa oficial.
A vexata quaestio fica limitada em verificar se houve lesão ao direito
líqüido e certo do apelado pelo condicionamento do registro de propriedade
rural à averbação da reserva legal.
O recorrido, com a petição inicial, juntou os documentos de f. 14/22.
Destaco as notas de devolução emitidas pelo impetrado (f. 15 e 19),
escrituras públicas de compra e venda (f. 16/18 e 20/21 e versos). Destaco,
ainda, a declaração de f. 14, firmada pelo Engenheiro Agrimensor Fernando
Celso de Andrade, pela qual as áreas rurais constantes das escrituras
públicas são desprovidas de florestas e matas nativas regionais e compostas
de terra agricultável com pastagem e cultura de cana-de-açúcar. Estes os
fatos.
Quanto ao direito, sabe-se que o direito de propriedade restou assegurado na
Constituição da República de 1988, embora a nova ordem constitucional tenha
lhe reservado uma concepção social, conforme ensina Alexandre de Moraes, in
Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, São Paulo:
Atlas, 2002, p. 266:
"A referência constitucional à função social como elemento estrutural da
definição do direito à propriedade privada e da limitação legal de seu
conteúdo demonstra a substituição de uma concepção abstrata de âmbito
meramente subjetivo de livre domínio e disposição da propriedade por uma
concepção social de propriedade privada, reforçada pela existência de um
conjunto de obrigações para com os interesses da coletividade, visando
também à finalidade ou utilidade social que cada categoria de bens objeto de
domínio deve cumprir".
Portanto, o direito de propriedade deixa de ter o caráter absoluto e
intangível em prol da função social e ambiental, o que permite não só o
limite tradicional, ou seja, o de fazer tudo o que não prejudique terceiros,
como também o de não colocar em risco a preservação do meio ambiente. Isto
porque a qualidade do meio ambiente é um direito de todos e também daquele
proprietário que vem a sofrer alguma restrição em sua esfera pessoal ou
patrimonial. Legítima, portanto, se torna a imposição ao proprietário rural
de condutas positivas, como precauções mínimas para garantia de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado.
Dentre essas mencionadas condutas positivas, encontra-se, sem dúvida, a
averbação da reserva legal na matrícula do imóvel rural. Trata-se de uma
imposição ao proprietário rural que visa satisfazer a função sócio-ambiental
da propriedade, na medida em que possibilita a reabilitação dos processos
ecológicos e a conservação da biodiversidade.
Aliás, a imposição legal se coaduna com o próprio conceito de reserva legal,
pois, segundo consta do art. 1deg., SS 2deg., II, do Código Florestal, bem
como do art. 14 da Lei Estadual nº 14.309, de 2002, a reserva legal, além de
não se confundir com área de preservação permanente, constitui área
localizada no interior de propriedade ou posse rural que representa o
ambiente natural da região e cujos fins são a conservação e recuperação dos
processos ecológicos, conservação da biodiversidade, abrigo e proteção da
fauna e flora nativas.
Nessa esteira de raciocínio, alterei meu posicionamento anterior acerca da
desnecessidade da mencionada averbação quando ausente, na propriedade rural,
floresta ou mata nativa a ser preservada. Ocorre que a reserva legal,
insista-se, tem duplo objetivo, não sendo o de exclusivamente conservar
floresta ou mata nativa. Permite, também, a recuperação de áreas desmatadas
para que o meio ambiente reencontre o equilíbrio rompido pela conduta humana
incorreta. Nesse sentido já se posicionou este Tribunal:
"Mandado de segurança. Constitucional e administrativo. Imóvel rural.
Averbação da área de reserva legal como condição ao registro do imóvel.
Exigência legítima. Ausência de direito líqüido e certo ainda que
inexistente área de floresta. Ordem denegada. Sentença confirmada. (Ac. na
Ap. nº 1.0283.05.002496-9/001, Primeira Câmara Cível, Rel. Des. Armando
Freire, j. em 28.11.2006, in www.tjmg.gov.br).
Também é a posição do egrégio Superior Tribunal de Justiça:
"Administrativo e processual civil. Recurso ordinário. Averbação e reserva
florestal. Exigência. Código Florestal. Interpretação.
1. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito que a Constituição
assegura a todos (art. 225 da CF), tendo em consideração as gerações
presentes e futuras. Nesse sentido, desobrigar os proprietários rurais da
averbação da reserva florestal prevista no art. 16 do Código Florestal é o
mesmo que esvaziar essa lei de seu conteúdo.
2. Desborda do mencionado regramento constitucional portaria administrativa
que dispensa novos adquirentes de propriedades rurais da respectiva
averbação de reserva florestal na matrícula do imóvel.
3. Recurso ordinário provido (Ac. no RMS 18.301/MG, Segunda Turma, Rel. Min.
João Otávio de Noronha, in www.stj.gov.br)
No caso em exame, insista-se, embora na declaração de f. 14, firmada por
engenheiro agrimensor, conste que a cobertura vegetal da mencionada
propriedade é composta apenas por plantação de cana-de-açúcar e pastagens, a
exigência da reserva legal é legítima, pois vem atender o princípio da
função social da propriedade, para haver, no futuro, meio ambiente
ecologicamente equilibrado quando a mata nativa vier a ocupar a área da
reserva.
Por derradeiro, anoto ainda que o apelado aduziu não ser do serviço de
Registro de Imóveis a competência de fiscalizar as ações do meio ambiente e
de conceder licença para supressão da vegetação. Realmente, não o é.
Todavia, na espécie, não se trata de aprovação de projeto de supressão da
vegetação nativa ou floresta, que, por sua vez, se refere à área de
preservação permanente, mas sim averbação da reserva por imperativo de lei.
Assim, por força do art. 16, SS 2º da Lei Estadual nº 14.309, de 2002, o
serviço de Registro de Imóveis é obrigado a efetuar a averbação da área
destinada à reserva legal em hipóteses de negócios jurídicos translativos da
propriedade rural.
Logo, não houve ofensa a direito líqüido e certo do apelado a ensejar a
concessão da segurança.
Com estes fundamentos, em reexame necessário, reformo a sentença para
denegar a segurança. Resta prejudicado o recurso voluntário.
Sem custas.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Francisco Figueiredo e
Nilson Reis.
Súmula: EM REEXAME NECESSÁRIO, REFORMARAM A SENTENÇA, PREJUDICADO O RECURSO
VOLUNTÁRIO.
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