Quando se trata de disputas por guarda de menores, processos de adoção e até
expulsão de estrangeiro que tem filho brasileiro, o que tem prevalecido nas
decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é o melhor interesse da
criança. Foi com base nesse princípio que a Quarta Turma proferiu, em abril
passado, uma decisão inédita e histórica: permitiu a adoção de crianças por
um casal homossexual.
Apesar de polêmico, o caso foi decidido por unanimidade. O relator, ministro
Luis Felipe Salomão, ressaltou que a inexistência de previsão legal
permitindo a inclusão, como adotante, de companheiro do mesmo sexo, nos
registros do menor, não pode ser óbice à proteção, pelo Estado, dos direitos
das crianças e adolescentes. O artigo 1o da Lei n. 12.010/2009 prevê a
“garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e
adolescentes”, devendo o enfoque estar sempre voltado aos interesses do
menor, que devem prevalecer sobre os demais.
Várias testemunhas atestaram o bom relacionamento entre as duas mulheres,
confirmando que elas cuidavam com esmero das crianças desde o nascimento.
Professores e psicólogos confirmaram o ótimo desenvolvimento dos menores. Na
ação, as mães destacaram que o objetivo do pedido não era criar polêmica,
mas assegurar o futuro das crianças em caso de separação ou morte das
responsáveis. Diante dessas circunstâncias, aliadas à constatação da
existência de forte vínculo afetivo entre as mães e os menores, os ministros
não tiveram dificuldade em manter a adoção, já deferida pela Justiça gaúcha.
(Resp n. 889.852)
Adoção direta
Outra questão polêmica que tem chegado ao STJ é a adoção de crianças por
casal não inscrito no Cadastro Nacional de Adoção. O ministro Massami Uyeda,
relator do Resp n. 1.172.067, ressaltou que são nobres os propósitos
contidos no artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que
preconiza a manutenção do cadastro. Porém, ele entende que a observância do
cadastro com a inscrição cronológica dos adotantes não pode prevalecer sobre
o melhor interesse do menor.
Quando já existe um vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção
que não esteja cadastrado, os ministros da Terceira Turma avaliam que o
melhor para a criança é manter esse vínculo. “Não se está a preterir o
direito de um casal pelo outro, uma vez que, efetivamente, o direito destes
não está em discussão. O que se busca, na verdade, é priorizar o direito da
criança de ser adotada pelo casal com o qual, na espécie, tenha estabelecido
laços de afetividade”, explicou o relator.
Em outro caso de adoção direta, uma criança foi retirada do casal que tinha
sua guarda provisória porque o juiz suspeitou que a mãe biológica teria
recebido dinheiro para abrir mão do filho. A questão chegou ao STJ em um
conflito positivo de competência entre o juízo que concedeu a guarda
provisória e o que determinou que a criança fosse encaminhada a um abrigo em
outro estado.
O artigo 147 do ECA estabelece que a competência de foro é determinada pelo
domicílio dos pais ou responsável pela criança ou, na falta deles, pelo
lugar onde a criança reside. O caso tem duas peculiaridades: os genitores
não demonstraram condições e interesse em ficar com o menor, e a guarda
provisória havia sido concedida e depois retirada por outro juízo. Diante
disso, a relatora, ministra Nancy Andrighi, definiu a competência pelo foro
do domicílio do casal que tinha a guarda provisória.
Seguindo o voto da relatora, os ministros da Terceira Turma entenderam que o
melhor interesse da criança seria permanecer com o casal que supriu todas as
suas necessidades físicas e emocionais desde o nascimento. A decisão do STJ
também determinou o imediato retorno da criança à casa dos detentores da
guarda. (CC n. 108.442)
Disputa pela guarda
Ao analisar uma disputa de guarda dos filhos pelos genitores, a ministra
Nancy Andrighi destacou que o ideal seria que os pais, ambos preocupados com
o melhor interesse de seus filhos, compusessem também seus interesses
individuais em conformidade com o bem comum da prole. Mas não é o que
acontece.
Nessa medida cautelar, a mãe das crianças pretendia fazer um curso de
mestrado nos Estados Unidos, onde já morava o seu atual companheiro. A mãe
alegou que a experiência seria muito enriquecedora para as crianças, mas o
pai não concordou em ficar longe dos filhos, que viviam sob o regime de
guarda compartilhada. Seguindo o voto da relatora, os ministros não
autorizaram a viagem.
