Interdito proibitório - Justo receio - Prova - Ausência - Justiça gratuita - Preclusão lógica

- O interdito proibitório é uma ação de natureza possessória, podendo ser proposta por possuidor que tenha justo receio de ser molestado em sua posse, requerendo ao juiz que lhe proteja da turbação ou esbulho iminente através de mandado proibitório sob pena pecuniária, nos termos do art. 932 do CPC.

- Há preclusão lógica do direito da parte que pretende a concessão dos benefícios da justiça gratuita, mas promove o preparo recursal, praticando ato incompatível com a gratuidade perseguida.

Recurso não provido.

Apelação Cível n° 1.0024.06.001953-6/004 - Comarca de Belo Horizonte - Apelante: Fernanda Amaral Ferreira - Apelada: Conisa Construtora Incorporadora Neves Ltda. - Relatora: Des.ª Evangelina Castilho Duarte

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Valdez Leite Machado, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento.

Belo Horizonte, 18 de março de 2010. - Evangelina Castilho Duarte - Relatora.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES.ª EVANGELINA CASTILHO DUARTE - Tratam os autos de interdito proibitório visando ao reconhecimento de inexistência de relação jurídica entre a apelante e a apelada, no intuito de evitar a realização de obras de acabamento no apartamento 502, do Edifício Everest, bairro Grajaú.

A apelante alegou que, em 14 de agosto de 2000, celebrou um contrato de compra e venda com a construtora Ferraz & Almeida, objetivando a aquisição do imóvel registrado sob a Matrícula nº 57.500, no Cartório de Registro Imobiliário de Belo Horizonte.

Afirmou que cumpriu todas as obrigações pactuadas com a promitente vendedora, sucedida pela Construtora Milão Ltda., que, por sua vez, teve sua falência decretada, o que acarretou a paralisação de todas as obras no imóvel.

Ressaltou que os condôminos formaram uma associação visando à conclusão da construção, sendo aprovada a proposta apresentada pela apelada; e, embora a autora tenha discordado, a empresa foi contratada.

Salientou que recebeu uma notificação da associação para pagar à apelada a quantia de R$ 156.487,16, esclarecendo que não reconhece a dívida, pois não concordou com a realização das obras, e não é obrigada a se filiar a uma associação.

Esclareceu que tomou conhecimento de que a apelada está realizando obras de acabamento interno nos apartamentos, existindo o risco de serem empreendidos serviços não autorizados no seu imóvel.

A apelada apresentou contestação, arguindo as preliminares de falta de interesse de agir e de inépcia da inicial.

No mérito, afirmou que o imóvel ainda está em construção, sem que a apelante tenha sido imitida na sua posse.

Ressaltou que a apelante assinou a Convenção de Condomínio do Edifício Everest, estando subordinada às decisões tomadas pela assembleia.

A r. decisão de 1º grau, f. 298/306, julgou improcedente o pedido formulado pela apelante, condenando-a ao pagamento de custas e honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa, devidamente corrigido.

A apelante pretende a reforma da decisão recorrida, alegando que, embora o imóvel esteja inabitável, não pode ser impedida de nele entrar para avaliar as obras que pretende realizar.

Aduz que a obra, bem como o seu preço, foram estipulados de forma unilateral e sem qualquer ajuste contratual.

Salienta que a realização de obras no seu apartamento acarretará a invasão de propriedade e provocação de danos, pois será forçada a promover reforma, já que o resultado dos serviços da apelada estaria contrário aos seus interesses.

Afirma que, no contrato firmado entre a associação de moradores e a apelada, constam valores individualizados referentes a cada unidade, inexistindo informação a respeito do seu apartamento.

Reitera as alegações de que não participa da associação de moradores e de que não votou a favor da realização da construção, não possuindo, portanto, qualquer relação obrigacional com a requerida.

Ressalta que a associação possui natureza jurídica diversa da convenção de condomínio.

Frisa que as testemunhas divergiram com relação à data de início da paralisação das obras.

Insiste que a ameaça à sua posse restou demonstrada com a cobrança pelas obras de acabamento, não prosperando a alegação da MM. Juíza a quo de que não houve a comprovação do justo receio.

Pleiteia ainda a reforma da sentença que a condenou ao pagamento de custas e honorários advocatícios.

