Duas decisões do juiz de Direito da 4ª Vara da Fazenda Pública Municipal de
Belo Horizonte, Renato Luís Dresh, determinaram que o Município, os
herdeiros da Fazenda Tamboril e um advogado procedam à regularização do
parcelamento clandestino da fazenda que deu origem aos loteamentos “Chácaras
Joaquim Clemente” e “Mirante do Tupi”, localizados na regional Norte de Belo
Horizonte.
Eles também foram condenados a apresentar projeto de recuperação ambiental e
urbanística da área e a providenciar a remoção das famílias que adquiriram
terrenos em Áreas de Proteção Permanente (APPs). Uma das herdeiras e o
marido deverão, ainda, reparar os danos causados aos adquirentes dos lotes
que vierem a ser removidos das APPs ou de áreas que desrespeitem o Código de
Posturas do Município.
De acordo com o Ministério Público (MP), que ajuizou as duas ações Civis
Públicas, os antigos proprietários da Fazenda Tamboril, Joaquim Antônio da
Rocha e Etelvina Carneiro da Cruz, partilharam a fazenda entre os 14
herdeiros. A área original da fazenda era superior a 300 mil m². Localizada
entre os municípios de Belo Horizonte e Santa Luzia, grande parte da fazenda
corresponde a área de preservação ambiental, com nascentes e mananciais,
grandes áreas verdes, vista para os dois municípios e ainda para a Cidade
Administrativa do Estado de Minas Gerais.
Em uma das ações civis, iniciada em 2006, o MP afirmou que, desde 2003, a
promotoria de habitação e urbanismo já apurava a implantação do loteamento,
razão que motivou a ação civil pública, responsabilizando aos proprietários
do loteamento, e ao município, por negligência.
Uma das herdeiras, Maria de Lourdes Rocha Lima, defendeu-se alegando que
celebrou, juntamente com o marido, os contratos de compra e venda com os
adquirentes dos lotes. Afirmou que eles honraram o compromisso assumido nos
contratos “empreendendo todas as diligências para obter a regularização”. O
Município confirmou que a vistoria técnica, efetuada pelos engenheiros da
prefeitura, constatou que todas as quadras estavam ocupadas por residências
e comércio e “quase todos as ruas pavimentadas e asfaltadas, com rede de
esgoto”, além de bocas de lobo, iluminação pública, rede elétrica e
telefônica.
A proprietária confessou que 500 lotes foram vendidos durante 10 anos, mas
que os adquirentes “não pagam as prestações desde 1997”, além de apontar a
existência de alguns invasores. Ela alegou, ainda, que o valor era utilizado
para tratamento de saúde do pai e que “sobrevive atualmente dos proventos de
aposentadoria como professora universitária”. Comprometeu-se a regularizar o
loteamento, mas disse que depende dos órgãos municipais.
Já o município alegou que não foi negligente, pois, no ano de 1998,
instaurou processo administrativo para apurar a existência do loteamento
irregular. Disse, ainda, que notificou a proprietária para regularização do
loteamento e oficiou a Delegacia Especializada de Ordem Econômica em razão
da venda irregular de lotes. Entende, por isso, que não se omitiu.
O MP citou conclusão da perícia sobre a irregularidade do loteamento, com
ocupação de áreas verdes, sem benfeitorias, salientando a ocorrência de
danos ambientais provocados por despejo de esgoto em uma das nascentes.
Entende que o município deveria ter coibido a prática ilegal que resultou na
ocupação de área em risco ecológico.
O advogado não se considera responsável pela implantação irregular do
loteamento e alega que apenas atuou como inventariante de uma das herdeiras,
tendo negociado quatro lotes.
Os demais herdeiros, filhos e netos do casal que partilhou a fazenda,
afirmaram, dentre outras justificativas, que Maria de Lourdes Rocha Lima
tomou posse de parte do terreno e os comercializou juntamente com o dela.
Também afirmaram que cerca de 40 famílias invadiram o terreno. Pretendem que
as concessionárias de água, luz e transporte público, ou seja, Copasa, Cemig
e Bhtrans, além da Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), também sejam
responsabilizadas por fornecer serviços de infraestrutura para o loteamento
irregular.
Mas, para o MP, o fato de as concessionárias terem implantado benefícios não
as inclui como responsáveis pelas irregularidades, reafirmando que os
proprietários foram os verdadeiros responsáveis pelo parcelamento irregular
da área.
Ao analisar o processo, o juiz Renato Dresch afastou a pretensão de incluir
como responsáveis os prestadores de serviços públicos, concluindo que estes
“se limitaram a possibilitar um mínimo de inclusão social aos moradores
daquela área, não tendo eles qualquer participação no parcelamento
irregular”. O juiz considerou não haver dúvida quanto à “clandestinidade”
dos loteamentos.
Por essa razão, determinou que os herdeiros parem de vender, reservar ou
fazer qualquer negócio jurídico com lotes daquela área, ficando impedidos
também de fazer propaganda ou publicidade sobre o loteamento e, ainda, de
receber prestações ou mensalidades relativas aos lotes, sob pena de multa
diária de R$ 1 mil.
Determinou, também, a indisponibilidade dos bens de Maria de Lourdes Rocha e
de seu marido, para fins de garantia de reparação ao meio ambiente das APPs
e indenização futura de consumidores. Condenou-os, juntamente com o
município, a regularizarem o parcelamento da área conhecida como “Chácaras
Joaquim Clemente”, a recuperarem os danos ambientais verificados no
loteamento e a apresentarem novo projeto de urbanização da área, no prazo de
seis meses, com a execução da obra prevista para os 12 meses seguintes. Por
fim. determinou que o reassentamento eventual de compradores removidos de
áreas de preservação deve ser feito utilizando os lotes vagos em nome dos
herdeiros.
Por ser de primeira instância, esta decisão está sujeita a recurso.
Processo nº: 0024.06.075799-4 e 0024.08.237773-0
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