Com base em laudos psicológicos que comprovavam os profundos danos
emocionais sofridos pelas crianças em razão da disputa entre os pais, os
ministros concluíram que o melhor para as crianças seria permanecer com os
dois genitores. Segundo ela, não houve demonstração de violação ao ECA, nem
havia perigo de dano, senão para a mãe das crianças, no que se refere ao
curso de mestrado.
Nancy Andrighi afirmou que, em momento oportuno e com mais maturidade, os
menores poderão usufruir experiências culturalmente enriquecedoras, sem o
desgaste emocional de serem obrigados a optar entre dois seres que amam de
forma igual e incondicional. Ao acompanhar o entendimento da relatora, o
presidente da Terceira Turma, ministro Sidnei Beneti, ressaltou que a guarda
compartilhada não é apenas um modismo, mas sim um instrumento sério que não
pode ser revisto em medida cautelar. (MC n. 16.357)
Quando a briga entre os genitores gira em torno do direito de visita aos
filhos, o interesse do menor também é o que prevalece. Por essa razão, a
Terceira Turma do STJ assegurou a um pai o direito de visitar a filha, mesmo
após ele ter ajuizado ação negatória de paternidade e ter desistido dela.
O tribunal local chegou a suspender as visitas até o fim da investigação de
paternidade. Diante da desistência da ação, o pai voltou a ver a criança. Ao
julgar o recurso da genitora, os ministros da Terceira Turma consideram que,
ao contrário do que alegava a mãe, os autos indicavam que ele não seria
relutante e que teria, sim, uma sincera preocupação com o bem-estar da
filha. Eles entenderam que os conflitos entre os pais não devem prejudicar
os interesses da criança, que tem o direito de conviver com o pai, conforme
estabelecido no artigo 19 do ECA, que garante o direito do menor à
convivência familiar. (Resp n. 1.032.875)
Quando um dos genitores passa a residir em outro estado, a disputa pelo
convívio diário com os filhos fica ainda mais complicada. Depois de quatro
anos de litígio pela guarda definitiva de uma criança, o STJ manteve a menor
com a mãe, que residia em Natal (RN) e mudou-se para Brasília (DF). Ao longo
desse período, decisões judiciais forçaram a criança a mudar de residência
diversas vezes. Em Natal, ela ficava com os avós paternos.
O pai pediu a guarda, alegando que a mãe teria “praticamente abandonado” a
filha. Disse, ainda, que ela não tinha casa própria em Brasília, nem emprego
fixo ou relacionamento estável. Nada disso foi provado. O laudo da
assistência social atestou o bom convívio entre mãe e filha e o interesse da
criança em ficar com a mãe.
Na decisão do STJ, merece destaque o entendimento sobre a alegação de que a
mãe estaria impossibilitada de sustentar a sua filha. A relatora, ministra
Nancy Andrighi, ressaltou que, mesmo se existisse prova nos autos a esse
respeito, é sabido que a deficiência de condições financeiras não constitui
fator determinante para se alterar a guarda de uma criança. Essa condição
deve ser analisada em conjunto com outros aspectos igualmente importantes,
tais como o meio social, a convivência familiar e os laços de afetividade.
(Resp n. 916.350)
Expulsão de estrangeiro
O inciso II do artigo 75 da Lei n. 6.815/1980 (Estatuto do Estrangeiro)
estabelece que estrangeiro não será expulso “quando tiver cônjuge brasileiro
do qual não esteja divorciado ou separado, de fato ou de direito, e desde
que o casamento tenha sido celebrado há mais de cinco anos; ou filho
brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele dependa
economicamente”.
Com base nesse dispositivo, muitos estrangeiros pedem revogação de expulsão.
A jurisprudência do STJ flexibilizou a interpretação da lei para manter, no
país, o estrangeiro que possui filho brasileiro, mesmo que nascido
posteriormente à condenação penal e ao decreto expulsório. Porém, é preciso
comprovar efetivamente, no momento da impetração, a dependência econômica e
a convivência socioafetiva com a prole brasileira, a fim de que o melhor
interesse do menor seja atendido.
Muitos estrangeiros, no entanto, não conseguem comprovar o vínculo afetivo e
a dependência econômica, tendo em vista que o simples fato de gerar um filho
brasileiro não é suficiente para afastar a expulsão. Nem mesmo a
apresentação de extratos bancários demonstrando depósitos é meio de
comprovação da dependência econômica. A comprovação é analisada caso a caso.
(HC
n. 31.449, HC n. 104.849, HC n. 141.642, HC n. 144.458, HC n. 145.319, HC n.
157.483) |