Requer o provimento do recurso.

Contra a sentença de f. 298/306, foram opostos embargos de declaração, cuja decisão foi publicada em 3 de junho de 2009, vindo a apelação em 18 de junho, no prazo recursal, acompanhado de preparo.

Estão presentes, portanto, os requisitos para conhecimento do recurso.

Tratam os autos de interdito proibitório visando ao não reconhecimento da dívida cobrada da apelante e para a vedação de realização de obras no interior do seu apartamento.

Sobre o instituto do interdito proibitório, Orlando Gomes assim ensina:

"O interdito proibitório é ação possessória, de caráter preventivo, para impedir turbação ou esbulho. O possuidor ameaçado de sofrê-los previne o atentado, obtendo mandado judicial para segurar-se da violência iminente. Para impetrar o interdito proibitório, basta que o possuidor receie de ser molestado em sua posse. A pretensão dirige-se contra quem tenta a turbação ou o esbulho. A ação preventiva do possuidor tem cabimento tanto quando há ameaça de turbação como de esbulho" (In: Direitos reais. 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 94.)

O interdito proibitório é uma ação de natureza possessória, podendo ser proposta por possuidor que tenha justo receio de ser molestado em sua posse, requerendo ao juiz que o proteja da turbação ou esbulho iminente através de mandado proibitório sob pena pecuniária, nos termos do art. 932 do CPC.

Dessa forma, tal instituto visa a impedir a concretização de uma ameaça à posse, sendo indispensável que a parte interessada demonstre a posse anterior, bem como a ameaça de turbação, esbulho e o justo receio de que seja efetivada tal ameaça.

Nesse diapasão, Humberto Teodoro Júnior (in Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 148-149):

"Enquanto os interditos de reintegração e manutenção pressupõem lesão à posse já consumada, o interdito proibitório é de natureza preventiva e tem por objetivo impedir que se consume dano apenas temido [...]''.

No mesmo sentido, a lição do mestre Darcy Bessone (in Direitos reais. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 295-296):

"A proteção possessória refere-se, assim, ao jus possessionis, abrangente dos direitos derivados da posse. Não é própria para o resguardo do jus possidendi, isto é, do direito de possuir, que cabe ao proprietário e pode caber ao titular de direito real sobre coisa alheia [...] ou mesmo ao titular de certos direitos pessoais [...]. Assim, a ação reivindicatória, que visa a assegurar a posse ao dono, não integra a proteção possessória. A imissão de posse não é ação do possuidor, fundada no jus possessionis, mas, sim, ação do proprietário, fundada no domínio, e, por consequência, no jus possidendi''.

Depreende-se dos autos que a apelante comprovou ser proprietária do imóvel objeto do litígio. Contudo, como a demanda possui a natureza possessória, é indispensável a prova da posse anterior ao ajuizamento da ação, bem como da ameaça de turbação e esbulho, assim como do justo receio de ser efetivada a ameaça.

Ora, a recorrente alega, em seu recurso, que o imóvel se encontra inabitável, demonstrando que jamais exerceu a posse do bem, não havendo que se falar, portanto, em ameaça de turbação ou esbulho, assim como do justo receio de sua concretização.

Por outro lado, o documento de f. 33 comprova que houve aprovação unânime da proposta realizada pela apelada, não restando comprovado que a apelante tenha votado contra a realização das obras.

Observa-se do mesmo documento que 50% dos condôminos aprovaram a proposta da apelada, sendo a unanimidade dos presentes à assembleia de condomínio realizada em 18 de abril de 2004.

A inexistência de assinatura da recorrente na ata de assembleia que aprovou a realização das obras demonstra apenas sua ausência à reunião.

Não pode, ademais, ser considerado justo receio de turbação ou esbulho a execução de obras de conclusão da construção do edifício onde está situado o apartamento da apelante, pois a obra não molesta seu direito, mas o assegura na medida em que promove a conclusão da obra em benefício de todos os condôminos.

Pertinentes os ensinamentos de Newton Agnaldo Moraes dos Santos, em obra coordenada por Antônio Carlos Marcato (Código de Processo Civil interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 2.490):

``O justo receio não decorre de mera conjectura ou possibilidade. A atuação jurisdicional só se justificará se o réu externar conduta indicativa no propósito de molestar. Não bastam, pois, suposições ou simples temores do possuidor; é preciso que haja pelo menos indícios que justifiquem a tutela possessória contra a turbação ou esbulho iminente''.

