A viúva pode, ao mesmo tempo, ser meeira e herdeira da totalidade da herança
deixada pelo marido falecido com quem era casada no regime de comunhão
parcial de bens? A polêmica questão está sendo discutida pela Quarta Turma
do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em processo relatado pelo
desembargador convocado Honildo de Mello Castro.
Iniciado na sessão do último dia 20, o julgamento foi interrompido por
pedido de vista do ministro Luis Felipe Salomão. No caso em questão, a ação
foi movida pela única filha e herdeira do falecido contra decisão do
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). Por ser
menor de idade, a adolescente está sendo representada no processo por sua
mãe.
O juízo de primeiro grau entendeu que o cônjuge sobrevivente só participa
como herdeiro nos bens particulares deixados pelo marido, mas a sentença foi
reformada pelo TJDFT, para permitir que a viúva concorra na sucessão
legítima, participando da totalidade da herança, de acordo com ordem
estabelecida no artigo 1.829, I, do Código Civil de 2002. O parecer do
Ministério Público ratificou a interpretação dada pela sentença de primeiro
grau.
No recurso, a filha única sustenta que, além da meação, o cônjuge
sobrevivente só concorre em relação aos bens particulares, conforme
precedente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A recorrida, por sua
vez, alega que, como a norma não restringe o alcance da herança devida ao
cônjuge, é perfeitamente legal que ela concorra com o descendente herdeiro
sobre todo acervo da herança.
A tese do relator
Em minucioso voto de 31 páginas, o relator discorreu sobre as várias e
distintas correntes de interpretação da sucessão do cônjuge quando casado
sob o regime de comunhão parcial de bens, e concluiu que no direito
sucessório quem é meeiro não deve ser herdeiro.
Segundo o relator, a jurisprudência do STJ se firma cada vez mais no sentido
de que não há como dissociar o direito sucessório dos regimes de bens do
casamento, de modo que se tenha após a morte o que não se pretendeu em vida.
Assim, a decisão que confere ao cônjuge sobrevivente direitos sobre a meação
e todo o acervo da herança do falecido desrespeita a autonomia da vontade do
casal quando da escolha do regime de comunhão parcial de bens.
Para Honildo de Mello Castro, na sucessão legítima sob o regime de comunhão
parcial de bens, a regra é que, ocorrendo a morte de um dos cônjuges, é
garantida ao sobrevivente a meação dos bens comuns (havidos na constância do
casamento), não cabendo a ele concorrer com os descendentes em relação à
herança (bens comuns do falecido) e muito menos em relação aos bens
particulares (havidos antes do casamento), já que os bens particulares dos
cônjuges são, em regra, destinados aos seus dependentes e incomunicáveis, em
razão do regime convencionado em vida pelo casal.
Para ele, de acordo com a nova ordem de vocação hereditária do Código Civil
de 2002, o caráter protecionista da lei ao cônjuge sobrevivente não deve ser
confundido como um privilégio capaz de prejudicar os demais herdeiros
necessários na ordem de sucessão.
O relator ressaltou, em seu voto, que a concorrência entre os descendentes e
o cônjuge sobrevivente casado em comunhão parcial de bens é uma
excepcionalidade prevista na parte final do artigo 1.829, inciso I, do
referido Código Civil. “Subsiste a concorrência, e tão somente nessas
hipóteses, se não existirem bens comuns ou herança a partilhar e o falecido
deixar apenas bens particulares, como forma de não desamparar o sobrevivente
nessas situações excepcionais”.
Além de citar correntes doutrinárias e votos já proferidos pelos ministros
Fernando Gonçalves e Luis Felipe Salomão, ele destacou que a Terceira Turma
do STJ, em importante precedente relatado pela ministra Nancy Andrighi,
alertou que sua decisão não exauria a polêmica que envolve o assunto, haja
vista as peculiaridades que o envolvem. A polêmica voltará a ser debatida
quando o julgamento for retomado na Quarta Turma, com a apresentação do
voto-vista do ministro Luis Felipe Salomão.
REsp 974241 |