IRIB presta homenagem póstuma a registradora mineira |
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Não saberia precisar o dia exato em que nos conhecemos. O tempo passou desde aquelas manhãs modorrentas no Irib. Certamente foi no Instituto, nas perambulações curiosas, ainda nos inícios da gestão do eterno presidente Lincoln. Lembro-me especialmente de seu olhar perscrutador, curioso e preciso, “quem está por fora / não segura / um olhar que demora”, disse dela o poeta, alcançando o tipo dos tipos, o arquétipo do olhar humano perfeito. Eu flagrava seu olhar atento; ela posicionada firmemente nalgum ponto da mesa de reuniões, acompanhando com rigor a palração contínua e hipnótica das reuniões de diretoria. Aquilo me dava uma preguiça imensa; ela percebia. Decidia-se o destino do mundo – registral, claro – e eu mergulhava num banzo de noite mal-dormida, de entusiasmo contido pelas comportas do realismo corporativo. Só ela parecia compreender profundamente que já anoitecia. Estava às vésperas de ser tragado pelo mistério da representação corporativa. Pouco a pouco cismava com o centro dessa energia que mais tarde me projetaria à presidência do Instituto. Gilma foi parceira nessa viagem. Sempre na secretaria, parecia regozijar-se e confortar-se no sentido mais profundo do segredo: secreta pectora alicujus nosse – conhecer o íntimo do coração de alguém – essa a mais lídima vocação de um secretário. Sua passagem silenciosa deixou alguns rastros. Todos, para despistar o olhar distraído! Quem não sabia de Gilma, quem não contava com o apoio decisivo dessa criatura iluminada, esse terá perdido o melhor do Instituto nesses últimos anos. Ela chegou nos primórdios. Sua ficha de inscrição foi preenchida em 20 de novembro de 1975: “Oficiala de Campina Verde”; hoje diríamos simplesmente registradora de Campina Verde. Assim teve início sua trajetória tranqüila e serena. Sempre presente nos encontros, marcava posição nas reuniões e, de certa maneira, compunha um contraponto complexo no naipe de vozes agudas que despontavam com brilho e personalidade. Gilma é uma discreta nota nesse acorde. Realizava uma rara harmonia. “Que mistérios encerram o mundo de pequenas e frágeis criaturas – fetos, filicíneas, aranhas, besouros, a fortuna de diamantes efêmeros nas folhas tenras! “ Certa feita confidenciou-me que amava seu canteiro de hortaliças. Falar dos mistérios de um canteiro de ervas para um botânico frustrado é prosa garantida. Que mistérios encerram o mundo de pequenas e frágeis criaturas – fetos, filicíneas, aranhas, besouros, a fortuna de diamantes efêmeros nas folhas tenras! Ah, querida Gilma! O mundo explode em vida e transformação, não há tempo para perder-se no engano. Certa mesmo é a transformação! “Catalina, lina, lina / cuéntame los dedos y vete con Dios”, quantos mistérios revelados no canteiro lá do fundo do quintal! Não quero aqui fazer um necrológio de ocasião. Dizer que você foi agraciada com a medalha Desembargador Hélio Costa “pelos relevantes serviços prestados à frente de sua serventia”, ou que você participou de n encontros de registradores, que foi a tantos regionais, etc., etc., etc. Tudo isso foi importante, cumpriu seu papel, pontuou sua biografia e tudo bem, dizer tudo isso é o ordinário nessas ocasiões. O que eu gostaria de dizer – e o faço emocionado – é que você, Gilma, foi um ser humano ímpar, uma estrela radiosa do Irib. Merece permanecer em nossa memória viva. Mais não digo: compreendo!
No dia 21 de julho de 2004, já
anoitecendo, partiu nossa colega registradora Gilma Teixeira Machado.
Fez-se silêncio no campo de hortelãs, besouros e romãs. |
Fonte: IRIB em revista 317 - julho/agosto/2004