Inexistindo prova da existência de justo receio de moléstia à posse da recorrente, não se pode acolher a pretensão de interdição da obra.

Assim, não há ameaça de dano ao imóvel da apelante, uma vez que a apelada foi contratada para concluir as obras conforme ata da Assembleia de Condôminos, que são fundamentais para a segurança da estrutura de todo o empreendimento imobiliário.

Não se pode acolher, ainda, a alegação de possibilidade de que o resultado da obra seja contrário aos interesses da apelante, por não estar evidenciado que os serviços sejam de acabamento, mas de conclusão da construção, revertendo em benefício de todos os condôminos.

Observa-se, por fim, que a intenção da apelante é de se furtar ao pagamento da sua contraprestação pela execução das obras, intuito que não pode prosperar, uma vez que a contratação da apelada foi deliberada em assembleia de condôminos, e não por associação de moradores, obrigando, portanto, a toda a coletividade condominial.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, estabelece a igualdade entre todos sem qualquer distinção, que, em seu inciso LXXIV, assegura a assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

A Lei 1.060/50, que regulamenta a assistência judiciária, embora anterior à Constituição Federal em vigor, estipula que a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio e de sua família.

O art. 4º, § 1º, da mesma lei estipula que se presume pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição de miserabilidade.

Logo, a concessão de assistência judiciária a pessoa física depende tão somente de declaração nos termos da lei, de que a parte não possui meios para arcar com as despesas do processo.

Incumbe, portanto, à parte contrária, que porventura impugnar a concessão da assistência judiciária, provar a suficiência de recursos do beneficiário, para vê-la revogada.

"Assistência judiciária - Justiça gratuita - Benefício que deve ser concedido mediante simples afirmação da parte da impossibilidade de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, em prejuízo próprio ou de sua família - Inteligência do art. 4º da Lei 1.060/50.

Ementa da Redação: Os benefícios da assistência judiciária gratuita devem ser concedidos mediante simples afirmação da parte acerca de sua impossibilidade de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família, nos termos do art. 4º da Lei 1.060/50'' (2º TACivSP - AgIn 737.611-00/5 - 10ª Câm. - j. em 12.06.2002 - Rel.ª Juíza Cristina Zucchi - RT v. 808 - p. 310).

Basta, portanto, a existência da declaração firmada pela parte para que se concedam os benefícios da justiça gratuita.

"Para que a parte obtenha os benefícios da assistência judiciária, basta a simples afirmação da sua pobreza, até prova em contrário" (RSTJ 7/414; neste sentido: STF-RT 755/182, STF-Bol. AASP 2.071/697j, STJ-RF 329/236, STF-RF 344/322, RT 789/280, Lex-JTA 169/15, RJTJERGS 186/186, JTAERGS 91/194, Bol. AASP 1.622/19), o que dispensa, desde logo, de efetuar o preparo inicial (TRF-1ª Turma, AC 123.196-SP, Rel. Min. Dias Trindade, j. em 25.08.87, deram provimento, v.u., DJU de 17.09.87, p. 19.560)" (NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 34. ed. São Paulo: Editora Saraiva, p. 1.143).

A apelante juntou declaração de pobreza, conforme se verifica à f. 271.

Entretanto, para recorrer, a apelante efetuou o preparo, praticando ato incompatível com a gratuidade perseguida, ocasionado a preclusão lógica do seu direito.

Impossível, pois, a concessão dos benefícios da justiça gratuita à apelante, que demonstrou ter meios para arcar com as despesas do processo.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso apresentado por Fernanda Amaral Ferreira, mantendo na íntegra a sentença de primeira instância.

Custas recursais, pela apelante.

Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Antônio de Pádua e Hilda Teixeira da Costa.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico de MG - 19/07/2010.

Nota de responsabilidade

As informações aqui veiculadas têm intuito meramente informativo e reportam-se às fontes indicadas. A SERJUS não assume qualquer responsabilidade pelo teor do que aqui é veiculado. Qualquer dúvida, o consulente deverá consultar as fontes indicadas.